Dizem que o Brasil é a terra das oportunidades perdidas. A história do Osório, o primeiro e único tanque de guerra pesado projetado no país é um argumento que torna difícil discordar dessa afirmação.
Tanques de Guerra – Breve História
A idéia de um veículo blindado não é nova; Leonardo DaVinci projetou seu “tanque” de madeira movido à mola, navios com blindagem surgiram relativamente cedo e trens blindados eram usados na Guerra Civil nos EUA, mas só com o motor a combustão interna se tornou viável mover um veículo de várias toneladas por terrenos não-preparados pra isso.
Com a Primeira Guerra Mundial, os ingleses previram que seria complicado uma vitória decisiva, e começaram no Exército a fazer lobby pela criação de um “navio terrestre”, que na prática ficou mais parecido com um bote, mas tudo bem.
Empregados pela primeira vez em 1916, os tanques ingleses eram divididos entre machos e fêmeas, em uma admirável falta de sutileza os tanques fêmeas tinham apenas metralhadores, e os machos, um canhão freudianamente protuberando do casco.
Apesar de tomarem uma surra os alemães não puderam deixar de admirar a idéia, e anotaram: “Na próxima guerra, trazer nossos tanques”.
Desde então tanques são fundamentais em ações militares, com todo tipo de variações, incluindo tanques que (quase) flutuam e tanques que (quase) voam, como o Antonov A-40, que em teoria seria um planador construído em volta de um tanque T-60, mas na prática mesmo removendo blindagem combustível e armamentos, ele ficou pesado demais.
Como resultado no único vôo de testes em 1942 o avião-reboque teve que alijar o tanque antes do tempo, mas ele planou corretamente, pousou e depois de remover as asas, voltou para a base. O projeto foi cancelado por falta de um avião potente o suficiente para puxar o A-40.
Com o tempo os tanques cresceram, na Segunda Guerra o principal tanque dos EUA era o Sherman, com cinco tripulantes e 38 toneladas. Hoje eles usam o M1 Abrams, com quatro tripulantes e 68 toneladas.
A lógica é que um tanque pesado, ou MBT (Main Battle Tank) tem muito mais chances de sobreviver do que tanques menores com menos blindagem e armamento, tanque os EUA abandonaram o conceito de ter vários tanques de categorias diferentes.
Hoje são poucos os países com tecnologia para construir um tanque de guerra competitivo, como o Abrams americano, o Challenger inglês, e outros tanques de lugares como França, Rússia, Alemanha, China e Israel, entre (poucos) outros.
Por um tempo o Brasil fez parte desse clube
A gente adora pagar de país pacífico, mas somos uns dos maiores exportadores de armas leves, e já fomos o 5º maior exportador de material militar, posição que perdemos principalmente por causa da burocracia interna. E vale mencionar o apoio ao projeto de aprimoramento dos SCUDs iraquianos na Primeira Guerra do Golfo, cortesia do Brigadeiro Piva.
Na mesma Guerra do Golfo brilharam carros de combate da Engesa, como o Cascavel, Urutu e Jararaca, além do sistema de lançamento de foguetes ASTROS II da Avibrás, usado na Guerra Irã-Iraque, Golfo, etc.
Uma das mais bem-sucedidas empresas nacionais no ramo de armamentos foi a Engesa (Engenheiros Especializados S.A.), fundada em 1958 com foco na indústria petrolífera, mas logo descobriam o filão de veículos militares.
Veículos esses que eram excelentes. Versáteis, baratos e duráveis, projetados para condições brasileiras, aguentavam qualquer coisa no resto do mundo. O EE-9 Cascavel é um blindado de reconhecimento que pode ser armado até com um canhão de 90mm, ele foi responsável pela destruição de um monte de tanques iranianos, durante a guerra Irã-Iraque.
Mesmo projetado em 1970 e tendo sido produzido pela última vez em 1993, em 2020 ele está na ativa em 22 países.
Entra o Osório
No começo da Década de 1980 a Engesa viu uma oportunidade de negócios gigantesca: O Brasil estava querendo modernizar sua frota de tanques, o que era bom, e a Arábia Saudita tinha o mesmo projeto, o que era ótimo.
Inicialmente os planos da Engesa já foram atrapalhados com a decisão do Brasil de escolher um tanque de médio porte, enquanto os sauditas e o resto do mundo tinham migrado pros MBTs.
Percebendo que trabalhar pra pobre é pedir esmola pra dois, e uma grande encomenda do Exército Brasileiro equivaleria a uma pequena encomenda dos sauditas, a Engesa decidiu focar no desenvolvimento de um taque pesado. Por causa disso perdeu as verbas que receberia do Exército para o projeto, embora o Exército ainda tenha fornecido consultoria.
Inicialmente a Engesa tentou comprar projetos de tanques existentes, para adaptá-los, mas como os americanos não exportavam tecnologia de ponta e a maioria dos Europeus não estava muito com vontade de armar um país que vivia sob regime militar e era muito mais nacionalista do que pró-ocidente.
Vendo que essa abordagem não iria funcionar, a Engesa resolveu ousar mais ainda e ao invés de tanques prontos, procurou os fornecedores dos fabricantes dos tanques europeus. Sem-querer eles acabaram criando um dream team de componentes.
A melhor suspensão, um motor excelente de 1000HP, telêmetros a laser, tudo era adquirido e combinado.
Em casa, a equipe da Engesa eram uma das primeiras no país a trabalhar com CADs, usando computadores ao invés de pranchetas, isso dava uma agilidade sem precedentes, permitindo a modificação do projeto para se acomodar a componentes novos, sem grande perda de tempo.
O tanque, batizado de Osório podia ser equipado com um canhão de 120mm, que auxiliado por um sistema de mira computadorizado, equipamentos de visão noturna e giroestabilizadores, garantia 95% de chance de acertar o alvo no primeiro tiro, ou 80% a 2Km de distância.
O Osório era capaz de resistir (dentro do razoável) a disparo de tudo que havia em termos de munição anti-tanque em 1986, graças a uma blindagem de materiais compostos.
Inicialmente ela seria adquirida de uma empresa inglesa, mas a Engesa acabou contratando dois engenheiros britânicos e produziram uma versão brasileira, desenvolvida internamente, com elementos de aço, alumínio, fibra de carbono e compostos cerâmicos.
A tripulação do Osório era composta de quatro homens: Um comandante, um artilheiro, um municiador e um motorista. Todos protegidos por sistemas automáticos anti-incêndio e filtros contra ataques nucleares, químicos e bacteriológicos.
Depois de muita negociação, o Exército aceitou a idéia de um tanque pesado, mas não muito, e as 43 toneladas do Osório ficavam dentro do limite de 42 definidas pelos militares. A largura do tanque também era adequada ao transporte nas nossas ferrovias, e ficou definido que o Exército incorporaria o Osório, mas não contribuiria com dinheiro em seu desenvolvimento.
As reservas financeiras da Engena por sua vez eram queimadas mais rápido que um cigarrinho de artista em um DCE de Humanas, repleto de clones do Bob Marley, em Lumiar.
Um ano após o início do projeto, o primeiro protótipo ficou pronto, sem a torre, mas foi usado para testes de rodagem e sistemas. Em maio de 1985 a torre de verdade ficou pronta, e o protótipo foi mandado para a Arábia Saudita, aonde fez testes no deserto.
Algumas coisas não funcionaram direito, mas eram sempre defeitos pequenos ou que tinham solução óbvia. O Osório se saiu tão bem que em Julho de 1987 voltou para novos testes, competindo com o Challenger inglês, o Abrams americano e o AMX-40 francês.
Os testes foram brutais, o Osório rodou 2350Km, subiu em rampas de 65 graus, fez 149 disparos, acertando alvos estacionários a 4Km de distância e em movimento a 1,5Km, com o alvo E o Osório se movendo.
O tanque francês e o inglês foram desclassificados, os finalistas eram o brasileiro e o americano, mas ficou evidente que o vencedor era o brasileiro; o Osório era superior ao Abrams em vários quesitos, mais leve e mais barato.
Em 1989 a Arábia Saudita anunciou o Osório como vencedor da competição, e seriam comprados inicialmente 340 tanques, um contrato de US$15 bilhões, em valores de 2020.
A celebração foi imensa, nenhuma dama que troca favores por dinheiro da região ficou em situação financeira precária. O Exército Brasileiro conseguiu enfiar uma cláusula no contrato aonde para cada dez Osórios comprados pelos Sauditas, o Brasil receberia um, por conta dos árabes.
Depois da ressaca da comemoração a Engesa começou a planejar a expansão do parque industrial, com contratação de novos funcionários, ampliação das linhas de montagem, contratos de transporte, etc. Enquanto isso a notícia se espalhava e o Iraque, que já era cliente se interessou pelo Osório. Outros países também ficaram curiosos.
Aí em 2 de Agosto de 1990 Saddam Hussein acordou de oveiro virado e decidiu invadir o Kuwait, botando fogo em uma região que já é um barril de pólvora, só que de petróleo. Todo mundo começou a se armar e a buscar aliados, e o maior aliado da Arábia Saudita é… o Tio Sam.
A indústria bélica americana já estava com o Osório engasgado, e viu a chance de puxar o tapete do Brasil. Através dos canais diplomáticos, negociações de bastidores, mutretas, marmotagens, um ou outro suborno bem-colocado e promessa de ajuda contra Saddam, os sauditas simplesmente ignoraram os acordos, e como o contrato ainda não tinha sido assinado, soltaram um “obrigado, mas não obrigado”.
O Osório saiu de campo e os sauditas compraram o M1A1 Abrams, que estava longe de ser um tanque ruim, e com o Saddam se aproximando no horizonte, nem dá muito pra culpar os caras, e de qualquer jeito, por incrível que pareça a indústria armamentista mundial não é exatamente conhecida por suas negociações éticas e acordos feitos de forma aberta e auditável. Para mais detalhes recomendo o excelente documentário O Senhor da Guerra, com Nicholas Cage.
Para a Engesa a sacanagem não parou com os Estados Unidos. Em casa, o Exército até gostava do Osório, mas estávamos sem militares no governo fazia algum tempo, e eles estavam sem verba para comprar tanques caros como o Osório. Acabaram preferindo em 1996 comprar 91 tanques americanos M-60 Patton, já obsoletos, e uns tantos Leopard 1 alemães, também usados, vendidos pelo exército da Bélgica.
Na Engesa, demissões em massa, tentativas desesperadas de achar compradores para o Osório. Para tentar pagar os credores, o primeiro protótipo foi desmontado e as peças devolvidas para os fabricantes. Enquanto isso os possíveis compradores viravam as costas afinal se nem o exército do país que fabrica o tanque acredita nele…
O que não pôde ser aproveitado do primeiro protótipo foi vendido como sucata. Os outros dois protótipos construídos ficaram sob custódia do Exército. Em 2002 eles foram a leilão, mas uma ação judicial impediu que um colecionador os adquirisse.
Um detalhe especialmente cruel é que o mesmo Exército que não quis patrocinar o Osório, que demorou para aceitar a qualidade do equipamento e deixou a Engesa morrer, o mesmo exército que por anos guardou os tanques quase a contragosto e só protestou depois que alguém quis comprar os dois, esse exército reformou os dois Osórios e os usavam em seus desfiles militares.
Para piorar, a Guerra Fria havia acabado, o mercado para o Osório e os outros veículos da Engesa havia encolhido. O último prego do caixão foi uma dívida de US$360 milhões (valores de 2020) que o Iraque, até compreensivelmente não pagou, depois que perdeu a Guerra do Golfo.
Em 1993 a Engesa declarou falência, com mais de US$150 milhões em dívidas. Seu parque industrial foi vendido para a Embraer, e o acerto tecnológico ficou com a IMBEL. Menos os planos do Osório. Eles não foram encontrados nem na fábrica, em São José dos Campos, nem no complexo administrativo de Barueri.
Até hoje a Engesa está listada entre os maiores devedores da Dívida Ativa da União.
Os planos do Osório nunca foram encontrados. O Brasil continua usando tanques feitos na década de 80, inferiores ao Osório em todos os aspectos. Caímos vários lugares nas listas de fornecedores de material bélico, nos tornando importadores e, em alguns casos, beneficiários da boa vontade de quem nos detesta.
Mais uma vez a imensa cabeça de burro enterrada debaixo do Brasil falou mais alto. Nada dá certo neste país, nenhuma iniciativa sobrevive à nossa vocação de ser um eterno vira-lata. Seja por falta de visão, azar ou, incompetência (sim, rolou muita má-administração na Engesa), no final acabamos piores do que começamos.
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