Nesta semana, Apple e Spotify oficialmente deflagraram a guerra dos podcasts premium. O objetivo final é o ouvinte, na esperança de convencê-lo (forçá-lo?) a pagar por um conteúdo tradicionalmente gratuito, modelo de negócios que se depender de ambas empresas, está com os dias contados.
A maçã anunciou nesta terça-feira (20) um modelo de assinaturas do Apple Podcasts, enquanto que a companhia sueca fechou uma parceria com o Facebook para no futuro, veicular seus conteúdos na rede social, visto que esta também deseja entrar no mercado dos programas de rádio pela internet.
Não é segredo para ninguém que a popularização dos podcasts como mídia, em seus mais de 20 anos de existência, se deu inicialmente e principalmente graças à Apple, através do apoio fornecido ao formato desde o iPod. Com o tempo, o público cresceu ao ponto dos ouvintes migrarem para outros dispositivos, do desktop a armazenar as faixas em MP3 players, até o lançamento do iPhone e do Android, que solidificaram a mídia.
O podcast se estabeleceu como mídia de acesso gratuito, através da distribuição via RSS, onde uma se beneficiou do alcance da outra, graças aos esforços de profissionais diversos, como o finado Aaron Swartz. Se você possui um app de leitura de feeds, você tem acesso a programas de todas as partes do mundo, ou ao menos, era assim que deveria ser.
Produtores de conteúdo, assim como todo mundo, têm boletos para pagar, e podcasters buscam parcerias para patrocínio de diversas maneiras. A principal, que foi o modelo de negócios padrão por muitos anos, foi o de fechar anúncios com potenciais parceiros comerciais, reservando um momento de cada episódio para o “momento do jabá”. O problema é conseguir vender o espaço, e não é todo mundo que consegue.
Normalmente, apenas veículos de grande alcance e audiência sólida conseguiam fechar contratos com anunciantes, deixando todos os demais de fora, relegados a parcerias menores. No entanto, o tempo foi mostrando que a mídia podcast é rentável, o que viabilizou a entrada dos grandes conglomerados de mídia na festa, como Amazon, Disney e o Grupo Globo, hoje um dos principais distribuidores de podcasts do Brasil, que fechou acordos com diversos programas nacionais de grande audiência.
Aos demais, além de opções de financiamento coletivo, restava o Spotify. A plataforma começou a contratar podcasters renomados para fortalecer seu ecossistema, sob a condição de que as atrações sejam exclusivas, não podendo ser distribuídas externamente via RSS. Assim, passa a ser obrigatório baixar o app de streaming para ouvir.
Agora, Spotify e Apple apresentam novas propostas, em especial a segunda, que até então era resistente a cobrar pela transmissão de podcasts, apresentando modelos de assinatura individual de programas. O ouvinte decide quais atrações apoiar com sua carteira, com planos definidos pelos criadores de conteúdo.
Funciona assim: o Apple Podcasts e o Spotify oferecerão aos podcasters a possibilidade de criar modelos de financiamento de seus programas, podendo optar pela distribuição gratuita, como já é norma, ou por um modelo de assinatura, em valores e planos definidos pelos próprios. No caso da plataforma da maçã, é possível oferecer uma amostra do que o assinante poderá consumir ao assinar, sendo o modelo bem flexível.
O modelo de negócios do plano de assinaturas de podcasts do Spotify é essencialmente o mesmo: o podcaster define se seu programa é livre ou pago, e escolhe quanto o ouvinte deverá pagar para ter acesso. No entanto, há uma diferença crucial, referente à porcentagem da receita que ambas plataformas reterão.
Segundo reportagem do The Wall Street Journal, o criador de conteúdo que escolher o Spotify como casa de seus podcasts não terá que pagar um centavo sequer à plataforma, podendo reter para si todo o montante levantado pelas assinaturas. A Apple, por sua vez, cobrará uma assinatura anual de US$ 20, mais 30% sobre todas as transações no primeiro ano, reduzindo para 15% dali por diante.
O Spotify informa que dadas as antigas rusgas com a maçã, o sistema de assinatura de podcasts no iOS não será realizado in-app, e assim como a aquisição do plano Premium, deve ser realizada através de um link externo, via navegadores, para que nada seja revertido a Cupertino.
É preciso levar em conta que apesar da aparente benevolência, o Spotify também precisa de dinheiro, e desde muito tempo, vem tentando arrumar meios de depreciar o acesso gratuito, para agradar as gravadoras. Podcasts, por sua vez, são faixas de longa duração onde anúncios demoram mais para serem inseridos, e sendo assim, ouvintes poderiam usar o app sem se incomodar com inserções no meio de seus programas.
Isto é, até o Spotify criar uma plataforma de inserção inteligente chamada Streaming Ad Insertion, ou SAI. Anunciada em janeiro de 2020, ela permite ao criador de conteúdo selecionar propagandas e implementá-las no início, meio ou fim de um episódio. O algoritmo do app faz tudo sozinho.
Por ora, o SAI vem sendo usado em caráter de teste nos Estados Unidos, em programas selecionados, e pode demorar um pouco para se tornar uma ferramenta generalizada, que faz exatamente o mesmo que o sistema de inserção de anúncios da Crunchyroll, que corta a exibição de um anime várias vezes para colocar um jabá, ao ponto de tornar a experiência gratuita insustentável.
Assim como o Spotify, a Apple menciona a inserção de anúncios em episódios gratuitos do Apple Podcasts, mas como o modelo não é centralizado, ele deverá ser menos intrusivo do que o da Crunchyroll, e mais parecido com o adotado por sua concorrente direta.
A dúvida gira em torno de convencer o usuário a pagar para ouvir podcasts. A Apple é categórica ao dizer que os criadores não são obrigados a criar conteúdo exclusivo, podendo distribuir seus programas em outros app, incluindo Spotify, ou via RSS, enquanto que a empresa sueca não esclareceu tais detalhes quanto às condições que os criadores terão que se sujeitar, para adotar seu modelo de monetização.
Mesmo podendo publicar fora de ambos cercados, os criadores se sentirão propensos a fazê-lo, sabendo que poderão monetizar suas atrações? Caberá a eles, e não às plataformas, convencer os ouvintes de que o modelo gratuito não se sustenta, o que dados os mais de 20 anos do podcast como mídia, pode ser uma tarefa hercúlea. Nesse ponto de vista, Apple e Spotify se livraram de uma tremenda dor de cabeça, ao jogar o abacaxi na mão dos podcasters.
O Spotify também não esclareceu se os criadores não terão que pagar taxas para todo o sempre, ou se a oferta é promocional e referente apenas a um período, nem se a oferta é livre para quem quiser aderir, ou se haverão condições para aderir ao plano, tal qual o sistema de monetização do YouTube.
No mais, resta esperar para ver o que Apple e Spotify conseguirão daqui por diante, e se a era do podcast gratuito vai mesmo acabar.
Fonte: The Wall Street Journal, The Verge [1, 2]
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