Existem diversas formas de transporte interestelar na ficção científica. Hiperespaço, gerador de improbabilidade infinita, buracos de verme, aquele talco boliviano que chamam de Especiaria em Duna pra disfarçar, e a famosa dobra espacial, usada em Star Trek.
Embora nunca tenha sido explicada na Série Clássica, o conceito foi bem detalhado nos livros e nas séries posteriores, e nem foi invenção deles, foi inicialmente usado por John Campbell em seu livro Ilhas no Espaço, publicado em 1957 mas originalmente escrito como uma história sequencial na revista Amazing Stories, em 1931.
Basicamente o motor de dobra gera um campo que distorce, dobra o espaço, fazendo com que a distância entre dois pontos diminua, assim uma nave estelar mesmo se movendo abaixo da velocidade da luz, percorreria o espaço entre dois pontos em menos tempo do que se estivesse viajando a várias vezes a velocidade da luz.
Imagine que você está sentado na cama, seu iPad está na outra ponta. Você pode rastejar até ele, mas mais prático é, ao mesmo tempo em que engatinha, puxa o cobertor, trazendo o iPad até você.
Ao dobrar o “espaço”, representado pelo cobertor, você encurta a distância entre os dois pontos.
Isso tudo, claro, permaneceu e permanece no reino da Ficção Científica. As Equações de Einstein admitem, na verdade dependem de distorções no tecido espaço-temporal, mas a idéia de algo criado pelo Homem conseguir gerar um campo de dobra, é inimaginável.
Ou era, até 1994, quando o Físico mexicano Miguel Alcubierre publicou um paper onde usou as equações de Einstein para viabilizar o conceito. “O Motor de Dobra: viagem hiper-rápida dentro da Relatividade Geral” se tornou um texto seminal, saindo da especulação da ficção científica e apresentando soluções práticas.
Exceto que o motor de dobra de Alcubierre exigia componentes estranhos como Matéria Exótica, partículas teóricas que distorcem as Leis da Física, e Massa Negativa, uma região do espaço que, se medida, apresentaria, bem, massa abaixo de zero.
Soa bizarro, mas todos esses conceitos estão dentro dos parâmetros da Física moderna, e são teoricamente possíveis, quase tanto quanto a Luciana Vendramini me chamar para um chopp, digo chopps, afinal ela é paulista.
Com o tempo outros cientistas se debruçaram nas equações de Alcubierre, e progresso foi feito. Inicialmente a quantidade de massa negativa necessária era imensa. De um suprimento três vezes do tamanho do Sol, caiu para alguns miligramas.
Já a teórica Matéria Exótica, começou com algo do tamanho de Júpiter. Com as novas equações, a quantidade necessária ficou na casa de 700Kg.
Outros modelos foram descobertos, não dependendo mais dos componentes mais exóticos, como Energia Negativa (não do tipo que se espanta com arruda e defumador), mas o conceito de dobra espacial em si ainda era teórico.
A dobra espacial, entre outras formas de propulsão exóticas, foi estudada no “Breakthrough Propulsion Physics Program”, entre 1996 e 2002, um dos principais pesquisadores era Harold G. “Sonny” White, físico e engenheiro que também passou pela Boeing, Lockheed Martin e hoje está no Limitless Space Institute, uma organização voltada para pesquisas nessa mesma área.
Só que o Dr White não estava pesquisando sobre dobra espacial. Ele nem tem tempo pra isso. Estava ocupado em uma pesquisa para a DARPA, o escritório de pesquisas avançadas do Departamento de Defesa dos Estados Unidos. A pesquisa envolvia Cavidades Casimir, que nem de longe é tão pervertido quanto soa.
O Efeito Casimir é mais uma daquelas bizarrices da Física Quântica, mais bizarro ainda por ser um efeito testado e comprovado em laboratório.
Funciona assim: Se você colocar duas placas de qualquer material reflexivo no vácuo, a menos de 100 nanômetros uma da outra, misteriosamente elas começarão a se aproximar. Não é magnetismo, calor, gravidade. Elas estão sendo empurradas por uma força misteriosa.
A explicação: O vácuo na verdade é um falso vácuo, a todo momento temos flutuações quânticas na Estrutura do Espaço-Tempo, às vezes essas flutuações aleatórias atingem um nível de energia equivalente ao de uma partícula, e como E=mc2, um par de fóton/antifóton surge, “do nada”. Matéria é criada de onde nada havia. Fiat Lux, Big Bang, Gênesis, fica à escolha do freguês.
Como fótons (e antifótons) possuem um comprimento de onda, relativo à sua energia, e essa energia é aleatória, no caso, são criadas partículas com comprimentos de onda infinitamente variados, exceto que se o comprimento de onda for maior que 100 nanômetros, o par não conseguirá surgir no espaço entre as placas.
Assim temos partículas surgindo do lado de fora, com comprimentos de onda infinitamente variados, colidindo com as placas. Do lado de dentro temos partículas com comprimentos de onda de 100 nanômetros ao infinito.
Esse desbalanceamento faz com que mais partículas colidam e empurrem as placas do lado de fora, do que do lado de dentro.
Nota: Não há nada mágico nos 100 nanômetros, apenas quanto mais próximas as placas, menos partículas são geradas entre elas, e mais forte o efeito.
O Dr White aperfeiçoou vários métodos para estudar as energias envolvidas no Efeito Casimir, mas não estava preparado para o que veria quando plotou os dados dos experimentos. Ou melhor, estava. Ele é um dos raros físicos no planeta que reconheceria na hora a estrutura revelada por seus sensores: Uma micro-bolha de dobra.
Formada em volta do micro-pilar usado no experimento, uma distorção espaço-temporal, minúscula, mas real.
Comparando com o modelo teórico de Alcubierre, a dobra encaixou feito uma luva.
O experimento foi detalhado em um paper de título “Worldline numerics applied to custom Casimir geometry generates unanticipated intersection with Alcubierre warp metric”, submetido a revisão por pares e publicado no European Physical Journal.
Apesar de ser de seu extremo interesse, o Dr White e sua equipe não vão começar a pesquisar imediatamente o fenômeno da bolha de dobra, mas apresentaram uma proposta de financiamento, enquanto continuam com as pesquisas da DARPA sobre cavidades de Casimir.
Em todas as entrevistas o Dr White está deixando bem claro que não estamos nem perto de construir a USS Enterprise (ok trekker chato tecnicamente a Phoenix). Apelando para uma analogia, a distância entre um motor de dobra propulsionando uma nave estelar e a descoberta de White é a mesma entre o Assírio que inventou a adição e a subtração, e um supercomputador simulando uma detonação nuclear.
Mesmo assim não há como não ficar animado. Podemos estar vendo, literalmente, o primeiro passo para a colonização do Sistema Solar, e depois, da Galáxia. Talvez, dezenas de milhares de anos no futuro, crianças aprendam na escolha que 2021AD equivale ao Ano Zero da Fundação.
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