Por que um remédio funciona bem para um paciente, mas nem tanto para outro? Como é possível que um remédio, mesmo na dosagem indicada, seja tóxico para algumas pessoas? Por que um tumor pode evoluir de forma distinta em diferentes indivíduos? Há tempos questões como essas intrigam a comunidade médica e, na grande parte dos casos, a resposta está no nosso DNA. Mais especificamente, nas pequenas diferenças escondidas entre as 3 bilhões bases (as letras A, C, T, G) do nosso DNA que fazem com que sejamos indivíduos únicos.
Cada ser humano é geneticamente diferente do outro. Como é a sequência do nosso DNA que define a estrutura e a função de nossas proteínas, podemos concluir que algumas de nossas proteínas não são idênticas. São essas pequenas diferenças entre nossas proteínas que nos fazem únicos e, por isso, reagimos de formas diferentes quanto tomamos um medicamento ou desenvolvemos uma doença. Entender essas diferenças e como usá-las a nosso favor deu origem à medicina personalizada, ajustada de acordo com nosso genoma, similar ao processo de caimento de uma roupa para nos favorecer.
Embora o reconhecimento da necessidade de uma medicina personalizada já estivesse presente há muito tempo, ela se tornou uma possibilidade real com a publicação do primeiro rascunho do genoma humano, em fevereiro de 2001. Desde então, nos últimos 20 anos, o surgimento de novos métodos, muito mais baratos e eficientes, para o sequenciamento de DNA permitiu o que dezenas de milhares de genomas humanos fossem sequenciados e comparados, revelando essas pequenas diferenças.
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Isso gerou muito conhecimento sobre as consequências dessas diferenças. Sem dúvida, a oncologia foi especialmente beneficiada por esta nova onda de conhecimento. Essas informações têm se transformado cada vez mais em benefícios para os pacientes.
Hoje, já foram sequenciadas milhões de amostras de tumores dos mais diferentes tipos, agressivos ou não, resistentes ou sensíveis a diferentes formas de tratamento. Durante o desenvolvimento do câncer, as células tumorais vão se dividindo de maneira descontrolada e, eventualmente, também vão acumulando alterações no DNA que fazem com que as células de um mesmo tumor sejam distintas. Graças às ferramentas de bioinformática, podemos catalogar essas alterações do DNA, associá-las às características de comportamento do tumor e, assim, construir regras de conduta que vão ajudar os médicos na escolha de tratamento.
São as pequenas alterações no nosso DNA que causam alterações menores em algumas de nossas proteínas. Isso, por sua vez, pode interferir no comportamento de determinadas doenças. Essas proteínas alteradas passam a ser também alvos potenciais para novos medicamentos, chamados de alvo-específicas. Essa classe de drogas tende a ser menos tóxicas pois atuam apenas nas proteínas alteradas que existem nas células tumorais, mas não nas células normais.
O tratamento com os quimioterápicos utiliza drogas que atuam em mecanismos essenciais existentes nas células tumorais e nas células normais. Os quimioterápicos são capazes de aniquilar as células tumorais às custas de fortes efeitos colaterais. A medicina personalizada representa uma forma menos tóxica de tratar o câncer, o que também é muito importante para a qualidade de vida dos pacientes.
Estudando o DNA de cada tumor é possível perceber a diversidade de alterações nas suas estruturas e reconhecer as diferenças entre as células de um mesmo tumor. Essas diferenças foram mapeadas, o que abriu as portas para o tratamento personalizado dos tumores. Se antes do advento do sequenciamento em larga escala tratávamos todos os tumores de pulmão (apenas como exemplo) da mesma forma, hoje sabemos que, dependendo das alterações do DNA das células que compõem aquele tumor, podemos escolher entre drogas com maior ou menor chance de funcionar. Aqui, o exemplo claro da medicina personalizada e o papel dos testes moleculares que podem auxiliar os oncologistas a definirem qual é a melhor droga para aquele tumor específico.
Cada vez mais, os exames moleculares vão dizer ao médico muito mais sobre a doença. Além de confirmar um diagnóstico, vão orientar qual é a melhor droga para aquele momento específico da doença. E mais ainda, os métodos moleculares já nos permitem seguir, por meio de exames de sangue (as chamadas biópsias líquidas), a evolução da resposta dos tumores ao tratamento e sugerir a hora certa de trocar um medicamento. Essa é a medicina desenvolvida sob medida para cada paciente!
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Esse texto foi produzido em parceria com as Doutoras Fabiana Betoni e Paula Asprino, pesquisadoras e docentes no Hospital Sírio-Libanês.
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