Mais uma vez, os russos não curtiram o sucesso da Crew Dragon

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A missão da Crew Dragon foi um tremendo sucesso. A joint entre a SpaceX e a NASA ocorreu sem nenhum percalço, com tudo funcionando como um reloginho, e com isso, os Estados Unidos voltaram a ser capazes de mandar astronautas ao espaço por conta própria, pela primeira vez desde o fim do programa dos ônibus espaciais.

Quem não está nada contente, e isso já era de se esperar são os russos, representados por Dmitry Rogozin, diretor da agência espacial Roscosmos.

NASA / cápsula Crew Dragon se acopla à Estação Espacial Internacional / ROSCOSMOS

A insatisfação dos russos com os avanços da SpaceX não é de hoje, e se coletarmos todas as declarações de Rogozin ao longo dos anos, percebe-se um misto de apreensão e inveja nas suas falas. É compreensível, pois desde que o então presidente George W. Bush cancelou o programa dos shuttles em 2004 (os voos foram retomados em 2005, dois anos após a perda da USS Columbia, e mantidos até 2010, até que a ISS estivesse completa) por serem caros demais e perigosos demais, os americanos passaram a depender 100% dos camaradas para ir ao espaço.

A Roscosmos, obviamente, abusou. Inicialmente o preço da “passagem” por astronauta era minimamente viável para os padrões de agências espaciais, mas com o tempo a agência russa foi enfiando a faca e girando cada vez mais. Hoje o custo por astronauta americano por uma cadeira na Soyuz é de US$ 90 milhões, um só paga o desenvolvimento do foguete e da cápsula e sobra grana. E normalmente sobem três por vez.

As tensões entre a NASA e a Roscosmos foram aumentando com o tempo, e em 2014 Elon Musk entrou na brincadeira, comprando briga com os russos por se estranhar com a ULA, que usava foguetes From Russia, With Love, muito mais caros que os seus. Quando Rogozin, na posição de dono da única linha de transporte para a ISS, percebeu que os americanos levariam muito tempo (e gastariam fortunas) para desenvolver uma solução própria, ele soltou a pérola no Twitter:

“Depois de revisar as sanções contra nosso programa espacial, sugiro aos Estados Unidos que mandem seus astronautas para a Estação Espacial usando um trampolim.”

Cápsula Soyuz / Crew Dragon

Cápsula Soyuz, projeto de Sergei Korolev: um autêntico pé-de-boi, a mesma desde 1966

Visto que tirando os russos, o único país com capacidade de transporte de astronautas para a ISS era a China (que copiou o projeto da Soyuz), Rogozin podia se gabar porque querendo ou não, os ianques teriam que continuar comendo na sua mão por muito tempo. A ULA continuou a receber os motores russos, mas a sementinha da insatisfação já estava germinando, e não demoraria a dar frutos.

Quando a Crew Dragon começou a mostrar serviço, a Roscosmos subiu nos tamancos e tentou embarreirar o projeto, dizendo que a cápsula não tinha autorização para acoplagem à ISS. A NASA deu de ombros e continuou tocando os testes, que culminaram na primeira missão bem sucedida em 2019, ainda sem tripulação. A reação da agência foi uma nota “parabenizando” a agência americana, mas não a SpaceX.

O descontentamento de Rogozin com Musk, que ele chamava de “garoto de RP” era evidente, mas ele pouco podia fazer para frear o avanço da SpaceX em seu território cativo. Assim, o diretor da Roscosmos teve que engolir a seco, quando o executivo interrompeu uma fala de Jim Brindestine, diretor da NASA, em que explicava sobre a continuidade da parceria entre EUA e Rússia.

Musk, que não sabe a hora de ficar calado soltou o que todo mundo ali estava pensando, mas que ninguém, exceto ele como empreendedor privado, podia dizer em público (pule para 16’24”):

Rogozin a princípio foi político, respondeu ao gracejo de Musk no Twitter dizendo que “adorou” a piada, e parabenizou a NASA E a SpaceX desta vez pelo feito. Só que nos bastidores o diretor da Roscosmos ficou bem mordido, tanto que sua conta pessoal foi convertida em um segundo perfil da agência russa, e tweets mais ácidos foram removidos. Para efeitos práticos, Rogozin deu ragequit do popular site de microblogs™️.

Longe do Twitter, mas não da mídia, não demorou muito para Rogozin publicar uma carta aberta em que comenta, desta vez em tom bem menos ameno, o sucesso da Crew Dragon e da NASA. No documento, o diretor da Roscosmos comenta que o projeto só foi para a frente porque o governo despejou “fundos colossais” na empreitada, disse que a cápsula é muito pesada, que os EUA deveriam ser gratos à Rússia por terem usado as Soyuz por 9 anos, e por aí vai.

Mais importante, Rogozin diz que o sucesso da Crew Dragon não significa que a Roscosmos foi vencida, e sim que Musk deu início a uma guerra interna entre outras companhias, citando a Boeing e seu projeto Starliner. Ainda asssim, ele diz que os russos talvez tenham pesado a mão no preço da passagem, já que um tíquete na Crew Dragon custa “só” US$ 55 milhões, fora o conforto e maior capacidade (7 tripulantes, contra 3 da Soyuz que viajam como sardinhas em lata).

Yegor AleyevTASS / Dmitry Rogozin, diretor da Roscosmos / Getty Images / Crew Dragon

Dmitry Rogozin, diretor da Roscosmos (créditos: Yegor AleyevTASS, via Getty Images)

A carta de Rogozin menciona grandes feitos da Mãe Rússia para o progresso no espaço, comparando-as a obras de Michaelangelo e Da Vinci, e chamou a Soyuz de “nosso rifle Kalashnivov espacial”, fazendo alusão ao design insuperável da AK-47, que apenas funciona. De fato a cápsula é um pé-de-boi e quase não dá problema, mas é antiquada demais.

A bem da verdade, Rogozin e a Roscosmos em geral estão mordidos não pelo fato de que a SpaceX vai fazer com a grana mingue, mas principalmente porque o orgulho foi ferido: por quase uma década os russos podiam contar vantagem de que os americanos só iam para o espaço se eles assim permitissem, e agora, a Soyuz se tornou uma solução redundante para a NASA, basicamente um plano de contingência.

Por mais que os contratos para as próximas viagens já agendadas sejam mantidos, as coisas já estão começando a mudar: a NASA, que é fanática por regulações, planos de contingência e procedimentos de segurança, gostou tanto do resultado da Crew Dragon que…

Pois é, a SpaceX recebeu autorização para enviar astronautas à ISS em foguetes Falcon 9 e cápsulas reutilizadas, algo que até pouco tempo atrás a agência espacial era absolutamente contra.

Em uma situação ideal, o sacode que a Roscosmos levou faria com que a agência corresse atrás do prejuízo e se modernizasse (mesmo a Soyuz chinesa foi refeita do zero, basicamente ela só manteve o “plugue”), e eles estão mordidos o bastante para justificar tal movimento. E se Rogozin ficou azedo, é certo que Putin também não está de bom humor.

Com informações: Ars Technica



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