Para quê investir em exploração espacial com tanta criancinha passando fome? Não é melhor resolvermos os problemas aqui antes de gastar dinheiro com espaço?
Todo mundo já ouviu isso, muita gente fala isso, e embora a resposta visceral mais comum seja gritar “você usa GPS, seu idiota”, isso não é muito produtivo. Neste artigo vamos conhecer 20 tecnologias derivadas da exploração espacial que são usadas por todo mundo, e desmistificar essa idéia de que é desperdício investir em espaço.
Quando alguém fala que uma missão custou US$100 milhões, ou US$1 bilhão não quer dizer que o dinheiro foi sacado em sacos de lona com cifrões desenhados e atuchado dentro do foguete. Cada centavo de qualquer projeto de exploração espacial é gasto na Terra, em salários, insumos, pesquisa e desenvolvimento de novos métodos de produção.
Mesmo ignorando vidas salvas com sistemas de monitoramento de desastres naturais, GPS e meteorologia, entre empresas como a ULA e a SpaceX (e suas centenas de fornecedores) e produtos do dia-a-dia derivados da exploração espacial, cada US$1,00 investido no setor retorna US$14,00 para o mercado.
Vamos então aos produtos e tecnologias desenvolvidos pela NASA:
1 – A câmera do seu celular
Câmeras de TV são muito grandes, era complicado pra NASA instalar câmeras em sondas espaciais, sem contar que os cameramen sempre morriam. Em busca de tecnologias mais compactas e eficientes, foi feita uma pesquisa para aprimorar os sensores CCD das câmeras existentes. A tarefa coube a um físico e engenheiro chamado Eric Fossum.
Ele combinou técnicas japonesas com uma nova tecnologia de construção de chips e se saiu com um sensor CMOS que era extremamente compacto, baixo consumo e 100 vezes mais rápido que um sensor CCD. A solução foi compartilhada com a indústria e os sensores CMOS viraram um padrão, hoje seis bilhões de sensores são fabricados todos os anos, usados em celulares, câmeras de segurança, sensores de proximidade e sondas espaciais.
2 – Termômetro de engolir
É uma tecnologia muito usada por atletas profissionais, e pacientes que precisam de monitoramento contínuo. Também e principalmente era essencial para a NASA, que queria acompanhar a temperatura interna de seus astronautas em atividades extra-veiculares, e poucos astronautas gostaram da idéia de um termômetro introduzido por horas lá aonde o sol não brilha.
Uma verba da NASA para a Universidade John Hopkins fomentou a pesquisa e desenvolvimento de uma cápsula que depois de ingerida percorre o sistema digestivo (digestório my ass) medindo a temperatura ambiente e transmitindo um sinal eletromagnético com a informação. Depois de testada em animais (sorry, Luisa Mell) e voluntários, em 1991 ela foi ao espaço, aonde astronautas também a testaram com sucesso. Hoje essa cápsula (não a mesma, claro, nem lavando o pessoal iria querer engolir de novo) é usada pela NFL, equipes de automobilismo e atletismo no mundo todo.
3 – Compressão de Video
Antigamente não havia a abundância de processamento que já hoje em dia, então o vídeo digital era capturado em formato bem pouco otimizado, quase sem compressão. Quando muito, gravava-se em MJPEG, que era basicamente uma série de frames comprimidos em JPEG.
O resultado eram arquivos gigantescos (pra época) que precisavam ser comprimidos em formatos mais eficientes, como MPEG, o que demandava muito tempo e muita CPU. Para reproduzir os arquivos, só com hardware dedicado, pelo mesmo motivo.
Em 1982 a NASA deu início a um projeto chamado SBIR – Small Business Innovation Research, aonde fomentaria pesquisas em pequenas empresas, com objetivo de produzir novas tecnologias com um “segundo uso”, ou seja: Resolvendo problemas da NASA E criando produtos derivados dela.
Uma dessas empresas foi a Optivision, de Palo Alto, Califórnia. Eles foram contratados pelo Goddard Space Flight Center para desenvolverem duas placas para PCs em 1993 capazes de capturar vídeo com qualidade broadcast em tempo real (25 ou 30 quadros por segundo) e comprimir esse vídeo em formato MPEG. A placa descompressora recebia um streaming MPEG com áudio MPEG2 e exibia o vídeo também em tempo real, algo totalmente fora do alcance das CPUs da época.
Hoje compressão e descompressão de vídeo por hardware é a norma, qualquer celular decente faz isso, mesmo a maioria dos indecentes faz. Todo SOC ARM usado em smartphones tem um módulo H.264 (e os mais recentes H.265) especializado em lidar com vídeo.
4 – Comida de Bebê
No começo dos Anos 80 a NASA promoveu um projeto chamado CELSS (Closed Environment
Life Support System) com os laboratórios Martin Marietta, em Baltimore. O objetivo era testar o cultivo de microalgas para servir de comida para astronautas. Quando o projeto foi cancelado em 1985 vários cientistas viram o potencial e saíram para criar uma empresa que daria desenvolvimento à pesquisa.
Em 1994 a empresa, Martek, patenteou a Formulaid, uma comida para bebês feita com algas e com o bônus de ser rico em ácido araquidônico ácido docosahexaenoico, dois ácidos graxos essenciais para o desenvolvimento dos bebês. Eles estão presentes no leite materno, mas não na maioria dos leites em pó e sustagens em geral.
5 – Trajes de Compressão para Gestantes
A hemorragia pós-parto mata 280 mil mulheres todos os anos. É uma condição aonde diversos sangramentos surgem no abdômen, por causa do trauma do parto. Está entre as principais causas de mortalidade materna, mesmo em países desenvolvidos, tanto que em 1969 um hospital nos EUA se descobriu sem opções.
Uma paciente por semanas continuava com uma hemorragia insistente, ela havia passado por nove cirurgias, e tudo que os médicos do Hospital Universitário de Stanford podiam fazer era dar mais transfusões de sangue. Até que um deles pediu ajuda aos universitários, e por universitários eu quero dizer os engenheiros do Centro de Pesquisa Ames, da NASA.
Eles deduziram que a melhor forma de tratar uma hemorragia é comprimindo o local, mas como fazer isso com o abdômen inteiro da paciente? Felizmente eles tinham uma solução quase pronta.
Pilotos de caça e astronautas usam um equipamento chamado Traje G, um equipamento ligado a sensores e bombas pneumáticas na aeronave que quando o piloto sofre a ação de várias vezes a força da gravidade, em uma manobra radical, seus membros são comprimidos, evitando que o sangue desça para as pernas e ele perca a consciência.
Os cientistas e engenheiros modificaram um Traje G padrão, adaptaram as válvulas para os equipamentos disponíveis no hospital e correram levando a trapizomba para ser usada pela paciente.
Em apenas 10 horas de uso do traje, a paciente já apresentou melhoras e a hemorragia havia diminuído. No final ela teve recuperação plena.
A tecnologia foi repassada para a indústria, novas pesquisas foram feitas e hoje trajes usando os mesmos princípios são usados no mundo todo, com projetos financiados inclusive pela Fundação Bill e Melinda Gates. Estima-se que com o uso do traje de compressão as mortes maternas sejam reduzidas em 50%.
6 – Ferramentas Wireless
Que é muito mais chique que falar sem-fio. Quando a exploração espacial estava no auge, no tempo do programa Apollo, a NASA percebeu que teria que escavar rochas e solo para obter amostras (cientistas adoram amostras) e fazer isso manualmente ocuparia um tempo proibitivo.
As exigências foram se empilhando; as furadeiras precisavam funcionar no vácuo, sem depender de ar para refrigeração; precisavam consumir pouca energia; precisavam ser leves e compactas; precisavam usar baterias, sem depender de uma tomada.
A documentação foi enviada à Black & Decker, contratada para desenvolver a solução. As ferramentas criadas para a NASA se mostraram tão eficientes que a empresa aproveitou a tecnologia e criou toda uma linha de ferramentas sem-fio, incluindo a mais popular de todas, os aspiradores portáteis Dustbuster.
7 – Pistas de Pouso
Os shuttles foram a mais linda e representativa imagem da Exploração Espacial, mas a NASA morria de medo do que poderia acontecer com eles, principalmente no pouso, já que eles não voavam, caíam com estilo. Um tijolo com asas com pouquíssima autoridade aerodinâmica e sem motores poderia se dar mal num pouco durante uma chuva forte.
A possibilidade do shuttle derrapar ou sofrer aquaplanagem era real, como evitar isso?
Normalmente você usa pneus com ranhuras, mas além de serem lisos os pneus do ônibus espacial eram pequenos e poucos, só seis. A NASA bateu cabeça até que chegou a uma solução: Transferir as ranhuras para a pista.
Fazendo pequenas ranhuras no asfalto da pista de pouso a água escoa com mais facilidade, e quando o pneu entra em contato com ela, mesmo que esteja chovendo forte não ocorre aquaplanagem.
A idéia foi aplicada às pistas de pouso do Space Shuttle e muito rapidamente foi adotada por aeroportos no mundo inteiro, a segurança da exploração espacial usada por todos os viajantes.
8 – Máquinas de Exercício
(dizem) toda academia tem um monte de pesos e máquinas com contrapesos, exercícios dependem deles, mas no espaço além de ser muito caro mandar coisas pesadas pra lá (US$10 mil por Kg) como estão em ambiente de microgravidade, queda livre, os pesos não pesam nada, e os astronautas acabavam tendo que focar seus exercícios em esteiras de corrida e bicicletas ergométricas.
Um belo dia um inventor chamado Paul Francis leu uma matéria sobre esses problemas e lembrou que ele mesmo tinha algumas idéias sobre isso. Juntando seus projetos e desenhos ele contactou a NASA e foi convincente o suficiente para conseguir uma entrevista.
Francis e a NASA sabiam que pesos podiam ser substituídos por qualquer coisa que oferecesse resistência, mas molas tendiam a quebrar e elásticos não eram fortes o bastante. Elásticos tinham o problema de oferecer resistência progressiva, quando você começa a puxar não faz tanta força, o que afeta o exercício.
Paul Francis propôs um sistema de elastômeros, sem contrapesos que seria mais compacto e bem mais leve que pelos, regulável e com os mesmos benefícios de pesos comuns. A NASA gostou tanto que encaminhou Francis para a Lockheed Martin, aonde foi feita uma proposta formal de financiamento e um projeto de pesquisa surgiu.
Depois de 18 meses a NASA ganhou o seu Interim Resistive Exercise Device (IRED), um equipamento que permite aos astronautas puxar ferro sem ferro e Francis licenciou sua tecnologia para uma empresa que mais tarde se tornaria a Bowflex, um dos nomes mais conhecidos no mercado de equipamentos de exercícios.
9 – Winglets
Combustível é um bem precioso, e nos Anos 70 com a crise do petróleo isso ficou bem evidente. Pensando mais adiante, combustível seria mais caro e precioso ainda em Marte, aonde não há árabes pra gente invadir atrás de petróleo. Por isso a NASA começou a pesquisar formas de tornar aeronaves mais eficientes, não só para a Agência, que faz milhares de vôos todos os anos com uma frota imensa e diversificada, mas para todo mundo.
Uma das formas de economizar combustível é diminuir a turbulência gerada pela própria aeronave ao se mover pelo ar. Uma das fontes dessa turbulência são as pontas das asas, que geram vórtices que diminuem a eficiência do avião como um todo.
Isso era suspeitado por muitos engenheiros, e no começo do Século XX uma solução havia sido proposta, mas como era uma solução pra um problema que ninguém sabia se existia, ninguém deu bola.
Quando o Dr. Richard Whitcom começou a estudar o problema, no Centro de Pesquisas da NASA em Langley, modelos computadorizados mostraram que não só os vórtices causavam problemas, como o uso de Winglets, aquelas pontas verticais nas asas, aumentaria a eficiência entre 6% e 9%.
Não parece muito, mas quando você consome 7.5 milhões de barris de combustível todo dia, uma economia dessas é tentadora.
Um KC-135 da Força Aérea foi emprestado para a NASA, winglets foram instaladas e testadas e uma economia de combustível de 6.5% foi confirmada. Daí foi apenas a loooonga e leeeeennnta migração da nova tecnologia para a extremamente conservadora indústria aeronáutica.
Com o tempo aviões foram sendo projetados com winglets, e quando ficou evidente a economia, kits para adaptar a estrutura a aviões antigos começaram a aparecer. Hoje são equipamento padrão na imensa maioria dos aviões comerciais, e que estarão presentes quando realizarmos o grande sonho da exploração espacial: Colonizar Marte.
10 – Termômetro infravermelho
Você já parou para pensar como a NASA determina a temperatura de um planeta ou uma estrela distante, sem chegar até lá e encostar um termômetro? OK, provavelmente não, mas eu explico: Todos os corpos emitem naturalmente radiação eletromagnética, e ela varia de acordo com a temperatura.
Metal muito aquecido fica amarelo, depois branco, mas isso não quer dizer que ele pare de “brilhar” em temperatura ambiente, todo objeto à nossa volta mesmo em “temperatura ambiente” está brilhando na faixa do infravermelho.
A NASA usa essa característica para detectar a temperatura da superfície de estrelas e planetas. Essa tecnologia foi extremamente aprimorada por décadas, enquanto isso um problema afetava pediatras no mundo todo.
Nota: Pediatra, médico de criança, aquilo que você está pensando é médico de pedestre. E sim, eu kibei essa piada do Chico Anysio.
Medir temperatura de bebês não é nada fácil. Enfie um termômetro de mercúrio na boca do tinhoso e ele vai mastigar aquilo engolir o mercúrio e quando ficar adulto vai defender os Correios no Facebook. A alternativa é introduzir (epa) o termômetro lá aonde o sol não brilha, e segurando o bacorinho. Mesmo assim eram comuns acidentes, e poucas coisas são mais inconvenientes do que um termômetro de vidro quebrado dentro de seu fiofó. Dizem.
Solução? Uma empresa chamada Diatek pensou em fazer um termômetro auricular infravermelho, mas não tinha a expertise, felizmente a NASA, com seus programas de fomento e pesquisa podia ajudar. Em conjunto usaram o know-how oriundo da exploração espacial, algoritmos e filtros para criar um termômetro capaz de determinar a temperatura de uma pessoa em menos de dois segundos, com precisão de 0.1 °C, sem usar mercúrio e nem mesmo encostar.
Uma capa descartável é a única coisa que toca o paciente, enquanto o termômetro mede a energia infravermelha emitida pelo tímpano, compara com a temperatura ambiente, cria uma linha de base e calcula a temperatura do sujeito.
Desde então os termômetros auriculares podem ser encontrados em qualquer farmácia, para a alegria de milhões de bebês e seus fiofós intocados.
11 – Bônus: Tecnologias que a NASA NÃO inventou
Mesmo com uma imensa quantidade de tecnologia derivada de suas pesquisas, ainda há coisas que as pessoas dizem que a NASA inventou, mas não é verdade. Entre elas temos:
1 – Velcro – Há duas versões, a primeira que o Velcro foi inventado em 1941 por um engenheiro suíço chamado George de Mestral, a outra mais provável é que o velcro foi inventado em Themyscera.
2 – Tang – Aquele pozinho radioativo com sabor remotamente de laranja que só criança consegue gostar foi usado em várias missões da NASA, mas não foi inventado por ela. A General Foods criou o Tang por conta própria em 1957.
3 – Código de Barras – Não sei de onde surgiu essa história de que a NASA criou os códigos de barra, quanto todos sabemos que eles são obra de Satanás.
4 – Teflon – Criado pela DuPont, em 1941. A substância antiaderente foi muito usada pela NASA, mas não foi criada por ela também.
5 – Caneta Espacial – Essa você já ouviu, a NASA gastou milhões criando uma caneta espacial, os russos usavam lápis. Como contado aqui, inicialmente os dois usavam lápis, A Fisher projetou e construiu a caneta por conta própria e no final a NASA E os russos compraram as canetas espaciais, por US$2,95 a unidade.
6 – Circuito integrado – O primeiro microchip foi criado pela Fairchild, em 1959. O mérito da NASA aqui foi adotar a nova tecnologia com bastante entusiasmo, a ponto de criar uma escassez mundial, comprando praticamente toda a produção, o que fez com que o mercado ficasse curioso e a tecnologia fosse universalmente adotada.
Para Saber Mais:
- 20 Thinks we wouldn’t have without space travel
- NASA Saves Lives with “Groovy” Spinoff
- NASA Spinoff
- Technology: Space probe turns thermometer
- Space Technology Isn’t Just Rockets And Satellites !
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