A HP sabe muito bem que a substância mais valiosa da face da Terra é tinta de impressora. Hoje um litro da cor preta, tendo como base a quantidade presente em cartuchos tradicionais (4,5 ml), custa a inacreditável cifra de R$ 29 mil. O custo em refis de tanque de tinta é um pouco mais civilizado, em torno de R$ 1 mil/litro.
Não surpreende, portanto, que a HP use de meios maquiavélicos para amarrar seus consumidores à companhia, desde impedir o uso de cartuchos de terceiros (prática que todas as fabricantes tentaram implementar) a planos de consumo supostamente vantajosos.
Ainda assim, as práticas particulares da HP surpreendem pelo alto grau de malícia, sem paralelo entre as concorrentes. Vamos dar uma olhada em duas delas.
A atualização do mal
Hoje em dia, boa parte das impressoras para usuários finais funcionam online, permitindo ao usuário enviar documentos para impressão a distância, enquanto a fabricante pode despachar atualizações do firmware via OTA. E é aqui que reside o problema.
Assim como a Lexmark, Epson e outras empresas, a HP odeia clientes “espertinhos” que usam cartuchos de tinta de terceiros, ou que recondicionam os antigos. É interessante para a companhia que os clientes continuem comprando novos cartuchos, mesmo quando você sabe que há tinta e a impressora diz que não, ou você quer imprimir um documento em preto apenas e ela diz “pouca tinta magenta, não posso imprimir“.
O lançamento das impressoras com tanques de tinta foi justamente uma tentativa de contornar esse problema, oferecendo uma forma mais amigável de recarga mas ainda sujeita a velhas práticas. O sistema de ajuste de impressão, por exemplo, é um tradicional comedor de tinta que, na prática, não faz praticamente nada relevante.
Mas voltemos aos modelos com cartuchos de tinta. Em março de 2016, a HP liberou uma controversa atualização para suas impressoras conectadas, que ao atualizar o firmware, instalava um contador programado para ativar um recurso em setembro do mesmo ano.
O recurso fez com que os equipamentos rejeitassem cartuchos de terceiros, apenas os dela própria passaram a ser aceitos. A atualização foi calculada minuciosamente para coincidir com o período de volta às aulas, onde pais e estudantes deram de cara com a limitação ao comprar novos suprimentos e materiais escolares.
Oficialmente a HP se refere ao update como uma “atualização de segurança”, mas só se for para proteger a empresa dos seus consumidores. A “bomba-relógio” foi sob todos os aspectos um malware, programado para permanecer assintomático por meses, até ser ativado no momento oportuno.
Claro que a marmotagem pegou muito mal. A HP entrou em modo full-caveat emptor, dizendo que nunca prometeu ao consumidor que suas impressoras iriam funcionar sempre com cartuchos que não fossem fabricados por ela mesma, e que a “medida de segurança” foi tomada para evitar que “cartuchos maliciosos”, que pudessem comprometer os equipamentos, pudessem ser instalados.
Como nada disso colou, a HP acabou liberando uma atualização que removeu o update malvado, apenas para fazer tudo de novo em 2017, 2018, 2019 e 2020, sempre sincronizando o disparo do malware com a volta às aulas.
Para evitar a prática, os usuários devem desabilitar as atualizações de firmware via OTA; quem é afetado precisa entrar no site da fabricante, baixar um firmware antigo livre do malware e instalá-lo manualmente, a fim de reverter a limitação.
HP Instant Ink, o “contrato faustiano”
O HP Instant Ink é um plano de conveniência disponível em alguns países (não no Brasil), que oferecia originalmente um serviço supostamente vantajoso: uma quantidade específica de páginas a serem impressas por mês, separados em vários planos, com a HP fornecendo a quantidade de tinta necessária no momento em que a troca fosse necessária.
Por exemplo: o plano mais barato, que custa US$ 2,99 por mês, prevê a impressão de 50 páginas mensais, enquanto o mais caro, de US$ 25/mês, prevê 700 páginas e uma troca mensal de cartuchos.
Caso seja preciso imprimir mais, o usuário paga US$ 1 extra para cada 15 páginas, ou 10 páginas no plano mais caro. Como a tinta é fornecida em comodato, caso o consumidor se recuse a pagar, a impressora simplesmente se recusa a funcionar.
É uma tática bem estranha, mas estava prevista no contrato inicial. Caso o usuário não consuma toda a sua cota de páginas em um mês, poderá transferí-las para o seguinte, até um certo limite, de acordo com o plano.
Eis a pegadinha: o plano de entrada, oferecido com novas impressoras elegíveis, dava direito a 15 páginas de graça por mês, com a HP fornecendo a tinta, como forma de incentivar o assinante a migrar para um plano mais robusto e pago.
Pois bem…
Em outubro, a HP se lembrou que trabalhar para pobre é pedir esmola para dois, e tomou a liberdade de mudar unilateralmente os planos do Instant Ink, conforme previsto no regulamento, encerrando assim a oferta de tinta grátis.
Todos os assinantes foram migrados para a nova categoria de entrada do serviço, que mantém as mesmas 15 páginas por mês e o fornecimento de tinta, mas ao custo de US$ 1 por mês. As notificações foram enviadas por e-mail, e a alteração entra em vigor a partir de 26 de dezembro de 2020.
Algo me diz que os consumidores da HP, que usavam o plano gratuito de impressão não devem estar muito felizes.
O motivo para a mudança é bem simples: a pandemia da COVID-19 forçou as pessoas a ficarem mais tempo em casa, e na impossibilidade de empresas, repartições e escolas imprimirem documentos com equipamentos corporativos (que possuem suas próprias regras), as pessoas estão dependendo mais das impressoras domésticas.
Assim, mais clientes consumindo tinta não é interessante para a HP, que decidiu encerrar a oferta e maximizar os ganhos com quem precisa imprimir. Claro que o usuário pode optar por não assinar ou cancelar o plano, voltando a ele mesmo comprar a tinta, mas no geral, membros dos planos Instant Ink são reféns: não são donos da tinta e não podem imprimir ao estourar a “franquia”, a menos que paguem a mais.
Essa é mais uma prática da HP que vai para sua sacolinha de maus momentos, como quando instalou keyloggers e spywares em seus notebooks, ou quando sua ex-CEO Carly Fiorina demitiu 30 mil funcionários, fato esse lembrado quando ela tentou se candidatar a presidente dos Estados Unidos.
Fonte: EFF.org
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