Nesta quarta-feira (28), o comitê antitruste dos Estados Unidos interrogou por mais de 5 horas os executivos Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, Sundar Pichai e Tim Cook, respectivamente CEOs do Facebook, Amazon, Google e Apple, a respeito de práticas anticompetitivas e formação de monopólio nos mercados em que atuam, de bens a serviços e comunicações.
Os quatro CEOs afirmaram que suas companhias não detêm poder demais e não buscar ditar o mercado, mas evidências diversas apontaram contradições em seus depoimentos.
A audiência, realizada pelo Subcomitê Judiciário Antitruste da Câmara de Representantes dos EUA teve caráter formal, com as declarações dos CEOs sendo tomadas sob juramento; dessa forma, os quatro podem ser processados por perjúrio, caso seja provado posteriormente que mentiram aos responder as perguntas.
Cada um dos 15 congressistas presentes teve 5 minutos para fazer suas perguntas aos executivos, com eles tendo também 5 minutos para responder. Zuckerberg, Bezos, Pichai e Cook foram permitidos a depor via videoconferência, devido a pandemia da COVID-19.
Pichai e Zuckerberg foram os mais questionados pelo comitê antitruste, o primeiro devido o alcance do Google em diversos setores, e o Facebook por ter tido um papel relevante ao influenciar as eleições norte-americanas de 2016, com o escândalo da Cambridge Analytica; isso não quer dizer, entretanto, que Cook e Bezos foram menos pressionados quando tiveram que responder às perguntas dos congressistas.
Vamos dar uma olhada em alguns dos pontos altos da audiência:
Zuckerberg nega ameaças ao CEO do Instagram
Mark Zuckerberg foi questionado em uma série de assuntos, desde o caso Cambridge Analytica à remoção de postagens e páginas com fake newss e/ou discursos de extrema-direita do Facebook, ato que segundo congressistas republicanos, não compete à rede social por esta não ter poder jurídico e por ser contrário à Primeira Emenda da Constituição dos EUA, que defende o direito irrestrito à liberdade de expressão.
O Facebook também foi acusado de ter dois pesos e duas medidas, ao determinar o que pode e não pode ser publicado; ao mesmo tempo, por Zuckerberg afirmar que a responsabilidade final pelo conteúdo compete a ele, este foi perguntado por que a rede social permite conteúdos em que o dr. Ben Carson (atual secretário de Desenvolvimento Urbano dos EUA) é chamado de extremista, quando Zuck disse não acreditar que ele seja tal coisa.
A compra do Instagram também foi abordada pelo comitê antitruste, ao apresentarem e-mails em que Zuckerberg sugeriu que a compra do app serviria para neutralizar um possível concorrente. Zuck disse ao comitê que o Facebook via a plataforma fundada por Kevin Systrom e Mike Krieger como um competidor “no campo da fotografia”, mas que na época ninguém via o Instagram como uma rede social.
Uma representante questionou Zuckerberg sobre possíveis ameaças via e-mail enviadas a Systrom, antes da compra ser realizada, com a criação de recursos similares ao Intagram pelo Facebook caso o executivo concorrente não aceitasse o acordo. Zuck inicialmente afirmou não se lembrar de tal situação (oi, Snapchat!), mas ao ser confrontado com os e-mails, disse que não os considera como ameaças.
Cook desconversa sobre remoção de apps da Apple App Store
Tim Cook também teve que responder perguntas bem cabeludas. Uma delas mirou na posição da Apple em dizer que “todos os desenvolvedores são tratados igualmente”, com as mesmas condições e benefícios a todos.
No entanto, em um e-mail enviado por Eddy Cue, SVP de Internet, Software e Serviços da Apple a Jeff Bezos, o executivo da maçã discute termos mais amenos para a inclusão do Amazon Prime Video no iOS em 2017.
Enquanto a grande maioria dos apps paga uma taxa de 30% em todas as movimentações financeiras (salvo assinaturas, mas apenas depois do 1º ano do serviço contratado), Bezos recebeu uma oferta de pagar apenas 15% logo de cara, como forma de fechar o acordo; a mesma porcentagem foi mantida na oferta de acesso a canais de terceiros dentro do Prime Video.
Cook também foi questionado pelo domínio absoluto da App Store em dispositivos Apple, onde não há meios legítimos de adquirir um aplicativo de fora da lojinha oficial, ou mesmo de acessar outras lojas; também foi levantada a prática de Cupertino de remover arbitrariamente apps que cumprem funções incorporadas posteriormente ao iOS de forma nativa, tão logo elas sejam implementadas.
A congressista questionou Cook especificamente sobre o Screen Time (Tempo de Tela), citando reclamações escritas de pais de família lamentando a remoção de apps de terceiros com a mesma funcionalidade. O CEO da Apple ressaltou novamente o “compromisso com a privacidade” das crianças e jovens ao oferecer novos recursos de segurança, argumento rebatido pela congressista ao dizer que “o timing para o lançamento da função nativa e a remoção dos apps de terceiros foi extremamente coincidente”.
Cook tergiversou e não esclareceu esse ponto.
Bezos nega depreciação intencional da Diapers.com
Assim como Zuckerberg, Jeff Bezos foi espremido por práticas predatórias na aquisição de concorrentes, em específico a Quidsi Inc., companhia que administrava a Diapers.com e a Soap.com, empresas varejistas focadas em vendas e entregas online.
Fundada em 2005, a Diapers.com era especializada na venda de fraldas, lenços umedecidos, leite em pó e outros produtos para bebês, com entrega rápida em todo o território americano. A matriz foi comprada pela Amazon em 2010 e as marcas descontinuadas em 2017, com toda a operação tendo sido absorvida.
Em um e-mail de antes da aquisição a que o comitê teve acesso, o SVP de Serviços e Varejo da Amazon Doug Herrington diz que a companhia já havia iniciado um plano para depreciar a Diapers.com, diminuir seu alcance e valor de mercado, para permitir a aquisição pelo menor preço possível (a venda foi fechada em US$ 545 milhões).
Bezos negou a prática, bem como “não se lembra” de ter autorizado o aumento nos preços dos produtos, após a eliminação do competidor; o congressista chegou a perguntar ao CEO da Amazon se suas atitudes não seriam semelhantes às de um traficante, associação que ele rejeitou.
Pichai é “acusado” de traição no caso Project Maven
Sundar Pichai também teve que responder ao comitê antitruste uma série de perguntas, desde a dominância absoluta no setor de anúncios online (mais de 90% da receita do Google vem de ads), à remoção ou redução de alcance de conteúdos nos algoritmos de busca, e critérios arbitrários para decidir o que um leitor pode ou não ter acesso, ou se um site merece ou não ser encontrado.
No entanto, o maior rolo em que o Google se meteu foi ter pulado fora do Project Maven.
O plano era uma parceria do Google com o Pentágono, para o desenvolvimento de sistemas de IA integrados a drones de vigilância, tanto para uso civil no monitoramento de população, quanto para aplicações militares, muito provavelmente a atualização dos algoritmos usados no MQ-1 Predator (acima) e outros drones.
Após pressão interna através de um abaixo-assinado de mais de 4 mil funcionários contrários à iniciativa, o Google pôs fim à parceria; a companhia manteve colaborações com o governo em outros campos, mas se removeu do mercado militar.
Ainda que o questionamento tenha sido fundamentalmente ideológico, conduzido por 2 congressistas republicanos e com acusações sem provas, de que o Google teria cometido traição ao trabalhar com a China (segundo eles, Pichai estaria repassando informações do Maven a Pequim), é fato que o governo não vê com bons olhos a tentativa de aproximação da gigante das buscas e o mercado chinês, considerando que a companhia teve acesso a informações extremamente sensíveis.
Pichai como esperado negou as acusações, chamando-as de “absolutamente falsas”; vale lembrar que até o presente momento, o Google continua banido na China.
No geral, a audiência foi uma clássica “fritada” do comitê antitruste, com alguns dos congressistas tendo inclusive atuado em processos anteriores, tanto da Microsoft quanto da quebra do Bell System, a antiga AT&T que deu origem à atual e outras operadoras dos EUA.
Aos interessados, o vídeo abaixo traz a íntegra da audiência:
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