Identificar evidências de vida fora da Terra é como procurar um tardígrado específico no Oceano Pacífico, usando uma lupa comum. Nossos melhores telescópios conseguem enxergar muito longe, mas o suficiente para identificar planetas em posições favoráveis, dentro da zona dos Cachinhos Dourados.
Mesmo restringindo a busca à nossa vizinhança, os resultados são inconclusivos. Ainda não sabemos se Marte já teve vida ou se há alguma coisa naquele inferno chamado Vênus, os dois planetas tirando a Terra com mais chances de sustentar microrganismos.
Os demais planetas do Sistema Solar, são gigantes gasosos, enquanto o planeta-anão Plutão está longe demais para sequer ser considerado para qualquer coisa, mas mesmo fora dos Cachinhos Dourados, há corpos celestes que podem abrigar os elementos necessários para a proliferação de vida, mesmo em condições extremas.
Sabe-se que Europa, um dos 66 satélites naturais de Júpiter uma das quatro grandes “luas de Galileu”, junto com Ganímedes, Io e Calisto, é um corpo coberto de gelo e neve, mas além da ordem do Monolito para ninguém pousar lá, pesquisadores especulam que sua exploração possa ser dificultada graças a seu solo pouco compacto, em que as sondas afundariam sem cerimônia.
Io é ainda mais complicada: graças à atividade geológica insana causada pela gigantesca maré gravitacional de Júpiter, seu relevo está em constante mudança, e todos os seus mais de 400 vulcões estão ativos permanentemente. Uma sonda lá duraria quase tanto quanto em Vênus, ou seja, quase nada.
Olhando um pouquinho mais longe, há Titã, um dos 82 satélites de Saturno e o 2º maior do Sistema Solar, só perdendo para Ganímedes. Apesar de estar muito distante do Sol, ele é a única das “luas” naturais que apresenta uma atmosfera densa, além de oceanos em sua superfície e ter até chuvas, mesmo sendo metano líquido, não água.
Além de Titã ser rico em hidrocarbonetos, já se cogitou a possibilidade de que o satélite pudesse apresentar formas de vida extremamente simples, ou mesmo aminoácidos, capazes de se proliferar em metano, desde que fossem baseados em outras ligações diferentes de carbono (algo que nem se sabe ser possível), mas ele também possui água no estado líquido na “superfície”, isto é, acima da crosta.
O único problema é que ela está enterrada sob uma grossa camada de gelo, mas descobertas recentes aqui na Terra apontam que a vida sempre encontra um jeito, mesmo nas condições mais adversas possíveis. Em um estudo publicado na Frontiers in Marine Science em fevereiro de 2021, pesquisadores relatam como encontraram esponjas marinhas completamente por acaso, a quase 1,5 km de profundidade, após perfurarem uma grossa camada de gelo.
Esses animais estavam vivendo em um ambiente de pressão extrema e ausência total de luz, onde nada deveria sobreviver. Mas como sempre, a Natureza costuma ignorar o que entendemos como bom senso.
Se conseguimos encontrar vida em um ambiente extremamente inóspito na Terra, quais as chances do mesmo ocorrer em Titã? Segundo um recente artigo (cuidado, PDF), publicado por um time de pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Canadá e França, crateras de impacto podem ser algo como “berçários”, permitindo a mistura dos hidrocarbonetos com outros elementos na água graças à queda de meteoritos e/ou cometas, que geram o calor necessário para a formação de aminoácidos, que poderiam dar origem a formas de vida simples.
Vida em Titã? Difícil, mas não improvável
O estudo liderado pelo prof. Dr. Álvaro Penteado Crósta, do Instituto de Geociências da Unicamp, aponta Menrva, a maior das crateras de Titã, com 392 km de diâmetro e quase 3 km de profundidade, como a candidata ideal para abrigar vida no satélite, por ser muito antiga, em torno de 1 milhão de anos, graças às evidências de erosão (a datação do satélite aponta sua formação quase que simultânea com a Terra).
Segundo a Dra. Léa Bonnefoy, astrônoma do Observatório de Paris e especializada em observações de Titã, o impacto causado pelo corpo errante que criou a cratera Menrva poderia criar momentaneamente uma “piscina” com as condições necessárias para o desenvolvimento de vida, mesmo enterrada sob camadas de gelo conforme a passagem do tempo. Além disso, a água em estado líquido depositada ali poderia perdurar imutável para sempre, até a próxima queda de meteoro, ou uma sonda perfurando o gelo atrás de evidências.
Mesmo os oceanos de metano líquido poderiam ser explorados. Kraken Mare, o maior deles, é tão grande e profundo (ele é quase do tamanho dos 5 Grandes Lagos combinados) que poderia comportar uma pequena sonda submarina, capaz de navegar e procurar por qualquer coisa interessante por lá.
De qualquer forma, os cientistas terão que esperar muito para descobrir se Titã possui qualquer sinal de vida, simples ou não. A missão Dragonfly da NASA está prevista para ser lançada apenas em 2027, e caso o cronograma seja cumprido (ele já foi mudado antes), a sonda só deverá chegar ao satélite em 2035.
Referências bibliográficas
CRÓSTA, A. P. et. al. Exploring habitability conditions in Titan’s impact record: The formation of Menrva crater. 52nd Lunar and Planetary Science Conference 2021, LPI Contrib. No. 2548, 2 páginas, Universities Space Research Association, 15-19 de março de 2021.
Fonte: Science, Digital Trends
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