Talvez você não conheça o termo “dark play“, mas já tenha sido malvado em um jogo, seja ele digital ou não, ou em uma brincadeira, quando era criança: isso vai desde colocar seus personagens em um quarto sem saída em The Sims, a elaborar cenários cruéis com bonecos.
Hoje muita gente vilaniza esse tipo de comportamento, atribuindo-o a fatores de risco que podem levar ao desenvolvimento de adultos violentos, mas a verdade é que o dark play é uma ferramenta útil para entender as regras da vida real.
O termo “dark play” foi citado pela primeira vez em 1988 por Richard Schechner, professor de Estudos da Performance na Tisch School of the Arts da Universidade de Nova Iorque. Ele descreve o comportamento em que nós buscamos subverter as regras de um entretenimento inofensivo, em busca de emoções diferentes.
Embora aplicado com foco nas artes (teatro, cinema, rádio, etc.), Schechner também observou seu uso na vida real. Basicamente, o “dark play” é usado por crianças para testar regras em suas brincadeiras, já que a princípio elas não conhecem os parâmetros éticos da sociedade.
Elas criam seus mundos em seus jogos espelhando o real, e experimentam os limites do que pode ser feito, como bater em bonecas ou criar um cenário sombrio em uma brincadeira em grupo.
Quando pulamos para os games, o dark play permite que a criança teste uma grande variedade de comportamentos em um jogo, dependendo de sua natureza. Em um jogo de tiro ele pode se tornar caótico, causando problemas a seus companheiros de equipe, ou ser agressivo em um jogo de corrida, podendo até se prejudicar para atrapalhar outros.
Quem nunca se jogou da Rainbow Road junto com o amiguinho em Super Mario Kart, por exemplo?
O hábito adquirido de subverter regras em brincadeiras desde cedo deixa marcas no comportamento do indivíduo, mas não como muitos pensam: ao invés de formar pessoas violentas como dito no artigo de 2015 (cuidado, PDF) da Associação Americana de Psicologia, posição esta mantida (com ressalvas) em 2020, jogos e brincadeiras que estimulam ações violentas, ou o “dark play”, estimulam o hábito de buscar ser mais esperto do que as regras morais, sem infringi-las.
Os true hackers, movidos pelo desejo de “saber se pode ser feito” mais do que pelo ganho pessoal, são um bom exemplo; pessoas que são permitidas a trapacear, ou que podem resolver problemas sem usar uma abordagem tradicional, encontram mais satisfação nesses afazeres do que outros, algo já demonstrado em estudos.
Comportamentos antiéticos em jogos, digitais ou não, podem ser tanto uma forma de aliviar o estresse quanto um laboratório para testar os limites da sociedade, ao mesmo tempo que permite a interação com outras pessoas. Basta lembrar das partidas de queimada da escola, que quase sempre acabavam em briga.
Claro que há exceções à regra, de gente que passa do limite, e não estamos considerando jogos que não condizem com a faixa etária das crianças; ao mesmo tempo, o “dark play” pode assustar os pais e educadores, mas os pequenos tendem a abandonar uma abordagem ao esgotar as possibilidades, e partem para outra.
Claro que conforme aprendem as regras do Jogo da Vida (o real, não o de tabuleiro), as crianças entendem o que pode ser aplicado no dia a dia e o que deve permanecer nas brincadeiras; com a diferença de que se bem estimulado, o “dark play” permitirá que seu filho ou filha aprenda a pensar de forma menos linear no futuro.
Fonte: Popular Science
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