Another World: o fantástico mundo de Chahi

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Um dos maiores desafios para um videogame é permanecer relevante por muitos anos. Com a mídia não envelhecendo tão bem quanto outras formas de entretenimento, é comum vermos jogos que fizeram sucesso no seu lançamento, mas logo foram esquecidos sob uma pilha de títulos tecnologicamente mais modernos. Porém, alguns conseguem resistir a esta prova do tempo, obras que mudaram a maneira como os games são vistos e que continuam influenciando criações até hoje. Esta é a história de um desses casos, uma obra de arte que conseguiu transportar muitas pessoas para outro mundo.

Another World

Crédito: Divulgação/Éric Chahi

Lançado para Amiga e Atari ST em 1991, o desenvolvimento de Another World (conhecido nos Estados Unidos como Out of This World)teve início dois anos antes, quando o seu idealizador viu-se diante de uma encruzilhada: tendo prestado serviço para os outros durante vários anos, Éric Chahi tinha a opção de continuar trabalhando para a Delphine Software ou partir para uma carreira solo, onde não ficaria preso as barreiras impostas por outros profissionais ou pelas mãos de ferro de uma editora.

Nascido em 1967 na cidade de Essonne, França, Chahi sempre foi um apaixonado por computadores. Quando adolescente ele passava grande parte das férias escolares longe do sol, com a obsessão pela programação fazendo com que encarasse jornadas diárias de 17 horas diante de um monitor. O caminho natural a partir dali seria encontrar um trabalho na área, o que aconteceu assim que ele terminou os estudos.

Após passar vários anos ajudando a programar jogos para plataformas como Oric Atmos, Amstrad, Atari ST e Amiga, ele aceitou uma proposta para trabalhar numa empresa chamada Chip, mas lá o rapaz fez um pedido inusitado: cansado da programação, ele queria atuar como artista gráfico, podendo assim criar animações e ilustrações de fantasia.

Permanecendo no estúdio por um ano, em 1989 ele decidiu ir para a Delphine Software, onde conheceu outro talentoso jovem game designer, Paul Cuisset. Juntos eles iniciaram um ambicioso projeto, um adventure point-and-click chamado Future Wars e onde lhe caberia o cargo de artista chefe. Mas enquanto participava daquele projeto, Éric Chahi foi impactado pelo lançamento de uma versão do Dragon’s Lair para o Amiga: .

De maneira impressionante, as pessoas responsáveis por aquela adaptação conseguiram colocar todo o conteúdo presente nos videodisks em meia dúzia de disquetes. Aquele era um feito e tanto, mas ao ver as animações com cores planas que o jogo entregava, Chahi pensou que talvez fosse possível fazer o mesmo, mas usando polígonos. Se obtivesse sucesso, aquilo exigiria uma quantidade muito menor de memória e sem que a animação ocupasse apenas um pequeno pedaço da tela. Ou seja, ele imaginou algo que acabaria se tornando popular muitos anos depois na internet e que ficou conhecido como Flash.

Crédito: Divulgação/Éric Chahi

A Liberdade é Azul

E foi naquele momento em que o artista precisou tomar a decisão que mudaria não só a sua vida, mas que acabaria ditando alguns caminhos para a indústria de games como um todo. Com os jogos passando dos 8 para os 16-bit, programar estava se tornando cada vez mais complexo, mas Chahi sabia que para entregar sua visão, não poderia se render às pressões comerciais. Assim ele decidiu pegar as economias que tinha juntado, os royalties que havia recebido pelas vendas do Future Wars e tornou-se um desenvolvedor independente.

Desde o início o francês soube que a técnica que tinha vislumbrado seria perfeita para a criação de um jogo com uma atmosfera cinematográfica, mas ele ainda não tinha decidido o tema que o título teria. Uma das possibilidades era que a história se passasse numa casa assombrada, mas como ele já havia trabalhado em algo parecido no jogo Le Pacte, ela foi descartada.

Surgiu então a ficção científica, com a aventura acontecendo em um mundo alienígena e partindo deste conceito, o game designer passou a desenvolver aquele universo. Para isso ele teve como inspiração livros como Duna, de Frank Herbert; as ilustrações do quadrinista Richard Corben; e a arte do pintor Michael Whelan.

Mas junto com a liberdade vinha a dificuldade para implementar suas ideias e sem uma ferramenta que lhe permitisse trabalhar com gráficos vetoriais, Éric Chahi precisou criar uma engine. No início ele tentou desenvolver uma rotina gráfica em C, mas sem muito sucesso, acabou mudando para Assembly. O alvo era o Atari ST, mas quando descobriu que o código poderia rodar no Amiga em impressionantes 20 frames por segundo, ele percebeu que o projeto estava no caminho certo.

Um Início promissor

Aproveitando um acessório do Amiga chamado Genlock e que permitia que imagens capturadas em vídeos pudessem ser interpretadas pelo computador, o artista decidiu usar uma filmadora para gravar cenas do mundo real e transformá-las em animações, uma técnica conhecida como rotoscopia e que daria um ar muito mais realista ao Another World. Foi assim que ele conseguiu criar os movimentos do protagonista e até mesmo boa parte da lendária sequência de abertura, como por exemplo a cena da Ferrari 288 GTO preta.

Após alguns meses de trabalho e com a engine funcionando como imaginava, Chahi ainda não sabia quais limitações encontraria e a prova de fogo seria justamente aquela cena inicial. Ali ele conseguiu testar os tipos de animações que poderia utilizar e rapidamente ficou claro que boa parte da criação funcionaria na base do improviso, com cada nova tela sendo produzida numa sequência cronológica e sem um planejamento prévio.

No entanto, algo que esteve nos planos do criador desde o início era a ideia de entregar a experiência mais cinematográfica possível. Para alcançar isso, ele sabia que o estranho mundo de Another World precisava ser deslumbrante, mas um detalhe que poderia contribuir muito para a imersão era interface, ou melhor, a ausência dela. Ao romper com alguns paradigmas da mídia, o francês faria com que prestássemos atenção apenas no que realmente importava, além de não passar a impressão de que estávamos diante de um jogo.

Eu queria criar um jogo verdadeiramente imersivo em um universo muito vivo e consistente que parecesse um filme. Eu nunca quis criar um filme interativo. Em vez disso, queria extrair a essência de um filme — o ritmo e o drama — e colocar isso na forma de um jogo. Para fazer isso, decidi deixar a tela livre dos recursos de informações usuais, como barra de energia, contador de pontuação e outros ícones. Tudo precisava estar naquele universo, sem interrupções no caminho.

Tudo corria relativamente bem com o projeto, com elementos como uma pistola laser e um globo de plasma tendo sido adicionados para trazer alguma variedade à jogabilidade, mas quando o game designer percebeu que 17 meses já haviam passado e ele só tinha cerca de um terço da versão final, ficou preocupado.

Naquele momento, Éric Chahi se deu conta de que precisaria começar a simplificar processos, o que o levou a reutilizar partes do cenário e criar blocos que lhe permitiria focar nos quebra-cabeças que encontraríamos pelo caminho. Ele também fez algo que não gostaria, que foi procurar uma editora que tivesse interesse em publicar sua criação e uma delas foi a  Virgin Interactive. O problema é que a empresa queria que o jogo fosse alterado para um point-and-click e insatisfeito com a proposta, o autor preferiu assinar um contrato com seus ex-empregadores, a Delphine.

Então, após um longo e doloroso processo de desenvolvimento, onde a única outra pessoa a participar foi o compositor Jean-François Freitas, em novembro de 1991 o Another World foi lançado. E ao experimentá-lo podemos notar como o jogo reflete o estado de espírito do seu criador, onde a parte inicial passa uma clara sensação de isolamento e solidão, enquanto no trecho final a quase morte do protagonista é um claro retrato do quão exausto estava seu idealizador.

Another World

Crédito: Reprodução/Dori Prata/Meio Bit

A Noite Devorou o Mundo

Ainda no campo da improvisação, uma ideia que só foi introduzida no Another World durante o percurso e que acabou se tornando um dos destaque do jogo é a improvável amizade que criamos durante a história. Nela seremos Lester Knight Chaykin, um jovem físico que vinha dedicando sua vida a recriar o nascimento do universo usando um acelerador de partículas.

Certa noite, ao chegar no laboratório e ligar a máquina, um raio acaba acertando o lugar e causa uma catástrofe, abrindo um buraco no espaço/tempo e transportando o sujeito para um desconhecido planeta. A partir de então será dado início não a uma busca para voltar para casa, mas sim para tentar sobreviver aos muitos perigos presentes naquele inóspito lugar.

Os problemas de Lester se tornam ainda maiores quando ele é capturado por um ser humanoide e acorda no que parece uma prisão subterrânea e é aí que entra aquele que virá a ser o nosso parceiro de fuga. Precisando cooperar para terem alguma chance, a dupla passará por muitas dificuldades, a começar por não falarem a mesma língua e aquela parceria daria origem a um conceito que seria imitado por vários títulos ao longo dos anos.

Outro aspecto muito bem explorado por Chahi em Another World foi a limitação imposta pela utilização de polígonos. Sem poder incluir um grande número de detalhes nos gráficos, ele precisou incentivar a imaginação do jogador, fazendo com que o visual fosse menos descritivo e mais sugestivo. Um exemplo do quão brilhante ele foi neste sentido é a besta que aparece logo nos primeiros minutos e mesmo não passando de uma grande forma negra, ela consegue ser muito mais assustadora do que muitos monstros que vemos nos games hoje em dia.

Crédito: Divulgação/Éric Chahi

Os Incompreendidos

E com o sucesso alcançado por aquela obra de arte, era natural que pessoas buscassem lucrar o máximo que pudessem. Isso aconteceu através da adaptação do Another World para diversas plataformas e também com a criação de uma continuação. Exclusivo para o Sega CD, Heart of the Alien foi desenvolvido pela Interplay e exceto pela sugestão de mostrar a história pelo ponto de vista do amigo alienígena de Lester, o título não teve a participação do francês.

Na verdade, o game designer sempre disse que não queria uma continuação, pois acreditava que a ambiguidade do final daquele jogo era um ponto positivo e ao contrário do que algumas pessoas pensam, apesar do Flashback: The Quest for Identity contar com uma temática parecida e ter sido criado pelo ex-companheiro de trabalho de Chahi, Paul Cuisset, eles não se passa no mesmo universo do Another World.

O artista só voltaria a assinar um jogo cinematográfico de plataforma vários anos depois, quando em 1998 lançou o excelente Heart of Darkness. Com versões para PlayStation e Windows, o título conseguiu conquistar a admiração de muitas pessoas e levou seis anos para ser produzido, tendo passado por diversos adiamentos e sido apontado pelo próprio Éric Chahi como um dos projetos mais difíceis da sua carreira. Porém, isso é assunto para oportunidade.

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