via The Brief
Sentem que lá vem polêmica. Pois é, jovens briefers, na última sexta-feira (8) a gente deu thumbs up para as redes sociais por terem banido Donald Trump das plataformas. Agora, a gente chega aqui na humildade para dizer que erramos em abordar de maneira rasa um assunto tão complexo. A Chancela The BRIEFINIANA não foi o local adequado para isso. A partir daí, diante da dimensão do tema, a gente estudou bastante o ocorrido e conversou com especialistas na área jurídica para entender melhor a questão.
Mas, antes de embarcar na discussão, um pequeno brief para quem estava no mundo da lua. Na semana passada, o Twitter baniu forever and ever o presidente norte-americano do microblog, alegando que os tuítes de Trump que questionavam a legitimidade das eleições estavam mobilizando grupos a se manifestarem de forma violenta.
Na mesma linha, Tio Mark suspendeu as contas do presidente, no Facebook e Instagram, sem previsão de data para um retorno. Twitch e Snapchat também desativaram a conta de Trump, enquanto Reddit, TikTok e Pinterest colocaram restrições aos seus apoiadores. Além das mídias sociais, no decorrer dos últimos dias, até Apple, Google e Amazon se manifestaram e retiraram de suas lojas de aplicativos e data centers a plataforma Parler, uma alternativa às redes mais populares e que está dominada por trumpistas.
Donald Trump/Facebook Fonte: Facebook
Minha casa, minhas regras
Com a morte digital de Trump, a web se inundou de opiniões a respeito do assunto. E muitas, mas muitas questões vieram à tona junto dessa história. Afinal de contas, banir Donald Trump é censura? Qual é o limite de atuação das redes sociais? E qual o papel dessas empresas? As respostas não são fáceis e muito menos objetivas, mas nos fazem pensar e principalmente nos ajudam a entender que nenhuma resposta é 100% correta.
As plataformas são empresas privadas que criam seus próprios termos de adesão. É o famoso ame-os ou deixe-os. Se você concordar com os termos e não violar nenhum deles, você pode usufruir à vontade das ferramentas. Mas se você não concordar e/ou quebrar algumas das regras impostas, já era. Eles podem te cortar, assim como fizeram com POTUS. O problema, segundo a juíza Olga Vishnevsky Fortes, é que alguns dos termos das plataformas têm grandes cargas de subjetividade e acabam sendo submetidas sobre um prisma ideológico.
Com a nudez, por exemplo, é mais fácil para o Twitter ou Face determinar quem violou as regras de postagens, mas no caso de Trump não. Afinal, o que Jack Dorsey considera incitação à violência pode não ser considerado por outros. Na mesma linha de pensamento, a propagação de desinformação é extremamente difícil de conceituar. Neste sentido, os usuários das mídias sociais ficam à mercê da interpretação de seus donos.
Vale lembrar que, de acordo com a Seção 230 da Lei de Telecomunicações de 1996 norte-americana, pessoas ou empresas que se limitem a transmitir conteúdo de terceiros na internet não podem ser responsabilizadas legalmente pelo que ali for publicado. Há exceções, obviamente: mídias sociais não podem usar essa lei para se esquivar de apagar conteúdos que constituem crime ou que violem a propriedade intelectual. E ninguém haverá de acusar agressão à liberdade de expressão quando uma mídia social bane, por exemplo, publicações racistas ou que contenham pornografia infantil.
Regras e mais regras
Fato é que a constituição garante a liberdade de expressão e veda a censura. Apesar de ser um princípio fundamental, a liberdade de expressão não é ilimitada. O limite, segundo a juíza, cada ramo do direito vai dizer qual é.
“Estamos submetidos à Constituição, leis civis, leis penais e, no caso de pessoas com cargos públicos, leis de cunho administrativo. Fora as regras das próprias redes sociais. No entanto, essas regras, por terem alta carga de subjetividade, não poderiam ficar a cargo exclusivo de seus donos”, comenta a magistrada.
Assim, ela acredita que o ideal seria uma auto regulamentação nos moldes do CONAR (Conselho Nacional Auto Regulamentação Publicitária). “Se várias redes sociais se unirem e criarem um conselho diversificado, inclusive formado por usuários, para a criação de um código de ética do setor, as chances de haver um banimento de cunho ideológico é menor”, opina. “Ficaria a cargo do Estado, então, a criação de uma lei que responsabilize as redes pelo teor divulgado quando o discurso for de alguma forma criminoso ou incitatório, desde que não retirem do ar a mensagem em tempo razoável”, completa.
De qualquer forma, para ela, o banimento de um usuário deveria ir ao judiciário, pois qualquer tipo de segregação é ruim, além de se tratar de uma censura prévia. Jack Dorsey, por outro lado, não viu saída a não ser o banimento, pois já havia notificado e suspendido o presidente muitas vezes antes.
Foto: Evan Vucci / Associated Press (Reprodução)
Too big to fail
À primeira vista, o tal antitruste nem tem ligação com o tema, mas na verdade acaba sendo a base de tudo. Afinal, não fosse o tamanho dessas redes, nada disso estaria sendo discutido. O poder dominante, especialmente do Face, joga sobre ele um mega holofote. E não só isso, o seu tamanho e importância mundial automaticamente coloca sobre seus ombros uma responsabilidade social.
“Uma empresa desse tamanho gera um impacto muito grande no mercado e não pode fazer muitas coisas, como tem o dever de fazer muitas outras. É um fato que essas empresas precisam ser reguladas até para entenderem o que a sociedade espera delas”, comenta Marcelo Calliari, head de Direito da Concorrência do escritório TozziniFreire. “A gente cobra das redes que façam algo, mas depois que fazem achamos ruim. Não há uma orientação clara”, completa.
Ainda que o papel das redes não seja bem definido, já faz certo tempo que alguns países não as veem meramente como um canal de publicação. A União Europeia, com seu processo antitruste monumental contra algumas empresas de tecnologia, dá sinais de que o único caminho é a regulamentação. Só que ninguém sabe muito bem como fazer isso. As empresas são globais e estariam submetidas a padrões éticos, morais e legais locais. Hoje eles seguem as próprias regras e é o mais próximo de global que temos.
“Não vamos fugir de uma regulação estatal. Agora, a Auto regulação até pode funcionar, mas enfrentaria alguns pontos de difíceis soluções”, lembra Marcelo. Por exemplo: como ter diversidade no conselho quando há apenas 3 ou 4 empresas dominantes e 1 delas é dona de outras? Como definir quais empresas fazem parte do setor, sendo que algumas delas atuam em outros mercados também? A verdade é que o mundo inteiro está perdido e ninguém sabe ao certo como agir.
Paradoxo da tolerância
Voltando ao tema da censura, o jornalista e escritor Pedro Doria afirma que talvez estejamos à frente de um conceito cunhado pelo filósofo austríaco Karl Popper, o paradoxo da tolerância, em que a sociedade aberta não pode ser tolerante a ponto de permitir que os inimigos da sociedade aberta usem seus instrumentos para destruir a sociedade aberta. Ou seja, deve necessariamente haver um limite, em democracia, para a livre expressão.
Para o jornalista, o que Donald Trump — e Jair Bolsonaro, e Matteo Salvini, e Orbán, Erdogan etc. — representam é exatamente isso: movimentos políticos que atacam os regimes democráticos por dentro.
“Eles fazem isso desde o instante que chegam ao poder. Trump é o exemplo de almanaque. Terminou seu mandato questionando uma eleição. Seus questionamentos foram recusados legalmente pelos juízes que ele próprio indicou. Insatisfeito, incitou uma turba a invadir o Congresso”, comentou em vídeo do Meio. “Agora: se estes demagogos, populistas e autoritários de extrema-direita não são exatamente o exemplo perfeito do Paradoxo de Popper, ninguém mais é.”
E aí, depois disso tudo, ainda tem a mesma opinião?
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