Esse negócio aí embaixo na imagem é um Pollicipes pollicipes. um molusco parente das cracas que em Portugal é chamado de Percebes, mais uma daquelas iguarias portuguesas que fazem a festa de quem adora frutos do mar. Em inglês ele é chamado de Goose Barnacle, craca-ganso, por ter uma remota semelhança com um ganso que vive nas mesmas regiões, e foi confusamente batizado de Barnacle Google, ganso-craca.
Essa confusão foi estimulada pelo menos desde o Século XII, quando era comum padres e monges irlandeses comerem os gansos durante a Quaresma. Tecnicamente eles deveriam se abster de consumir carne, mas havia uma percepção que os gansos-craca nasciam das… cracas-ganso, e não de um ganso e uma gansa que se amavam muito e davam um abraço especial.
O oba-oba correu por um bom tempo, até que para alívio dos gansos, em 1215 o Papa Inocêncio III, que de bobo não tinha nada decretou que se o bicho parece um ganso vive como ganso grasna como um ganso, os padres não estão enganando ninguém, muito menos Deus dizendo que é um fruto penoso do mar.
O que não foi questionado era um dogma mais que estabelecido: A Teoria da Geração Espontânea.
O conceito era que vida podia surgir naturalmente de matéria inanimada, já pronta e acabada. Não quer a teoria não tenha sua validade, todos sabemos que caixas vazias promovem a materialização de gatos, mas desde os tempos de Aristóteles, um dos primeiros defensores da Teoria, acreditava-se que carne podre gerava moscas, madeira gerava vermes e cupins, lama gerava ratos.
Por volta do Século XVI os cientistas já não estavam tão certos do conceito de geração espontânea, uma teoria que competia com a bem menos complicada idéia de que machos e fêmeas juntos eram suficientes para gerar filhotes, teoria essa que sobreviveu até o começo do Século XXI, caindo em desuso com a invenção do Tumblr.
Diversos experimentos foram feitos, mas antes da Teoria dos Germes, ninguém sabia que microrganismos existiam na superfície dos espécimes testados. Alguns cientistas chegaram bem perto, esterilizando amostras mas como as deixavam expostas ao ar, isso acabou “comprovando” a teoria da geração espontânea. Quando as amostras não eram expostas ao ar nada crescia nelas mas o argumento era que ar era importante para a geração espontânea.
A prova definitiva só apareceu em 1859, quando Louis Pasteur aqueceu caldos de cultura em frascos, e os deixou expostos ao ar mas com uma pegadinha: Mantendo-se dentro da temática de aves aquáticas ele criou um frasco pescoço de cisne:
Esse frasco permite que o ar atinja o interior do frasco, mas as curvas não deixam que partículas mais pesadas, como bactéricas gordas caiam no líquido. Elas ficam presas nas paredes, e como bactérias possuem pernas muito pequenas, e são muito sedentárias, não se animam a percorrer a distância até o caldo de cultura.
Com todos os requisitos para a geração espontânea, nada cresceu no frasco de Pasteur. Agora, 161 anos depois, um monte de gente acha que isto aqui pode criar vírus do nada.
Caso a situação tenha saído de controle, a humanidade extinta e você seja uma barata evoluída lento este texto em um museu, 25 milhões de anos no futuro, eu explico: Em 2020 um vírus, provavelmente originado de morcegos usados como alimento na China saltou para humanos, com uma taxa de contágio bem alta e causando centenas de milhares de mortes mundo afora.
O SARS-COV-2 é uma das 40 espécies da família Coronaviridae, que remontam a pelo menos 55 milhões de anos atrás, infectando preferencialmente aves e mamíferos. Mesmo assim as teorias conspiratórias se espalharam de forma… wait for it… viral.
Houve gente dizendo, baseado em nada, que o vírus foi criado em laboratório pelos chineses, que por algum motivo resolveram infectar a própria população, gastar bilhões para combater a infecção e ao mesmo tempo destruir a economia de seus maiores clientes.
Uma variação diz que o vírus era uma arma biológica que escapou de um laboratório, provavelmente com uma serra minúscula e uma corda feita com lençóis pequeninos e adoráveis, o problema: Como arma biológica ele é inútil. É um vírus cuja maior faixa de mortalidade está entre idosos.
Ou seja: A tal arma não encosta (estatisticamente falando) nas faixas mais produtivas da sociedade, e é irrelevante na faixa etária principal entre as forças militares. E mesmo assim, 80% dos casos nessa faixa são leves.
Não estou dizendo que a doença não é séria, é uma tragédia que não vemos tem alguns séculos, mas é uma tragédia que mata centenas de milhares de pessoas principalmente do grupo errado para quem quer ganhar uma guerra.
o Coronga é uma arma biológica que mata os avós do soldado e o deixam com sangue no olho pra se vingar.
A melhor de todas as teorias conspiratórias, claro, é que o vírus está sendo criado por… Redes 5G.
Isso mesmo. No bom e velho jogo de telefone sem fio envolvendo a telefonia celular, passamos da bobagem de “celular dá câncer”, algo que já foi desmentido por um monte de estudos e principalmente pela falta de uma epidemia de casos de câncer proveniente do extremo aumento no número de usuários de telefones celulares nos últimos 15 anos.
Os estudos, claro, não afetaram o pessoal que se informa por textos em letras verdes em caixa alta em blogs com fundo preto e um monte de banners de webrings na lateral. E como você pode ver na imagem acima, nem é novidade, bem antes das Redes 5G já havia o movimento que tinha CERTEZA que celulares com a mais nova tecnologia causavam câncer, ao contrário dos celulares antigos e mais seguros. Aí, quando vinha a nova nova tecnologia, a problemática era esquecida, em prol da nova ameaça.
Para o grande público é simples cair nessas histerias, por causa da palavra “RADIAÇÃO eletromagnética”, que passa a idéia de que todo celular é uma mini-Chernobyl pronta a explodir.
RADIAÇÃO (vamos todos morrer) ELETROMAGNÉTICA
Apesar do nome, radiação eletromagnética não é nenhum bicho de sete cabeças. Átomos gostam de tranquilidade. Se você energizar um átomo, ele vai ficar incomodado e expelir o excesso de energia para voltar ao equilíbrio. Ele faz isso com um elétron emitindo uma partícula energética, um fóton. Esse fóton pode ter pouca ou muita energia, e essa energia é que vai determinar como nós o percebemos.
Como nada é simples, nosso fóton leva uma vida dupla. Ele é uma partícula mas secretamente também é uma onda. E quando ele se identifica como onda, provavelmente com o nome Thayanne, ele tem uma frequência e um comprimento de onda, diretamente atrelados à energia que ele carrega.
Pegue rádio AM (pergunte a seus avós), na faixa de 30KHz. Um fóton vibrando nessa frequência tem uma energia na casa de 124 pico elétrons-volt. À medida que a frequência vai subindo, os fótons ficam mais energéticos, até chegar ao ponto em que eles conseguem interagir com moléculas em nossos olhos, nessa faixa eles já deixam de ser ondas de rádio e se tornam luz visível. A energia típica de um fóton desses é 1.24 elétrons-volt. Isso são seis ordens de magnitude mais energia do que a nossa onda de rádio lá de trás.
Essa “radiação” até aqui é chamada de radiação não-ionizante, e engloba luz visível, ultravioleta, infravermelho, microondas. O nome vem do fato desses fótons não terem energia suficiente para ionizar outros átomos.
Eu explico: Quando um fóton atinge um elétron, ele repassa sua energia pra ele, que em geral a emite de volta, mas se o fóton tiver mais energia do que o elétron consegue gerenciar, ele é arrancado do átomo. Isso gera um desequilíbrio de cargas, o que é péssimo se esse átomo fizer parte de uma molécula. Ao invés de CO2 uma ionizada errada e você acaba com CO, que não é nada bom.
Para nossa sorte a radiação ionizante começa no extremo ultravioleta, com energias de 134 Elétrons-volt, mas mesmo essa é fraca, é o que a gente corre risco de pegar num Sol de Meio-Dia na praia. Pra chegar a full Chernobyl você precisa encarar raios-x (124 Kilo Elétrons-volt) ou Raios Gama (1.24 Mega Elétrons-volt).
Ah mas e as Redes 5G?
A telefonia 5G funciona nas frequências normais de telefonia móvel e na faixa agora liberada de 24 a 86GHz. Qual a energia de um fóton a 86GHz? 0.35 mili-Elétrons-volt. Sim, isso mesmo, uma ordem de magnitude mais fracos do que fótons na faixa da luz visível, no espectro da cor vermelha.
Ah mas microondas devem ser bem mais poderosas, afinal servem pra fazer lasanha, certo?
Certo, microondas servem para fazer lasanha, e tecnicamente as Redes 5G cem no espectro de microondas, mas o segredo do forno de microondas não é a energia, é a proximidade. As ondas de rádio são refletidas pelas paredes do forno até atingirem a comida. Essas ondas forçam as moléculas que são polarizadas a mudar de posição, como aquele truque da limalha de ferro numa folha de papel com um imã embaixo.
Esse movimento gera energia cinética que é dissipada na forma de calor. O microondas nada mais é que um professor de educação física forçando as moléculas a se exercitarem e se esquentarem.
Para fazer isso um microondas decente usa 1kW de potência.
Uma torre de celular em área urbana transmite em média com 10W de potência. Isso não é… NADA.
Claro, um laser de 10W furaria sua mão, mas o grande ponto, que o pessoal que morre de medo da “radiação” dos celulares não entende é que essa energia se dispersa muito rápido. Na razão inversa do quadrado da distância.
Se você está a 1 metro de uma fonte de energia eletromagnética, como uma lâmpada, vai receber X pitombas de energia. Se se afastar a 2 metros, essas X pitombas vão estar espalhadas em uma área 4 vezes maior, você receberá 1/22 da energia inicial. Afaste-se a 3 metros, e a energia cai para 1/32.
Agora o pulo do gato: Você só recebe a energia que te atinge. Uma antena de celular 5G, uma lâmpada, uma estrela ou uma explosão nuclear irradia energia em todas as direções. Por isso aqueles esquemas de transmissão de energia sem-fio são furados, você precisa de um transmissor extremamente potente pois a maior parte da energia vai se perder.
Vamos ver então quanta energia chega a seu corpo vinda de uma torre de celular. Imagine que você tenha uns 2 metros quadrados de área. Está a 1Km de uma torre maligna de Redes 5G cancerosa coronguenta, transmitindo a inaceitáveis 100W, 10x além do normal. Qual a área dessa esfera? A fórmula é:
A=4πr2
Isso dá uma área de 12600000 metros quadrados. Se calcularmos a energia incidente dividindo 100W pela área isso dá 0.000007936W por metro quadrado. Isso não dá nem pra cozinhar um vírus, que dirá criar vida artificial e contaminar alguém.
Um dos argumentos do pessoal que insiste que celulares são malignos é que a distância do aparelho é pequena, por isso ele nos afeta. Tecnicamente um celular é milhares de vezes mais potente do que uma torre, se você encostar o bicho na cabeça, mas essa potência é na casa de 1W, e de novo, com aqueles detalhes de serem fótons de baixa energia. No máximo ele poderia esquentar você, mas o calor irradiado pelo aparelho por outros motivos é dezenas de milhares de vezes maior do que o calor gerado pelas ondas de rádio, seu celular esquenta seu cérebro porque você fala demais e ele pede arrego, só isso.
E não, WIFI também não dá câncer. Existe uma síndrome documentada de “sensibilidade a campos eletromagnéticos“, que chegou a fazer com que algumas cidades de interior banissem WIFI de escolas, mas é um caso clássico de ciência errada, a psiquiatria é a responsável, não a física. As pessoas desarranjadas que dizem sofrer disso são incapazes de passar por testes cegos, elas essencialmente querem atenção.
Existem animais com estruturas capazes de detectar campos eletromagnéticos, como patos, gansos, pombos e andorinhas européias. As africanas não, pois como sabemos elas não são migratórias. Mamíferos em geral e primatas são desprovidos desses superpoderes.
Isso, claro, não impede a plebe ignara de entrar em pânico, repetindo as bobagens conspiratórias, com consequências reais e funestas:
Do mesmo jeito que o pessoal que botou fogo em observatórios por causa do Cometa Halley em 1910, ou dos idiotas que estão agredindo e vaiando profissionais de saúde em 2020, a turma que não entende ciência e adora respostas rápidas e erradas, com uma pitada de conspiração agora está atrás da telefonia 5G, sem entender que ela é a boa e velha telefonia de sempre, só com uma frequência mais elevada, e se eles estão preocupados com uma fonte de radiação eletromagnética muito mais poderosa…
Deveriam olhar para cima e se preocupar com o Sol, que efetivamente causa câncer, além de emitir luz visível muito mais energética que qualquer torre de Redes 5G, mas eu acho que olhar para cima é trabalhoso demais para quem passa o dia pastando.
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