A variante Delta está entre nós, e agora?

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A variante Delta, também chamada de B.1.617.2, predomina na Ásia, Europa, América do Norte e Oceania. A América do Sul já começou a sentir seus efeitos, atrasada em relação aos demais.

Já discuti as variantes em outra matéria, que pode ser acessada neste link. A Delta é tida como a variante mais sofisticada do Sars-CoV-2 e isso significa problemas pelo ponto de vista do Homo sapiens.

Há quem alegue ser natural que ocorra redução na gravidade de doenças causadas por vírus em geral à medida que novas mutações ocorrem, afinal, não é vantajoso ao micro-organismo que seu hospedeiro morra. Esse raciocínio faz sentido para doenças de altíssima letalidade, como Ebola e até outras versões do coronavírus, como o Sars-CoV-1 e o Mers-CoV.

Isso ocorre porque essas doenças, altamente letais, fazem o hospedeiro ter uma maior dificuldade em transmitir o vírus. Doenças graves fazem o indivíduo deixar de agir de forma natural no seu dia a dia, exigindo que ele fique em repouso ou busque assistência médico-hospitalar. Assim, o óbito ocorre em uma proporção bastante significativa nesses casos.

Nesse contexto, ocorre também a redução no número de interações interpessoais, que é uma variável crítica para grande parte das doenças infectocontagiosas. É por isso que, nessas circunstâncias, a redução na gravidade significa aumento da transmissibilidade e, consequentemente, vantagem adaptativa do vírus do ponto de vista evolutivo.

Porém, o Sars-CoV-2 tem letalidade baixa. Você deve estar achando isso confuso agora, certo? Então, não confunda letalidade com mortalidade. A letalidade é a chance de óbito dado que a infecção ocorra. A mortalidade é a chance de óbito no geral, ou seja, sofre influência da chance de contrair a infecção.

Para entender melhor os conceitos apresentados, vamos a um exemplo prático: qual é a chance de falecimento por ebola? No ano de 2020, foram 2280 óbitos por causa de ebola no mundo. Dado que temos 7,7 bilhões de habitantes, a mortalidade em 2020 foi de 0,3/milhão de habitantes; mas a letalidade foi de 66%, ou seja, no caso de contrair a infecção, 2 a cada 3 pessoas evoluíram para óbito. Desse modo, correram 3.470 casos por Ebola.

Agora vamos à covid-19. A mortalidade da doença no mundo no mesmo ano foi de 241/milhão de habitantes (1,9 milhão de casos absolutos), mas a chance de falecer, caso a infecção tenha ocorrido, é por volta de 1% (1 óbito a cada 100 casos), o que é a sua letalidade. Percebe que, mesmo com uma letalidade muito mais baixa (1% vs. 66%), a mortalidade pela covid-19 foi 800 vezes superior ao Ebola? Esse efeito ocorre devido ao alto número de casos de covid-19. Já o número de infecções, por sua vez, está diretamente relacionado à transmissibilidade do vírus; então, quanto maior for a transmissibilidade, maior é o número de infecções.

Muito pior do que um vírus altamente letal é um altamente transmissível com alguma letalidade. Dessa forma, 66% de 3470 é muito inferior do que 1% de 100 milhões. As maiores epidemias do mundo não são geradas por doenças de alta letalidade, mas sim alta transmissibilidade. E, se tem algo que o Sars-CoV-2 tem de “bom” (para o vírus), é a sua capacidade de transmissão.

A transmissibilidade das doenças pode ser expressa pela taxa de reprodução básica (R0). Essa é a quantidade média de casos secundários a partir de um caso de índice. A primeira versão do vírus tinha um R0 de aproximadamente 2,5, o que já era assustador. Estima-se que a variante Delta tenha um R0 entre 5 e 8. Isso significa que em 1 ano e meio, o vírus aumentou sua transmissibilidade de 2 a 3 vezes!

Portanto, para controlar a transmissibilidade, é necessário atuar nos fatores que a influenciam. A transmissibilidade do vírus em circunstâncias de influência desses fatores é chamada de taxa de reprodução efetiva (Rt ou Re). Já discuti as variáveis que influenciam o Rt neste artigo.

Para atingir o controle sobre a epidemia, o objetivo é atingir um Rt abaixo de 1, de forma que, na média, 100 indivíduos transmitam para menos de 100 outros indivíduos e assim o número de casos tenda a zero na manutenção desses fatores.

Considerando a versão original do Sars-CoV-2, deveria se reduzir a transmissibilidade em 60%. Já com a Delta, essa diminuição deveria ser de pelo menos 80%. Isso significa que, para controlar a Delta, é necessário um nível de esforço 33% maior comparado ao anterior. É por isso que países que foram considerados exemplos no enfrentamento da pandemia estão tendo problemas neste momento, pós-introdução da Delta. É o caso do Vietnã e da Austrália, que foi abordados neste artigo.

Não bastasse o aumento na transmissibilidade, há fortes indícios de que a variante Delta tenha maior gravidade. Em um estudo na Escócia, o risco de internação foi 80% maior na infecção pela Delta quando comparado à Alfa. Ainda que possa ter maior letalidade, sabemos que não é esse o fator que impacta mais na mortalidade. A maior parte dos óbitos ocorrem devido ao aumento da transmissibilidade.

Mas por que então os óbitos não estão se elevando na mesma proporção do que os casos em que há circulação da Delta, como em Israel e no Reino Unido? Isso ocorre devido a uma complexa relação entre imunidade, risco de infecção e de óbito.

Nesse sentido, quando há cura após uma infecção ou vacinação, há o estímulo da resposta imunológica para formação de células que combatem o vírus. Isso faz que o risco de infecção seja menor após uma exposição, mas mesmo que a infecção ocorra, devido à rápida resposta imunológica, o risco de óbito é reduzido, ou seja, com imunidade, há queda do risco de infecção e queda da letalidade.

Já quando falamos da redução de risco gerada pela vacina, chamamos isso de eficácia vacinal. Em geral, a eficácia para prevenir infecção é inferior àquela para prevenir óbitos. É por isso que estamos vendo um aumento substancial de casos nesses locais com alta cobertura vacinal, sem aumento igualmente proporcional de óbitos. Vejam o quadro abaixo de resumo das eficácias vacinais para cada um dos desfechos.

Vacinação CoronavírusGráfico de eficácia da vacina contra o coronavírus.Fonte: Financial Times

Estudos periódicosEstudos publicados em periódicos internacionais.Fonte: Mellanie Fontes-Dutra

Há que se levar também em conta o efeito da infecção na imunidade entre aqueles que sobrevivem a ela. Há dados que sugerem uma “eficácia” superior a da imunidade gerada pela infecção na prevenção de uma nova quando comparada às vacinas. Assim, a eficácia é ainda superior quando a vacina é realizada em um indivíduo que contraiu a infecção previamente.

Além dessas eficácias, há o efeito do tempo nessa variável. A imunidade parece reduzir gradativamente, e isso tende a ser mais acelerado na imunidade gerada pela vacinação quando comparada à infecção. É por isso que se faz válida a discussão contínua sobre vacinação de reforço e a produção de novas vacinas adaptadas às novas variantes. Claro que igualmente relevante se faz a compreensão individualizada de cada vacina, suas eficácias e sua cinética de queda considerando cada um dos desfechos a cada uma das variantes para uma decisão assertiva. A dificuldade ocorre quando essas informações não estão ainda disponíveis.

O Brasil está entre os países com maior quantidade de óbitos por habitantes do mundo. Considerando que temos uma população bem mais jovem (mediana = 33,5 anos) do que os Estados Unidos (37,4 anos) e a maioria dos países europeus (Reino Unido = 40,2 anos), é de se esperar que o número de casos por habitantes seja bastante superior por aqui, já que a letalidade tende a ser menor em locais com média de idade inferior.

De acordo com a estimativa do Institute of Health Metrics and Evaluation (IHME), até 31 de agosto, a covid-19 acometeu 40% da população brasileira. Somada à vacinação de 60% da população com uma dose e à de 30% da população com duas, é de se esperar que tenhamos um perfil de imunidade que nos favorece neste momento, mesmo comparado a países com maior taxa de cobertura vacinal. É esse perfil que tem nos permitido flexibilizar a mobilidade, que está praticamente normalizada atualmente. Infelizmente esse benefício se deu às custas de alta taxa de mortalidade. Mas será o suficiente para segurar a expansão do Delta? Provavelmente não.

Juntando o aumento progressivo da mobilidade e das interações interpessoais médias ao progressivo da representatividade da Delta, o Rt deve logo superar o 1, às custas principalmente dos não imunizados e, em menor parte, das reinfecções e infecções de escape (aquelas que ocorrem em indivíduos previamente vacinados), especialmente naqueles que tomaram apenas uma dose. Como esse perfil predomina em crianças e adolescentes, é de se esperar que a letalidade pela infecção seja baixa.

Então, seguindo um padrão semelhante aos países com alta cobertura vacinal, devemos ter elevação considerável no número de casos, com aumento em menor escala nas hospitalizações e em bem menor nos óbitos. A parte negativa é que provavelmente bateremos o recorde de hospitalizações e óbitos ao se avaliar somente as faixas etárias de crianças e adolescentes. O Brasil é grande e é possível que algumas regiões sofram mais, enquanto outras poderão nem sentir os impactos dos efeitos gerados pela variante Delta.

Mantenho, então, a previsão de que no 1° semestre de 2022 poderemos iniciar as discussões sobre a volta praticamente total à normalidade pré-pandemia, ousando diminuir o intervalo de confiança para o 1° trimestre.

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Bernardo Almeida é médico infectologista e Chief Medical Officer da Hilab, health tech que desenvolveu o Hilab — primeiro laboratório descentralizado usando testes laboratoriais remotos. É médico especialista em Infectologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com residência médica em Clínica Médica, Medicina Interna e Infectologia no Hospital de Clínicas — UFPR, mestrando da UFPR em Medicina Interna e área de doenças infecciosas (Epidemiologia das síndromes respiratórias agudas graves em adultos). Tem experiência na área de Medicina com ênfase em clínica médica e doenças infecciosas e parasitárias, participa de grupo de pesquisa na área de vírus respiratórios.

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