O Corona dizimou metaforicamente a indústria cinematográfica, criando um vácuo de exibições, e poucos filmes foram tão afetados como Mulan, que deveria estrear na China e fazer de 2020 o Ano do Rato, mas tudo desandou.
Com cinemas fechados no mundo inteiro, como lançar uma mega-produção? A sugestão óbvia, “lance online” não é satisfatória. Não dá pra recuperar o investimento, muito menos com a velocidade de um lançamento de cinema.
Mesmo assim, diante da falta de opções a Disney decidiu lançar Mulan na nova área Premier de seu serviço Disney+, o que não deixou os fãs nada felizes.
A balcanização dos serviços de streaming tornou inviável para o afegão médio ter Netflix, Disney+, Hulu, CBS All Access, Hulu, HBO e vários outros serviços. O mínimo que ele espera é ao menos ter os lançamentos da empresa cujo serviço ele acessa.
Conforme reportado por um blog aí, a Disney pretende cobrar no Brasil R$ 112,90 pelo aluguel de Mulan, mais a assinatura normal que nos EUA é de US$ 6,99, que dá R$ 38,81, mas não há nenhuma indicação de que o preço da assinatura nacional será uma conversão direta.
Nos EUA Mulan custa ainda mais caro, US$ 29,99 ou R$ 166,53. Por lá os consumidores também estão subindo nas tamancas, embora no papel o preço faça sentido, já que a empresa tem que recuperar o investimento somente com vendas online, ao contrário de um lançamento normal, aonde o online é acessório do cinema.
A questão toda é percepção de valor, algo ignorado por muita gente que acha que economia só tem a ver com matemática, e não com psicologia.
Imagine você vai numa farmácia. Você pega um sabonete, R$ 10,00. No caixa alguém avisa que a uma quadra dali outra farmácia vende o mesmo sabonete por R$ 5,00. Em quase 100% dos casos qualquer pessoa anda mais um pouco e compra o sabonete mais barato.
Agora mude o cenário: Você recebeu uma boa notícia, o novo Dacia Sandero já está disponível. Chega na sua concessionária preferida, e se prepara para comprar o carro por R$ 51.395,00. Antes de assinar os papéis alguém avisa que em outra concessionária, a uma quadra dali o mesmo carro sai por R$ 51.390,00.
Você se levanta e vai até a outra loja? Por que não?
Racionalmente nos dois casos a economia absoluta é a mesma, R$ 5,00. “ah, mas o carro é mais caro” e daí? Você não está botando preço no ato de caminha uma quadra, se fosse isso o preço seria R$ 5,00. Não dá para justificar racionalmente a decisão de não escolher o carro mais barato.
Emocionalmente você acha que já está gastando tanto dinheiro que R$ 5,00 a mais ou a menos não farão diferença, mas se estivesse em casa e visse os anúncios das duas concessionárias, iria na mais barata.
O comércio é cheio de truques que exploram essa percepção, como o clássico R$ 1,99 e preços quebrados, ou o compre dois e leve três de um produto que normalmente você só compraria um.
A incapacidade do cérebro humano de lidar com números foi fundamental pra gerar o imenso endividamento do brasileiro médio. Aqui o sujeito quer comprar um produto de R$ 1000,00. Não tem dinheiro, aí acha um crediário de 20 parcelas de R$ 100,00 e sai todo bobo se achando o esperto, sem entender que está pagando o dobro e, na pior das hipóteses poderia juntar os R$ 1000,00 na metade do tempo e comprar o produto sem se endividar.
No caso de Mulan, o problema de percepção é bem simples: R$ 112,90 é bem caro pra assistir a um filme. Temos a percepção de que cinema não é caro, pois tratamos os ingressos como individuais.
No papel o preço mais que compensa. Digamos que você vá assistir Liga da Justiça no Drive-in do Cinesystem, você e a patroa pagariam dois ingressos de R$43,20 e o Cléverson Carlos e a Dandara Aparecida pagariam duas meias, R$ 21,60. Só isso dá R$ 129,60.
Mesmo sem contar pipoca e refrigerante (R$ 750,00) estacionamento (R$ 440,00) e bobagens compradas no shopping R$ ∞ ,00 já vale o preço.
O que a Disney não entendeu é que esse cálculo racional NÃO FUNCIONA. O consumidor está acostumado a ver filmes “de graça” em casa. Temos milhares de filmes nas nossas Netflixes, que assistimos a qualquer momento. A maioria dos pais cresceu com TV aberta, igualmente “gratuita”.
Assinar um serviço e ainda assim ser cobrado de novo não cai bem, mesmo que faça todo o sentido biológico, na ponta do lápis.
Em Los Angeles um ingresso de cinema custa entre US$ 15,00 e US$ 20,00, ou seja, os US$ 29,99 do aluguel de Mulan saem mais baratos ainda, mas isso não impediu um monte de gente de subir nas tamancas.
Precificação – e eu tenho autoridade pra falar, o Marcus Lemonis me segue no Twitter – é mais do que definir quanto seu produto custa e qual sua margem de lucro almejada. Ela envolve o valor percebido pelo consumidor.
Seu produto pode ser excelente, suas margens razoáveis, mas se o preço final não se encaixar no que o consumidor acha que ele vale, não vai vender. E isso é tão doido que se o preço for baixo demais o consumidor não vai comprar também, por achar que o produto é vagabundo.
O vacilo da Disney foi o mesmo do típico empresário brasocapitalista, que quando as vendas diminuem ele aumenta o preço do produto pra manter a receita constante. A Disney quer que Mulan retorne somente via streaming o que retornaria de um lançamento mundial em telas de cinema.
Não vai acontecer. Mulan vai vender, bastante, mas dificilmente chegará perto do faturamento projetado, até porque não há Disney+ na China. A Disney se queimou à toa, mas nem o Rato acerta sempre. Vide John Carter.
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