A parceria entre Fortnite e a cantora Ariana Grande foi o grande assunto nos últimos dias. A apresentação musical Turnê da Fenda, a segunda de grande escala e a primeira razoavelmente interativa, é mais uma tentativa da Epic Games em demonstrar que seu principal título pode ser muito mais do que um Battle Royale.
Não é nova a informação de que a desenvolvedora quer construir um Metaverso ao redor de Fortnite, uma espécie de hub central em que os jogadores podem fazer qualquer coisa, desde disputar partidas a interagir de outras formas, como assistir filmes e shows. E os planos para o futuro são ainda mais ambiciosos.
Muito do mérito da tração conseguida por Fortnite nos últimos tempos, justiça seja feita, veio por conta da pandemia da COVID-19, em que todo mundo se viu forçado a ficar em casa e seguir protocolos de distanciamento social. Diversos setores de entretenimento, de cinemas a apresentações ao vivo, como teatros e shows musicais, foram todos colocados em standby até que a situação melhorasse.
Com isso, muitas empresas aproveitaram a lacuna deixada para criar formas de interação social online, ou para viabilizar o trabalho remoto, como os diversos apps de videoconferência em destaque desde 2020, do Zoom ao Discord e cia. ltda. No mercado de games, o ano de 2020 foi palco de uma explosão de vendas de consoles, PCs gamer e jogos, visto que muita gente procurava algo para passar o tempo.
Mesmo com a escassez de componentes, essa procura anormal por videogames incentivou tanto a Microsoft quanto a Sony a lançarem seus novos consoles, e de fato, as vendas foram muito boas. Logicamente, a Epic Games investiu em Fortnite para não só manter seu público cativo, mas também para atrair outros potenciais consumidores, mesmo aqueles que não curtem jogos de tiro.
Ainda em 2020, o jogo começou a hospedar apresentações das mais variadas, inicialmente através de um telão no mapa normal, e depois com o modo não competitivo Festa Royale. Ali, o jogador poderia assistir curtas animados, acompanhar a Semana do Tubarão, participar de palestras e claro, curtir shows de artistas como Marshmello e Deadmau5, entre outros.
Só que a Epic queria algo diferente, e a oportunidade surgiu quando fechou uma série de apresentações com o rapper Travis Scott. O formato escolhido para a turnê Astronomical não foi um mero vídeo em um telão, e sim uma experiência em que todo o mapa de Fortnite foi convertido em um palco.
Como resultado, o game registrou na ocasião, em abril de 2020, a marca de 12,3 milhões de jogadores simultâneos. Isso foi 13 vezes maior do que os 924 mil que Counter-Strike: Global Offensive havia atingido um mês antes.
Claro que uma apresentação do tipo sai caro e é uma insanidade para programar, assim, a opção de experiências virtuais acabariam limitadas aos poucos artistas dispostos a gastar muito para divulgar sua imagem em Fortnite. E pouca gente hoje no cenário musical tem mais bala na agulha que Ariana Grande.
Com dois Grammys e um Brit Awards, a cantora de 28 anos é a artista com o maior número de execuções via streaming (+90 bilhões de transmissões), a Nº 1 do Spotify E Apple Music, e a solista com o maior número de inscritos no YouTube. Talento à parte, Ariana Grande é uma máquina de fazer dinheiro, e parecia ser uma escolha óbvia para a próxima apresentação musical de alto nível em Fortnite.
Meses atrás, vazamentos indicavam que ela e Lady Gaga seriam as próximas a receberem tratamento VIP da Epic Games, com Ariana em outubro e a segunda em dezembro. Aparentemente e ao menos com a primeira artista, a agenda foi adiantada.
O show foi transmitido em 5 apresentações entre sexta-feira (6) e domingo (8), para permitir que jogadores de todo o mundo pudessem ter acesso durante o dia (lembrando, Fortnite é um game voltado primeiramente para jovens), e foi dividido em duas partes.
A primeira foi mais interativa, trazendo até um combate contra o Rei da Tempestade, chefe de Fortnite: Salve o Mundo, com músicas de Marshmello, Sia e Wolfmother. Após a sessão, Ariana entra em cena e o jogador, assim como no show de Travis Scott, passa a ser apenas um espectador.
Diferente de Scott, que usou a ilha como cenário e a transformou como quis, Ariana Grande puxa os jogadores de Fortnite para seu mundo cheio de glitter, cristais, unicórnios e labirintos gregos a lá M.C. Escher. Ao todo a apresentação soma 12 minutos, as duas sessões somadas.
A Epic Games, de acordo com documentos apresentados no processo contra a Apple, já vem a tempos posicionando Fortnite não como um game, mas como uma “rede social da Geração Z/Millenial”. De fato, muitos jovens veem o game como uma plataforma multifunção, para jogar, conversar com amigos, ou se distrair curtindo atrações diversas.
O primeiro “game” a adotar uma aproximação do tipo foi Second Life, que se vendeu como uma rede social no tempo em que o termo nem era tão popular. De fato, a plataforma se comporta ainda hoje como um hub de serviços diversos, e conta com a presença virtual de inúmeras empresas, até mesmo bancos.
No entanto, o que a Epic Games está tentando reproduzir é a experiência virtual do OASIS, o grande ambiente virtual que Ernest Cline descreveu no livro Jogador Nº 1, e que Steven Spielberg levou para os cinemas em 2018.
Na época em que o filme estreou, Fortnite Battle Royale já era bastante popular, mas ainda era encarado como um concorrente cartunesco de PUBG: Battlegrounds, que saiu antes e puxou a onda dos Battle Royales.
A Epic, no entanto, conseguiu cativar mais crianças, adolescentes e jovens adultos com um visual menos realista, uma curva de aprendizado bem menor e a mecânica exclusiva de construção, o que lhe rendeu pontos de originalidade.
Com o tempo Fortnite foi tomando dimensões cada vez maiores, ao ponto de contar com material exclusivo de Star Wars: A Ascensão Skywalker, visto que a transmissão “do além” do imperador Palpatine não foi lançada em nenhum outro lugar.
O tal “Metaverso” de Fortnite é uma forma da Epic Games chegar ao que o OASIS é no livro e filme, um ambiente onde os usuários podem fazer de tudo, de jogar a curtir outros conteúdos, ou simplesmente matar o tempo, ainda que hoje você não conte com equipamentos avançados de RV… por enquanto.
Este é um dos principais argumentos que a desenvolvedora usa para defender a permanência de Fortnite nas lojas digitais da Apple e do Google, com o direito de operar suas finanças sem pagar nada às mantenedoras das lojas, que poderiam “prejudicar” os esforços em criar um “meio social completo, robusto, em tempo real, tridimensional e com seu próprio sistema econômico, onde as pessoas serão capazes de criar e se envolver em um grande número de experiências compartilhadas”.
Mas daí a não querer pagar as taxas e se declarar no direito de usar espaço alugado de graça, são outros quinhentos.
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