Israel não teve um parto muito simples, a pequena nação viveu por séculos cercada de gente que a olhava de lado, e várias vezes deixou de existir completamente. Depois de seu retorno em 1945 Israel tem feito de tudo para defender sua existência, inclusive roubar navios da própria marinha.
O caso a rigor não é inédito. Em 1948, em meio à Guerra Árabe-Israelense (spoilers, Israel ganha) o pequeno estado judeu estava desesperado atrás de caças, mas o Ocidente não estava muito disposto a colaborar, a solução foi montar uma companhia cinematográfica falsa, conseguir a colaboração da Força Aérea Real e roubar na mão grande vários caças ingleses, como contado neste excelente artigo deste renomado blog.
Já o causo de hoje é mais divertido ainda. É o Chamado Projeto Cherbourg, ou Operação Noa.
Nos Anos 60 Israel percebeu que estava ficando para trás em tecnologia naval. Os russos armavam os países árabes com excelente equipamento, que serviam como campo de prova, e um desses equipamentos para azar de Israel eram os barcos lança-mísseis, uma evolução dos barcos-torpedeiros, e uma doutrina ainda muito nova, que o Ocidente não levava muito a sério.
Isso acarretou a perda do INS Eilat, um destroier israelense afundado em 21 de Outubro de 1967 por um barco egípcio Classe Komar. Não foi uma grande perda. O Eilat, como toda a Marinha de Israel era um navio obsoleto, resquício da Segunda Guerra Mundial, caindo aos pedaços. Era preciso modernizar e rápido a Marinha.
Eles optaram por uma flotilha de barcos lança-mísseis, adaptando o projeto da Classe Jaguar, produzida por um estaleiro alemão. Ao invés de madeira o barco seria de aço, com maior compartimentalização para sobreviver a danos no casco, e seu comprimento seria aumentado em 2.4 metros.
A chamada Classe Sa´ar 3 teria 250 toneladas de deslocamento, 45 metros de comprimento, voaria baixo a 74km/h e sua tripulação de 40 homens operaria o barco e seus seis mísseis terra-terra (ok, superfície-superfície) Gabriel II.
Gostou? Os árabes não, e a Liga Árabe pressionou a Alemanha a ponto do estaleiro abandonar o projeto, mas as plantas forma cedidas a Israel, que foi atrás de quem topasse construir os barquinhos. O Constructions Mécaniques de Normandie topou, e em 1965 uma equipe de militares e engenheiros de Israel foi mandada para Cherbourg, França, para acompanhar o projeto, enquanto em casa outras empresas desenvolviam os mísseis que seriam usados neles.
O projeto foi bem, tranquilo, até que a relação começou a azedar. Quando Israel atacou o aeroporto de Beirute em 1968 a França decretou um embargo total de armas para Israel. O que incluía os barcos. Israel não veria nem o cheiro dos lança-mísseis, e a própria questão financeira era uma incógnita. Mesmo os barcos já tendo sido totalmente pagos. Sim, Israel pagou à vista, e deve ter negociado um belo desconto afinal <inserir piada aqui>.
Com a superioridade moral de quem pagou e não recebeu, Israel decidiu que iria ter seus barquinhos de um jeito ou de outro, e o plano coube ao Contra-Almirante reformado Mordechai “Mokka” Limon, que era chefe da Missão das Forças de Defesa Israelenses em Paris.
Ao contrário do exemplo nacional, o Almirante Limon entendia realmente de logística, que era a base do seu plano. Primeiro, ele conseguiu que as autoridades francesas se irritassem com a presença israelense e movessem os cinco barcos já prontos para a parte comercial do Porto em Cherbourg. Isso deu mais liberdade pras tripulações, que eram todas israelenses.
O MOSSAD abriu uma empresa de fachada chamada Starport, com registro no Panamá e nacionalidade norueguesa. A tal empresa se interessou pelos barcos, que seriam usados em prospecção de petróleo. O Governo de Israel aceitou vender os barcos para a Starport, depois de “duras negociações”.
Com a bênção do Governo francês, os barcos agora eram de propriedade de uma empresa norueguesa, mas dada a familiaridade com o equipamento, as tripulações ainda eram israelenses. Normal, mesmo.
As tripulações faziam pequenas surtidas de vez em quando, navegando rumo ao Atlântico Norte, depois voltando, para deixar o povo do porto acostumado com a imagem dos barcos partindo. O que ninguém sabia é que secretamente nada menos que 80 israelenses, entre militares e civis estavam chegando discretamente a Cherbourg.
Eles vinham com vistos de turistas, se hospedando em hotéis discretos, mudando constantemente de lugar, alguns ficavam nos apartamentos dos tripulantes dos barcos, sempre fora de vista.
No porto, os tripulantes dos barcos usaram um truque bem simples: Quando voltavam das viagens de treino, abasteciam os barcos, mas sempre colocavam mais do que tinham gasto, assim os tanques de combustível ficaram lotados. Discretamente barris com mais combustível ainda foram transportados, aos poucos para cada barco.
Durante a noite, para profunda irritação dos moradores de Cherbourg, eles começaram a ligar os motores dos barcos. Deu polícia, como esperado, a explicação era que estavam no inverno e precisavam dos motores pro sistema de aquecimento da tripulação. Os moradores acabaram aceitando e se acostumaram com barulho de motores navais ligados durante a noite.
Na véspera de Natal os tripulantes e os marinheiros clandestinos saíram para fazer compras, adquirindo nas lojas locais os víveres necessários para a viagem. Sempre discretamente, comprando quantidades pequenas, para que ninguém desconfiasse de nada.
Com a partida marcada para 20:30, a comida e os tripulantes clandestinos estavam a bordo, mas o tempo não ajudava. Uma tempestade das brabas assolava a Baía de Biscaia, mas o meteorologista do grupo interceptou uma mensagem da BBC informando que o tempo iria melhorar, e 2:30AM os cinco barcos zarparam.
Somente 12 horas depois os franceses deram falta dos barcos. Graças a um repórter da BBC que reparou os piers vazios e reportou a situação pra Londres.
Na altura de Gibraltar a flotilha encontrou um navio de reabastecimento. Israel havia comprado dois e adaptado como navios-tanque, inclusive fazendo adaptações para que conseguissem abastecer 5 barcos de cada vez.
Abastecidos e passando por Gibraltar, os navios não tinham bandeira ou qualquer tipo de identificação, nem respondiam a sinais de rádio. A guarnição inglesa sinalizou via faroletes indagando a identidade do grupo, mas foram ignorados. Só que eles também tinham recebido a notícia de que os franceses haviam sido sacaneados, então enviaram uma última mensagem aos barcos de Israel: “Bom Voyage”.
A França, compreensivelmente, estava subindo nas tamancas.
O Ministro da Defesa francês ordenou um ataque aéreo para afundar os barcos, ordem essa que foi recusada pelo Comandante do Estado-Maior das Forças Armadas, que disse que renunciaria antes de cumprir a ordem. O Primeiro-Ministro entrou no circuito, acalmou os ânimos e revogou a ordem.
Os cinco barcos chegaram a Israel dia 31 de Dezembro de 1969, e foram recebidos com festa. Aos poucos foram configurados para usar os mísseis Gabriel II e mais tarde Harpoons, depois que a França não se mostrou interessada em continuar fornecendo armas a Israel, que passou a comprar dos EUA.
Na França o Almirante Limon foi expulso do país, vários generais perderam o emprego, e a atitude oficial se tornou francamente anti-Israel, com agentes do MOSSAD sendo delatados a agentes árabes por oficiais da inteligência francesa.
Em Israel a flotilha de barcos Sa´ar 3 foi ampliada e acrescida de novos e mais modernos barcos lança-mísseis. Fora patrulha de rotina eles viram ação pela primeira vez na Guerra do Yom Kippur, em 1973. O resultado final foram 19 navios egípcios afundados, contra 0 de Israel.
INS Gaash sendo reabastecido, com direito a um Phantom israelense passando por perto dando cobertura.
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