fbpx

Barbara Lauwers e a Operação Chucrute

Nem era complicado mexer com a cabeça dos nazistas (Crédito: NBC)

Barbara Lauwers sabia que em guerra psicologia é uma arma tão importante quanto uma arma. O sucesso ou fracasso de uma operação militar depende da cabeça dos soldados, se sua motivação e moral. Nenhuma tropa que acha que está derrotada já venceu alguma batalha, e essa jovem e ousada refugiada se mostraria uma mestra nessa arte.

Claro, ela de forma alguma foi a inventora do conceito de Guerra Psicológica, tão antigo quanto a própria Guerra, mas aprimorado na Primeira Guerra Mundial e usado em grande escala na Segunda.

Temos as clássicas estações de rádio inimigas transmitindo música e propaganda para os soldados, com locutoras que ganhavam apelidos com Rosa de Tóquio e Axis Sally. No Vietnã os americanos espalhavam alto-falantes na floresta, para emitir sons fantasmagóricos e assustar os inimigos.

Panfletos com salvo-condutos convidando o inimigo a se render eram jogados constantemente atrás das linhas inimigas. Algumas vezes não davam muito certo, e em um caso especial a propaganda de guerra falhou por contarem a verdade.

Panfletos aliados mostrando soldados alemães em campos de prisioneiros sendo bem-tratados e comendo pratos fartos com bacon e ovos foram vistos como propaganda mentirosa, nenhum soldado alemão acreditou que um prisioneiro de guerra teria melhor dieta que um soldado no front e fazia tempo que Hitler não mandava um baconzinho que fosse.

O da esquerda não funcionava muito bem. (Crédito: US Army/Domínio Público)

No Japão a propaganda tinha efeito quase zero, até descobrirem que havia um componente psicológico forte: Os panfletos dizendo “Eu em rendo” eram terríveis para a moral do soldado japonês. Eles eram treinados a nunca se renderem, rendição era vergonha suprema. Então mesmo que significasse morrer, eles ignoravam os panfletos.

Quando o texto passou a dizer “Eu parei de resistir”, a propaganda funcionou e os panfletos começaram a funcionar.

Esse tipo de detalhe cultural era fundamental, e Barbara Lauwers era especialista nisso.

Cabo Barbara Lauwers (Crédito: US Army / Domínio Público)

Nascida em 1914 em Brno, no que seria hoje a Tchecoslováquia, se a Tchecoslováquia ainda existisse, Božena Hauserová se formou em Direito pela Universidade de Masaryk, e na mesma época conheceu seu futuro marido.

Lauwers era curiosa, inteligente e aventureira, falava com fluência várias línguas, incluindo Checo, Eslovaco, Francês, inglês e alemão. Aventurando-se com o marido ela foi parar no Congo Belga em 1939, quando os dois perceberam que o angu estava começando a ferver na Europa, eles emigraram para os Estados Unidos, em 1941. Aí em dezembro os japas fizeram o favor de envolver os EUA de vez com o arranca-rabo generalizado.

O marido se alistou imediatamente. Barbara Lauwers teve que esperar a conclusão de seu processo de naturalização, mas assim que se tornou cidadã americana, 1º de junho de 1943, algumas horas depois se alistou no Exército, e após terminar o treinamento básico foi mandada para a Escola do Women’s Army Corps, a organização do Exército que coordenava as tropas femininas, que trabalhavam em todas as atividades fora combate.

Não deu muito tempo, os instrutores perceberam que aquela gringa viajada esperta feito uma barata em galinheiro era material perfeito pra trabalhos mais nobres, e ela foi mandada pro OSS – Office of Strategic Services. O Escritório de Serviços Estratégicos é uma espécie de antecessor da CIA, eles cuidavam de todos os planos mirabolantes, espionagem, armas secretas, etc, etc, etc. Entre eles, operações de guerra psicológica.

Os planos do OSS às vezes eram ridículos, como a idéia de fazer Hitler consumir progesterona sem perceber, e com isso torná-lo mais feminino e dócil. Outras vezes eram coisa de filme, como quando usaram a superstição e a crença nazista em astrologia. Um astrólogo europeu famoso teve seus poderes “ampliados”, com os Aliados passando informações que eram transformadas em previsões, que obviamente se cumpriam.

Com o tempo ele começou a prever a queda do III Reich, e cópias falsas de uma revista popular de astrologia eram distribuídas pela Resistência na Alemanha, para espalhar as profecias e desestabilizar a população.

Barbara Lauwers e o artista Saul Steinberg em Roma, 1944 (Crédito: US Army/Domínio Público)

Barbara Lauwers foi mandada primeiro para a Argélia, depois para a Itália. Lá ela se tornou parte da Operação Chucrute. Seu trabalho era entrevistar prisioneiros alemães e achar os melhores candidatos dispostos a distribuir propaganda atrás das linhas inimigas.

Nessa época o OSS produzia dois tipos de materiais: Documentos, ordens, passaportes e cartas, falsificados com perfeição e certificados por prisioneiros alemães, que apontavam erros de português, digo, de alemão e pequenas imperfeições.

O segundo tipo eram panfletos, cartazes e reproduções de documentos “roubados”, tudo produzido em máquinas de gráficas locais, com papel de qualidade duvidosa, erros de composição e falhas de impressão. O objetivo era dar aos nazistas a impressão de que eram produzidos por membros locais da Resistência, que muitas vezes nem existia.

Uma das trollagens do OSS era imprimir papel higiênico com o rosto de Hitler – a Inscrição diz “usar este lado” e espalhar pelas latrinas dos acampamentos inimigos (Crédito: US Army / Domínio Público)

Um dos grandes feitos de Barbara Lauwers foi a criação da Verein Einsamer Kriegerfrauen (VAK), ou “Associação das Mulheres Solitárias da Guerra”. Era um grupo obviamente fictício, que seria composto por jovens casadas e solteiras, solitárias com seus maridos e namorados no front.

Elas estariam sozinhas e carentes, desesperadas por um abraço amigo, e sem seus homens para consolá-las, qualquer um servia. Soldados de folga bastariam usar um coração de papel preso na lapela, e várias Fräuleins dadivosas fazendo cara de Polônia se apresentariam esperando uma Blitzkrieg, de preferência não muito blitz.

Clube das Fräuleins solitárias (Crédito: US Army/Domínio Público)

O material foi espalhado como uma circular interna da Wehrmacht, que teria sido capturada pela Resistência e RE-capturada pelo Exército, soldados achavam cópias do documento e guardavam, mostrando pros amigos e divulgando a história.

O efeito era óbvio. Barbara Lauwers, profunda conhecedora da psiquê masculina sabia que a idéia de moças dadivosas sem burocracia ou compensação monetária era extremamente atraente, mas também sabia que uma boa porção dos soldados eram casados ou tinham namorada, então enquanto Hans lia no panfleto “Frei Zex!”  Franz lia “você está morrendo na guerra e a patroa em casa está distribuindo mais que chayote nos alpes”. Isso era terrível psicologicamente para a maioria dos soldados.

Claro, Barbara não parou ali. Um dia, entrevistando prisioneiros alemães ela ouviu uma conversa em que um oficial se gabava de estarem selecionando soldados Checos e Eslovacos para os piores trabalhos.

Nessa época, 1944, a Alemanha estava com falta de tropas qualificadas, então muitos serviços eram alocados para tropas formadas por homens de países invadidos, convocados e apresentados com a interessante escolha “ou você serve no exército ou morre”.

Percebendo a situação Barbara Lauwers bolou um plano, mas primeiro precisou conseguir emprestadas máquinas de escrever com o Vaticano, o único lugar aonde eram regularmente produzidos documentos nas mais variadas línguas, dificilmente as máquinas de escrever americanas teriam acentos e caracteres dos idiomas Checo e Eslovaco.

Com as máquinas disponibilizadas, ela escreveu e produziu panfletos nas línguas nativas dos dois países, oferecendo salvo-conduto para essas tropas.

As mensagens foram lançadas de avião e transmitidas pela BBC.

Em uma semana pelo menos 600 soldados desertaram e foram acolhidos pelos aliados.

Por essa a Cabo Barbara Lauwers ganhou uma Estrela de Bronze.

Barbara Lauwers recebe sua Estrela de Bronze (Crédito: US Army/Domínio Público)

A fake News foi tão bem-feita que o Washington Post colocou as mãos em um dos panfletos, acreditou piamente e publicou a história em sua edição de 10/10/1944, sem ter a menor idéia de que era tudo um plano do OSS.

Após a Guerra Barbara Lauwers se reencontrou com o marido, mas o casamento não foi adiante. Ela trabalhou vendendo chapéus, como locutora, ficou no tempo na Academia Nacional de Ciências e depois arrumou uma vaga como pesquisadora na Biblioteca do Congresso, aonde conheceu Joseph Junosza Podoski, um aristocrata polonês que se tornou seu segundo marido.

O casal trabalhou em uma organização de apoio a refugiados até a morte de Joseph, em 1984. Barbara morreu em 2009, aos 95 anos de idade, com certeza cheia de memórias incríveis e a paz de espírito do dever cumprido.

Fontes:


Source link

Comentários no Facebook

× Consulte-nos!