‘Falta visibilidade nas pesquisas de games no Brasil’, diz professor da USP

Gilson Schwartz (54) lançou no mês de agosto, durante a Bienal do Livro, a obra “Brinco, logo aprendo: Educação, videogames e moralidades pós-modernas”. A coluna Geração Gamer procurou o pesquisador da USP, formado em economia e em ciências sociais, para conversar sobre a falta de visibilidade das pesquisas de games, a educação, seu último livro, o meio acadêmico de games e um certo atraso que existe na cena brasileira de jogos. Para Schwartz, se a Universidade de São Paulo fosse unida, ela seria capaz de criar um curso próprio de videogames. Confira o depoimento. Estudantes criam jogos inspirados em mulheres, livros de terror e diversão Gilson Schwartz é um dos grandes nomes da pesquisa em games do Brasil e da ECA-USP (Foto: Divulgação) Como surgiu a ideia do livro? O pesquisador é formado pela USP em economia e em ciências sociais desde os anos 80, com mestrado e doutorado concluídos na Unicamp depois. Desde 2005, Gilson é professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP, a ECA. “O livro responde a inquietações teóricas e políticas minhas que surgiram ainda na graduação com relação a como as tecnologias no capitalismo provocam mudanças estruturais nas nossas percepções de tempo, espaço e propósito”, diz Gilson Schwartz, sobre seu objeto de estudo neste último livro. O estudioso dá explicações mais aprofundadas sobre as questões que ele aborda na obra: “O conhecimento e a economia geram combinações inovadoras de ferramentas, conceitos e acumulação de capital. Em busca de respostas, fui percebendo que os antigos tinham uma relação mais aberta e espiritualizada com a técnica, o valor e o saber, relação que foi sacrificada pelos modernos em favor de modelos mais fechados, deterministas e coercitivos de aprendizagem, educação e solução de problemas. Portanto, por mais que isso pareça paradoxal, vejo os videogames como uma oportunidade histórica de usar a própria tecnologia para revalorizar relações mais abertas, criativas e propositivas entre as pessoas, as coisas e os sistemas de valor”. O último livro lançado por Gilson Schwartz, em agosto de 2014 (Foto: Divulgação) Schwartz já foi articulista na imprensa e popularizou o termo “Iconomia”, que é a economia nos tempos de internet. Ajudou a criar, dentro do Instituto de Estudos Avançados da USP, o projeto de pesquisa Cidade do Conhecimento em 1999, como um grupo que reúne gestão política e tecnológica na universidade. Depois do Cidade do Conhecimento, Gilson Schwartz trouxe a ONG Games for Change para o Brasil, batalhando pelo desenvolvimento social através dos jogos digitais. “Fiquei entre os 10 primeiros colocados num concurso do Ministério da Ciência e Tecnologia voltado a startups com o projeto de localização do game Conflitos Globais. Em 2010, a experiência foi apresentada em Nova York e chamou a atenção do presidente da Games for Change, a G4C, Asi Burak. Naquele momento, eles já buscavam parceiros em outros continentes”, explicou. Schwartz ainda nos deu detalhes sobre a fundação da iniciativa em terras brasileiras: “A partir de 2011, começamos a organizar o festival G4C no Brasil. Neste ano, vamos realizar o festival Games for Change na última semana de novembro. O movimento cresce também na União Européia, na Ásia e no Oriente Médio”. Games for Change é uma ONG que aproxima videogames da cultura, da política e dos movimentos sociais (Foto: Divulgação) Com toda essa experiência, ele ainda encontrou um meio de manifestar sua paixão por videogames neste universo tecnológico. Conheceu os jogos com Pong, nos anos 70, e era gamer nos fliperamas do “centrinho” da cidade de Guarujá. “Atualmente, meus games favoritos são aqueles que seguem a filosofia da Games for Change, ou seja, são jogos que nos provocam a pensar e agir sobre acontecimentos do mundo real, como o Conflitos Globais, Half the Sky e Papers, Please”, completa. Para ele, a educação e os videogames podem ter uma relação muito próxima. Diz Schwartz: “Na medida em que a indústria audiovisual consagra os games como formas culturais complexas e inovadoras, percebemos que é possível enfrentar os desafios da educação com originalidade”. A situação das pesquisas com games Gilson Schwartz está imerso no ambiente acadêmico da USP e tem boas e más notícias para quem quer fazer pesquisas sobre videogames. “O número de mestrandos e doutorandos com foco em games cresceu bastante nos últimos anos. Eu mesmo já orientei três dissertações de mestrado e participei de várias bancas. Há professores com interesse e projetos voltados a games em várias unidades da USP… Nós apenas ainda não temos muita visibilidade”, diz o especialista. A USP poderia ter um curso de videogames, na opinião de Gilson Schwartz (Foto: Marcos Santos/USP Imagens) Com tantas pesquisas sendo realizadas na academia brasileira, Schwartz fez uma afirmação bem direta à coluna: “Eu diria que se todos os professores e alunos de pós-graduação da USP que já mexem com games se unissem, seria possível criar uma nova faculdade ou curso totalmente interdisciplinar voltada a jogos e entrtenimento digital. Quem sabe um dia rola?”. A afirmação de Gilson Schwartz não é vazia. Em 2014, o BNDES chegou a financiar uma pesquisa com a USP para mapear o cenário de desenvolvimento de jogos no Brasil, chamada GEDIGames. O pesquisador também lembrou que instituições como a Abragames estão ganhando força, além do evento acadêmico SBGames. “O próximo Presidente da República certamente dará curso a políticas inovadoras, e espero que seja de forma interdisciplinar e interministerial, pois games envolvem ciência, tecnologia, narrativas e criatividade, educação, saúde. Na minha opinião, está na hora de ‘gamificar’ o próprio governo”, disse Schwartz, levando suas discussões para as eleições brasileiras. O termo “gamer” vai acabar? A coluna Geração Gamer perguntou a Gilson Schwartz se o próprio conceito de “gamer” não está em cheque com recentes acontecimentos no mundo dos jogos digitais, que segregam usuários antigos dos novatos e de quem defende o acesso amplo às minorias, como as mulheres. A jornalista Anita Sarkeesian, responsável pelo vlog Feminist Frequency, recebeu ameaças de morte em redes sociais. Já o desenvolvedor Phil Fish, criador do game Fez, largou a indústria de videogames por estar saturado do que é chamado comumente de “jogador hardcore”. Gilson Schwartz chegou a ser curador de Second Life no Brasil (Foto: Divulgação) “Na medida em que jogar e interagir ludicamente com interfaces digitais torna-se algo universal, perde sentido a imagem do gamer como um nerd que não sai da frente de uma tela por dias e dias a fio. No começo de outras tecnologias também houve uma segregação, os inovadores eram excêntricos no início do cinema, do automobilismo, do surf ou do skate. Com a universalização do consumo, as tribos se tornam uma parte integrada ao nosso modo de vida. Hoje, uma dona de casa é tão gamer quanto um adolescente vidrado em tecnologia digital. Mesmo porque o adolescente pode se tornar uma dona de casa sem que, por isso, precise abrir mão de sua paixão pelo entretenimento digital”, explica o especialista. Second Life no Brasil O Second Life foi lançado em 2003 como um simulador de realidade virtual para relacionamentos, embora muitos tenham encarado como um jogo online, um MMORPG. Gilson Schwartz foi curador do centro Bradesco de Second Life entre 2007 e 2008, o que contribuiu para expandir o programa em nosso país. “Foi um trabalho muito realizador para mim. Até hoje é possível encontrar registros em vídeo no YouTube de eventos que organizei como o Carnavatar – uma festa e concurso de fantasias com avatares -, um show ao vivo inesquecível com o Sérgio Dias dos Mutantes e até peças de teatro, tudo ao vivo. Houve também educação, debates sobre economia e sessões de Tai Chi Chuan com avatares”, afirmou Schwartz sobre a experiência no Second Life. Second Life é um simulador online bastante popular na última década (Foto: Divulgação/Second Life) O professor também deu alguns motivos para explicar porque Second Life não chamou tanta atenção no Brasil quanto o Facebook. “Se hoje a banda larga ainda é um problema para nós, imagina sete anos atrás. Poucos tinham computadores com placas gráficas potentes e equipamentos sofisticados a ponto de garantir uma navegação fluida. E 2008 foi o ano em que o capitalismo mergulhou na maior crise financeira desde 1929. Num mundo com desemprego crescente, milhares de empresas e bancos quebrando e governos na berlinda, brincar com um avatar tornou-se algo inacessível para a maioria dos mortais. Mas foi a partir dessa experiência que eu mergulhei de vez no game design”, diz. E o futuro? Gilson Schwartz falou sobre os próximos anos no Brasil e no mundo. “É importante que o governo brasileiro apoie a criação de jogos e o entretenimento digital como horizonte de negócios. Com o estímulo certo, o resultado é evidente, assim como a pesquisa patrocinada pelo BNDES verificou no Canadá, na Europa, nos EUA e na Ásia. Nós ainda estamos atrasados, mas chegaremos lá”, afirmou. “O futuro será uma combinação entre a gamificação e o que se conhece hoje como Internet das Coisas. Ou seja, o círculo mágico da brincadeira digital vai acontecer na rua, na cidade, na escola, no carro, no transporte coletivo e em tantas outras coisas, objetos e processos reais, além das telas maiores ou menores que usamos atualmente”, finalizou Schwartz. Qual é melhor jogo para Facebook? Comente no Fórum do TechTudo. saiba mais Zumbis d’Oeste: jogo brasileiro traz mistura de ‘bang-bang’ com mortos-vivos Splitplay, o ‘Steam brasileiro’, passará a divulgar games latino-americanos Brasileiros costumam jogar bem Pokémon’, diz vencedor da Copa Smogon Brasileiros querem captar R$ 40 mil para fazer jogo medieval retrô

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