Eu estou muito longe de ser um entusiasta da Atari, principalmente pela sequência de erros que a marca tem cometido ao longo dos anos, mas isso não me impede de reconhecer e até admirar a coragem que a empresa teve num passado remoto. Entre as ousadas apostas que eles fizeram há algumas décadas, uma das mais interessantes foi no mercado de portáteis, quando o mundo conheceu o Atari Lynx.
Lançado em setembro de 1989, aquele videogame tinha como principais concorrentes o Game Boy, o Game Gear e o TurboExpress, mas como este dois só foram lançados no ano seguinte, o portátil da Atari entrou para a história como o primeiro a contar com uma tela LCD colorida. Um detalhe curioso é que ele teve sua criação iniciada por empresa que vinha se destacando no desenvolvimento de jogos, a Epyx, com o nome inicial do aparelho sendo Handy Game.
Tudo começou em 1986, quando David Morse, ex-gerente do Amiga foi questionado pelo seu filho se a sua atual empresa poderia desenvolver um videogame portátil. Morse então convidou R. J. Mical e Dave Needle, dois dos responsáveis pela criação daquele computador e os convenceu a irem trabalhar na nova companhia. Um ano depois eles tinham o portátil funcionando e durante a Consumer Electronics Show (CES) realizada no início de 89 eles fizeram a primeira demonstração.
Parecia que o projeto caminhava bem, mas a verdade era que a Epyx estava passando por muitas dificuldades financeiras. A solução para que o Handy Game fosse produzido seria oferecê-lo para algumas gigantes e mesmo com Sega, Nintendo e mais algumas candidatas tendo declinado a proposta, os executivos da Atari enxergaram ali uma boa oportunidade.
Com a produção e a divulgação ficando sob a responsabilidade da nova parceira, caberia a Epyx abastecê-lo com jogos, mas quando ainda no final do ano do lançamento do videogame o estúdio foi à falência, o projeto inteiro ficou nas mãos da Atari.
Mas apesar de todas as dificuldades e de um preço de US$ 179,95 (o que daria mais de US$ 380 atualmente), o lançamento do Atari Lynx foi bem-sucedido. De acordo com a fabricante, cerca de 90% das 50 mil unidades enviadas às lojas foram vendidas, sendo que no primeiro momento isso aconteceu apenas em Nova York. Dois anos depois eles teriam vendidos 800 mil unidades, o que estava dentro do planejado, alcançando assim uma base instalada na casa dos três milhões de unidades no final do clico de vida do videogame, em 1995.
Curiosidade: numa daquelas grandes ironias do destino, qualquer empresa que quisesse criar jogos para aquele portátil precisava adquirir unidades do Amiga, plataforma que por sua vez era produzida pela grande rival da Atari, a Commodore.
Contando com uma série de recursos muito legais, como um design que poderia ser aproveitado tanto por destros quanto por canhotos — com o portátil podendo ser virado de cabeça para baixo — ou ainda a possibilidade de até oito pessoas se conectarem para disputar partidas multiplayer, o Atari Lynx nunca chegou a se tornar tão popular quanto o portátil vendido pela Sega e principalmente, pelo pequeno gigante da Nintendo.
O maior motivo para isso foi a ausência de jogos de peso, sendo que apenas cerca de 100 títulos foram lançados para o Lynx. Entre os melhores estavam principalmente boas versões de jogos que faziam sucesso nos consoles e computadores da época, como Desert Strike, Lemmings, California Games, Shadow of the Beast e Ninja Gaiden III.
Os heróis da resistência
Por se tratar de um videogame que mesmo na sua época não era tão popular, o natural era que tanto tempo depois do seu lançamento o Atari Lynx tivesse espaço apenas nos museus, mas ainda há pessoas que se dedicando a mantê-lo vivo. E como fazer isso? Simples, continuando com o desenvolvimento de jogos para ele, inclusive com tais criações sendo lançadas fisicamente, com direito a caixa, manual, extras e cartucho.
Pois uma das pessoas que tem se dedicado ao portátil é Frédéric “Fadest” Descharmes, um apaixonado por jogos antigos que começou a programar enquanto tentava fazer seu filho dormir. As escolhas óbvias seriam criar jogos para o Nintendinho ou para o Game Boy, mas por causa das limitações técnicas do Lynx, o rapaz acabou optando por ele.
Após ganhar alguma fama no site AtariAge por criar uma série de quebra-cabeças chamada Yastuna, Fadest passou a trabalhar em dois novos jogos, Raid on TriCity e Asteroids Chasers. No primeiro temos vários blocos caindo do alto da tela, no estilo do clássico Tetris, mas sem podermos mover ou girar as peças diretamente, teremos que atirar nelas para formar grupos que desaparecerão. Já o segundo funciona como uma mistura de puzzle com jogo de cartas, onde precisamos usar estratégia para conseguir a maior pontuação possível.
Trazendo versões melhoradas de jogos que ele tinha lançado anteriormente como ROMs, os cartuchos contarão com o recurso de armazenarmos os placares de pontuação em EEPROM, algo que não era usado em títulos do Atari Lynx. Com pouquíssimas cópias disponíveis, eles podem ser adquiridos no site oficial da desenvolvedora, ao custo de 40 euros cada.
Outro estúdio que tem se dedicado a manter o Lynx com novidades é a Songbird Productions. Fundada por Carl Forhan, a empresa tem apostado especialmente em encontrar títulos que estavam sendo desenvolvidos para o portátil e que por um motivo ou outro não foram devidamente terminados. Entre eles está o CyberVirus – Lost Missions, uma continuação para um impressionante jogo de tiro em primeira pessoa que foi apresentado como uma demo em 1993.
“Com o CyberVirus eu tive que refazer todas as missões, refazer os sistemas de energia e powerup, e adicionar novos recursos ao jogo que não estavam no protótipo original,” revelou Forhan. “Eu também gosto da pureza destas máquinas menores e mais antigas, onde você tem que lutar por ciclos de RAM e CPU para fazer tudo. É um divertido desafio para o cérebro, suponho.”
O resultado foi um jogo com todos os estágios originais, além de nove inéditos e que acontecem em terreno aberto, algo que que não era comum nem nos grandes FPSs da época. Ele pode ser adquirido por US$ 49,95 e no vídeo abaixo é possível ver um pouco do original em ação. Se pensarmos que este é um jogo que foi criado há quase 30 anos para um portátil, chega a ser difícil acreditar que o pessoal da Beyond Games tenha alcançado um desempenho tão bom, não acha?
Por fim temos o Unnamed, uma criação de Marcin Siwek e que ao contrário de quase tudo o que foi lançado para o Atari Lynx, deixa de lado o estilo arcade para apostar num jogo com pitadas de RPG, muita exploração e alguns quebra-cabeças para serem solucionados. Nele acordaremos num lugar estranho sem sabermos como fomos parar lá, numa aventura que poderia muito bem ser lançada em qualquer serviço de distribuição digital que temos por aí.
Vendido por US$ 59,95 e também contando com EEPROM para permitir que o progresso seja salvo, ele oferece um nível de profundidade raro nos jogos para o portátil e imagino que teria feito bastante sucesso se tivesse sido lançado na época em que aquele videogame ainda podia ser encontrado nas prateleiras das lojas. Talvez ele até tivesse ajudado a Atari a vender mais algumas unidades, mas para esta dúvida nunca teremos uma resposta.
O triste é pensar que por mais que algumas pessoas estejam dedicando seus tempos para manter o Atari Lynx na ativa, o grande problema atualmente está em conseguirmos um que ainda funcione e esteja sendo vendido por um preço acessível. Mesmo lá fora uma unidade em boas condições pode passar facilmente dos R$ 1000 e depois ainda teremos alguma dificuldade para conseguirmos jogos.
Como estamos na época dos relançamentos de antigos consoles, talvez um dia a Atari resolva investir numa nova versão do Lynx. No entanto, como há muito tempo deixei de apostar em qualquer coisa que a empresa faz, me resta lembrar com saudosismo daquele portátil e elogiar a paixão daqueles que ainda tentam manter o seu legado.
Fonte: GameInformer
Source link