Levou meia década e custou uma fortuna, mas os planos da Microsoft para a plataforma Xbox, visando dominar por completo o mercado de games, estão começando a se pagar. Após diversas aquisições de estúdios grandes e pequenos, incluindo os absurdos US$ 7,5 bilhões pagos na Bethesda/ZeniMax Media, a gigante de Redmond pôs em movimento seus planos para se tornar a primeira opção de entretenimento de todos, relegando Sony e Nintendo a brigar pela segunda posição na preferência do público.
Para isso, a divisão implementou a filosofia “Microsoft como um Serviço” imposta pelo CEO Satya Nadella a todos os aspectos da companhia, resultando em algo que 10 anos atrás, durante a gestão de Steve Ballmer, seria uma proposta insana: consoles dedicados, e mesmo o Windows, são secundários.
Finalmente, os exclusivos Xbox
Em primeiro lugar, a Microsoft precisava justificar o pantagruélico investimento em aquisições nos últimos 5 anos. Começando lá atrás com a Mojang (Minecraft), a companhia reuniu ao redor da divisão Xbox uma série de estúdios e profissionais talentosos, como a Double Fine do bruxo Tim Schafer, passando pela Ninja Theory (Hellblade: Senua’s Sacrifice), Compulsion Games (We Happy Few) e Obsidian Entertainment (The Outer Worlds).
Unindo-se a estúdios com mais tempo de casa, como a Rare (Perfect Dark, Battletoads) e The Coalition (Gears of War), a onda de aquisições chegou ao ápice com a Bethesda, lar de franquias valiosíssimas como DOOM, Wolfenstein, Fallout e The Elder Scrolls, entre outras.
Ao todo, o Xbox Game Studios reúne 15 desenvolvedoras sob um guarda-chuva comum, que salvo algumas exceções, desenvolvem títulos exclusivamente para a família Xbox, que hoje incluem os consoles das linhas One e Series, assim como o Windows 10. Só muito recentemente alguns games começaram a chegar ao Steam, depois de muito tempo.
Tirando Minecraft, uma franquia extremamente lucrativa e por isso mesmo, está presente em diversos sistemas, e acordos firmados por estúdios antes de suas aquisições, como a Bethesda que vai lançar Deathloop (via subsidiária Arkane Studios) e Ghostwire: Tokyo (Tango Gameworks) para o PS5, todos os futuros títulos de seus estúdios, incluindo os de grandes franquias, serão exclusivos Xbox, o que pode até mesmo excluir (ou não) o Steam novamente. De certo, sabemos que os sistemas da Sony e Nintendo ficarão de fora.
A Microsoft já havia dito anteriormente que lançamentos multiplataforma seriam “analisados caso a caso”, mas o que se viu durante a apresentação na E3 2021, com os anúncios de Starfield, da Bethesda, Redfall, da Arkane, e The Outer Worlds 2, da Obsidian, se unindo a uma nova versão de Perfect Dark, da Rare, e o revelado em 2019 Senua’s Saga: Hellblade II, da Ninja Theory, deixa claro que essa ideia ficou para trás, a fim de fortalecer o portfólio Xbox.
Segundo fontes as aquisições ainda não acabaram, e um dos próximos alvos seria o Asobo Studio, responsável pela versão mais recente de Microsoft Flight Simulator. Numa possível compra, é provável que o recém anunciado multiplataforma A Plague’s Tale: Requiem possa vir a ser o último game do estúdio lançado para um sistema não-Microsoft, de forma similar ao caso da Bethesda.
Xbox Game Pass, a joia da coroa
O serviço de assinatura da plataforma Xbox, que oferece mais de uma centena de títulos em um catálogo rotativo para Xbox e Windows 10, mais o acesso adicional ao EA Play para assinantes Ultimate, pode não ser lá muito lucrativo quando feitas as contas, mas teve uma adesão massiva. Com um valor fixo mensal, jogadores podem curtir uma série de títulos e ter acesso a descontos na aquisição dos que estão prestes a serem removidos.
Tem opta pelo Ultimate tem acesso também a benefícios extras, como jogar em ambas as plataformas, brindes em jogos, períodos gratuitos em outros serviços, como Spotify e Discord Nitro, e etc. Funciona de uma forma similar, mas mais ampla, ao PS+ da Sony, e de certa forma, tornou a assinatura individual do Xbox Live Gold um serviço capenga, onde muitos questionam se ele não será descontinuado um dia.
Durante a E3 2021, a Microsoft expandiu mais uma vez o catálogo do serviço, incluindo games AAA recentes de terceiros, como Yakuza: Like a Dragon, e outros, tanto internos como de outras desenvolvedoras, que chegarão ao Game Pass de cara, no dia do lançamento, como Twelve Minutes, o indie Sable, fortemente inspirado nas Graphic Novels de Jean “Moebius” Giraud, e o survival Back 4 Blood da Turtle Rock Studios, antiga Valve South, que desenvolveu os jogos da série Left 4 Dead e o menos inspirado Evolve.
A adoção do Xbox Game Pass, no entanto, estava no início restrita apenas a quem possui um console Xbox ou é um usuário do Windows 10, uma política não tão alinhada com o mantra de Nadella, “Microsoft como um Serviço”, uma extensão da filosofia SaaS, de Software como um Serviço. Neste modelo, o mantenedor é o único responsável pelo funcionamento e manutenção de um serviço online, onde o usuário paga uma mensalidade para ter acesso.
Quando Nadella assumiu o comando da Microsoft, determinou que o foco total da companhia se voltaria para serviços, se afastando da visão de Ballmer de privilegiar um ecossistema fechado, que funciona melhor com companhias que usam a filosofia de Jardim Murado, como a Apple.
Segundo o atual CEO, era necessário adaptar a visão original de Bill Gates para o MS-DOS, que permitiu a qualquer um que pagasse instalar o SO no hardware que quisesse, o que destruiu a estratégia da IBM voltada a dominar os desktops, e permitiu à Microsoft dominar o setor ao mesmo tempo.
O que se seguiu foi a implementação do Microsoft 365, onde o usuário paga uma mensalidade para usar o Office online (a versão stand alone ainda existe, mas a Microsoft finge que não), a transformação do Windows em um serviço permanente (embora ninguém saiba ainda se a próxima versão será vendida com preço full, ou distribuída como um update), e claro, o “Xbox como um Serviço”, visando descentralizar a distribuição de seus jogos e serviços relacionados.
Para isso, os consoles e mesmo o Windows deixaram de ser o centro do ecossistema Xbox.
Consoles? Para onde vamos não precisamos deles
A chave é o Xbox Cloud Gaming, antigo Project xCloud, o serviço de jogos na nuvem da Microsoft, acessível a todos os assinantes do Xbox Game Pass Ultimate, que inclui uma porção limitada e em expansão do catálogo. Com o tempo, todos os jogos disponíveis no serviço para consoles e PCs terão versões para o streaming.
Atualmente disponível no Android por convite (o plano chegará ao Brasil de forma oficial até o fim de 2021), ele está em vias de ser expandido para PC e iOS via navegadores, visto que a Apple barrou o app da Microsoft e outras empresas, como forma de não prejudicar seu serviço próprio Apple Arcade, que não tem streaming, mas isso pode mudar no futuro.
Assim como serviços similares de streaming de jogos, como Google Stadia, Amazon Luna e Nvidia GeForce Now, o Xbox Cloud Gaming depende de uma conexão de internet rápida, de no mínimo 50 Mb/s, e Wi-Fi de 5 GHz para quem joga no Android para funcionar corretamente. Fora isso, apenas um controle Bluetooth compatível, já que a plataforma em uso não precisa ser potente.
Quando o serviço estiver funcionando a pleno vapor, o usuário poderá curtir jogos com qualidade gráfica do Xbox Series X em um Xbox One S, e saindo do ecossistema da Microsoft, um computador (seja PC, Mac ou Linux) ou smartphone de entrada.
Só que a ideia é não parar por aí. Os planos da Microsoft visam alcançar todo mundo que joga, sem que eles dependam de equipamentos específicos, tornando seus consoles uma opção de aquisição, não uma obrigação.
A Microsoft está estudando novas formas de expandir o alcance da plataforma Xbox, o que inclui acordos com fabricantes de TVs, de modo a incluir de fábrica a interface do Cloud Gaming (provavelmente o app virá pré-instalado), bem como deverá no futuro lançar equipamentos de streaming, similares a dongles e set-top boxes.
Em ambos os casos, o jogador só precisará parear com a TV ou gadget espetado na porta HDMI o controle compatível, e uma vez conectado, começar a jogar os títulos disponíveis no catálogo. Paralelamente, a Microsoft está negociando com empresas do ramo de telecomunicações, para introduzir planos similares ao Xbox All Access, que permitia a um comprador adquirir um console Xbox Series X|S e uma assinatura do Game Pass por parcelas pequenas.
Por fim, a companhia está estudando novas modalidades de assinatura do Xbox Game Pass, a fim de atender o maior número de usuários possível, com todos os tamanhos de bolso. A meta é transformar o ecossistema Xbox na “Netflix dos games”, no sentido de ser a primeira opção de entretenimento interativo, em que todo mundo, com ou sem consoles ou PCs de ponta, podem jogar com qualidade, bastando ter apenas um controle Bluetooth, uma tela e uma internet rápida.
Isso não quer dizer que os consoles Xbox serão abandonados, apenas que a Microsoft está dando opções para quem quer gastar e para quem não pode se dar a esse luxo, mas quer jogar. Com o Xbox Cloud Gaming e graças ao maior acesso à banda larga ultrarrápida, chegando a mais regiões e com preços acessíveis, mesmo no Brasil, estes terão essa possibilidade.
Sony e Nintendo lutarão pelo 2º lugar
As concorrentes, na visão da Microsoft, ficariam relegadas a disputar o segundo lugar na preferência do público, onde Sony e Nintendo usariam suas armas tradicionais, o apelo a seus hardwares dedicados focados em títulos exclusivos. Ainda que a primeira hoje lance seus games para Windows, ela o fará após um período de exclusividade, de em média um ano.
O caso MLB: The Show 21 não se aplica, pois o lançamento do mesmo para Xbox foi uma imposição contratual da Major League Baseball à Sony, e não uma ideia da gigante japonesa. Isso posto, nós não veremos títulos próprios da família PlayStation em outros consoles, de nenhuma forma.
A estratégia da Microsoft em aquisição de estúdios e fortalecimento de suas IPs, como forma de viabilizar um ecossistema reunindo jogos locais em consoles e PCs e streaming, é mais plausível de ser imitada pela Sony Interactive Entertainment do que pela Nintendo, principalmente pela primeira ter se “ocidentalizado” como forma de atingir um público mais global.
Já a casa do Mario, com seu histórico de empresa centenária familiar, preza pelo Japão primeiro e defesa agressiva de suas marcas, sendo que estas por si só garantem a adesão do público consumidor sem muito esforço. Vale lembrar que a Nintendo, diferente da Sony e Microsoft, nunca fechou um ano fiscal sequer no vermelho.
Em última análise, a Microsoft deseja que todo gamer que se preze, independente de seu perfil de consumidor e poder aquisitivo, se torne um consumidor Xbox, através do Game Pass e Cloud Gaming, este planejado para se tornar presente em TVs e dongles, além de computadores e celulares via streaming, com o acesso local reservado para quem pode pagar por um console ou um PC Windows de ponta.
Todos terão acesso ao mesmo catálogo de títulos exclusivos da Microsoft, por um valor fixo por mês. Já Sony e Nintendo deverão continuar apegadas a vender hardwares, o que na visão de Satya Nadella é relevante para a Microsoft, mas não essencial.
Fonte: Polygon
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