A “revolução” que a Apple pretende promover na distribuição de música online não começou da melhor maneira. No dia 17 de maio, a companhia anunciou que os assinantes do Apple Music poderão em breve ouvir seus álbuns e playlists favoritas na qualidade lossless (sem perdas), com direito a suporte a Dolby Atmos, sem custos adicionais. Serviços concorrentes como Spotify, Deezer, Tidal e outros, oferecem qualidade sonora equivalente em planos diferenciados, e claro, mais caros.
No entanto, o público logo levou um balde de água gelada na cabeça, quando a Apple confirmou que nenhum de seus fones sem fio da linha AirPods, nem mesmo o caríssimo AirPods Max, que custa R$ 6.899, suporta o formato. Isto é, por enquanto.
A Apple não é uma empresa que costuma cometer erros de tamanha magnitude, mas neste caso específico, é preciso primeiro considerar a forma como a maçã trabalha e a tecnologia envolvida na transmissão sem fio de áudio, que não é tão simples assim quando falamos do formato lossless. Por definição, o padrão deve seguir literalmente o que diz o nome, “sem perdas”, ou permiti-las em um limite irrisório, de forma a não comprometer o áudio de nenhuma forma.
As duas opções mais usadas para transmissão de dados sem fio são o Wi-Fi e o Bluetooth, sendo o primeiro mais usado para áudio, vídeo e dados em geral, enquanto que o segundo é hoje majoritariamente reservado para áudio, o que chega a ser irônico. No passado, quando a Apple anunciou que o padrão jamais seria usado para transmitir dados em seus aparelhos, muita gente chiou com a “limitação”, sendo que qualquer um hoje concorda que transmitir arquivos via Bluetooth é um martírio.
A diferença entre o Wi-Fi e o Bluetooth reside na largura de banda, mas como o primeiro consome muita energia, ele é preterido em transmissões wireless exclusivamente de áudio, onde o Bluetooth é muito mais eficiente.
Só que quando falamos de áudio lossless, a coisa muda de figura. O formato exige muito mais banda para ser transmitido sem perdas, e apenas neste caso, o dente azul deixa de ser a melhor opção. Tanto é assim que alguns alto-falantes inteligentes, incluindo a linha HomePod da Apple, suportam transmissão sem perdas via Wi-Fi, ao invés do Bluetooth.
A totalidade dos fones de ouvido e headsets sem fio, sejam da Apple ou de qualquer outro fabricante, só usam Bluetooth e não suportam Wi-Fi (alguns são compatíveis com NFC, mas isso não vem ao caso). Dispositivos sonoros dependem de suporte em hardware, como um DAC (conversor digital-analógico) para reproduzirem áudio lossless, ou outras macumbarias de compressão de áudio e componentes internos.
A Apple diz que o formato sem perdas do Apple Music será compatível com o hardware sonoro dos iPhones, iPads, Macs, Apple TVs e os já mencionados HomePods, mas no caso de seus fones wireless, ela teria que adotar um padrão de compressão compatível, e hoje apenas dois codecs atendem as exigências, aptX HD e LDAC, tecnologias que pertencem à Qualcomm e Sony, respectivamente. O segundo inclusive foi reconhecido pela Japan Audio Society (JAS), instituição responsável pela certificação “Áudio Hi-Res”.
Ou seja, a Apple teria que pagar royalties a outras companhias de modo a introduzir recursos para que seus AirPods possam reproduzir áudio lossless, e todos sabemos que a maçã ODEIA gastar dinheiro com patentes de outras empresas, sejam parceiras ou concorrentes.
O que nos traz à terceira via: Cupertino estaria desenvolvendo um método de compressão próprio e exclusivo, que pode ser apresentado durante a WWDC 2021, que começa no dia 7 de junho, para uso em seus fones através de seu protocolo AirPlay, que se tornaria compatível com Bluetooth.
O padrão AirPlay é usado para criar conexões diretas e simples entre dispositivos Apple e outros compatíveis, de modo a transmitir áudio, vídeo e dados entre eles. Um mesmo usuário pode compartilhar documentos no iPhone com um Mac e/ou um iPad, ou transmitir conteúdos do celular para uma Apple TV ou TV compatível. Em todos os casos, o formato usa o Wi-Fi para isso.
O suporte de áudio do AirPlay é limitado ao tier mediano para música com padrão lossless, de no máximo 24 bits e 48 kHz, através do Apple Lossless Audio Codec (ALAC), seu codec proprietário. Segundo indícios dados pela própria Apple, ela estaria desenvolvendo um método para que o suporte de transmissão de áudio via Bluetooth venha a suportar o padrão sem perdas real, no que ela disse que a linha AirPods “por enquanto” não é capaz de entregá-lo.
É preciso lembvrar também que ao contrário do que alguns já disseram, não há nada tão simples como atualizar o AirPlay para “transmitir o áudio para os AirPods via Wi-Fi”. Os processadores H1 e W1, presentes nos fones da Apple e da Beats, não suportam o formato e reconhecem apenas Bluetooth. Ainda assim isso não significaria, ao menos não agora, novos lançamentos em hardware para adicionar a compatibilidade, a ideia seria fazer os atuais reproduzir áudio lossless.
Assim, a alternativa mais simples para a Apple seria implementar a compatibilidade do AirPlay com Bluetooth, aperfeiçoando o ALAC de modo que ele suporte a transmissão de áudio lossless via Bluetooth. O anúncio desastrado, apresentando o formato antes da compatibilidade com seu hardware nem é uma estratégia isolada, visto que a companhia fez o mesmo ao primeiro permitir que parceiros pudessem fabricar dispositivos compatíveis com o Buscar, para um mês depois lançar os AirTags.
Pode não dar em nada, é claro, tudo o que há no momento são suposições sem fundamento algum. A Apple não comenta nada, e se alguma novidade sobre o AirPlay e áudio lossless via Bluetooth estiver mesmo a caminho, só saberemos quando a WWDC 2021 tiver início.
Fonte: Digital Trends
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