Há duas semanas participei de um evento interessante. Foi realizado em um conjunto de salas cedido por uma instituição beneficente onde ocorriam outras atividades, inclusive um pequeno bazar de venda de artesanato. Notando que eu me encaminhava para o evento, uma das senhoras que fazia parte do bazar me perguntou, muito educadamente, do que se tratava. Eu pensei um pouco antes de responder. Como explicar para quem “não é do ramo” o que viria a ser aquilo? MSX (Foto: TechTudo/B. Piropo) Achei que deveria deixá-la decidir. E retruquei: “Bem, na verdade a senhora pode escolher entre duas hipóteses. Uma delas é que se trata de um evento que reúne um bando de doidos que se juntam em torno de alguns velhos computadores de um modelo que já não se fabrica há mais de vinte anos e discutem detalhes daquelas máquinas que uma pessoa normal consideraria sucata. Outra, é que se trata de uma prodigiosa reunião de um grupo de amigos cuja amizade perdura por mais de vinte anos e que usam aqueles velhos computadores e suas agradáveis lembranças de um tempo bom que não volta mais como desculpa para manterem contato com alguma frequência e cultivarem essa admirável amizade se reunindo regularmente para trocar ideias sobre as velhas máquinas e a vida que segue.” Não sei qual delas a simpática senhora escolheu, já que ambas são admissíveis. Mas no que me diz respeito, fico – e já há muito tempo – com a segunda hipótese. A reunião ganhou o pomposo nome de MSX Rio 2014 e foi organizada pelos bravos Alessander Goulart, Giovanni Nunes e Renato Jurczyk Pinheiro, do grupo MSX Rio. E o computador, foco da reunião, é o velho MSX. Conhece? Já ouviu falar? Dificilmente. Foi fruto de uma excelente ideia que germinou na hora errada e por isso mesmo durou pouco. Mesmo neste universo da tecnologia onde tudo é efêmero e ninguém mais se espanta com coisas que nascem dando a impressão de que não mais se poderia viver sem elas e subitamente desaparecem sem deixar rastros (lembram das agendas de bolso, “ pagers ” e fitas de vídeo?), a história do MSX pode ser considerada demasiadamente curta e sua morte, precoce. Talvez por isso mesmo valha a pena ser relembrada. No final dos anos setenta do século passado os computadores pessoais eram todos “máquinas de oito bits” equipados com processadores de pequeno poder de processamento (para os padrões de hoje, quase desprezível). O Apple II usava o WDC 6502, o Sinclair vinha com o Zilog Z-80, o Commodore era equipado com o Motorola 8502 e assim por diante. E, pior, cada um trazia seu sistema operacional e software proprietários. Quem precisasse de um programa para fazer alguma coisa de seu interesse que não fosse feita pelos poucos aplicativos fornecidos com a máquina, havia que desenvolvê-lo sozinho. Veja todas as colunas do B. Piropo Era aí que entrava a Microsoft, então uma pequena empresa de Seattle cuja atividade principal – na verdade, única – consistia em desenvolver e adaptar para rodar em cada um dos modelos de computadores pessoais disponíveis no mercado uma linguagem de programação simples e muito popular na época, o BASIC (que, diferentemente do que presume a maioria das pessoas, é um acrônimo: “ Beginner’s All-purpose Symbolic Instruction Code ”), a que recorriam os usuários para desenvolver os próprios programas. O problema é que a adaptação não era simples. Na verdade havia quase que desenvolver um BASIC para cada computador, já que os processadores eram diferentes. Em 1981 a IBM decidiu lançar seu próprio computador pessoal, uma máquina a ser equipada com o Intel 8088, um microprocessador “de dezesseis bits”. O computador pessoal da IBM foi oficialmente batizado de – adivinhe? – “Computador Pessoal da IBM” (IBM Personal Computer , ou IBM PC). Que precisaria de um BASIC e de um sistema operacional, naturalmente. E, mais naturalmente ainda, a IBM solicitou à MS que desenvolvesse o BASIC e à Digital Research, empresa responsável pelo CP/M, sistema operacional usado pela maioria dos micros de oito bits então existentes, que desenvolvesse um sistema operacional para o PC. Porque a Digital Research não o desenvolveu é uma história interessantíssima, mas eu já a contei pelo menos vinte vezes e não estou disposto a fazê-lo novamente. Mas quem nela estiver interessado pode fazer uma busca na seção Pesquisar do Sítio do Piropo , meu sítio pessoal, que apesar de não ser atualizado há mais de um ano por razões que não cabe comentar aqui, contém um enorme acervo de mais de vinte anos de textos e colunas escritos por este vosso amigo e onde certamente serão encontrados diversos relatos das não menos diversas versões do ocorrido (e muito mais). Mas o fato é que quem acabou desenvolvendo tanto o BASIC quanto o sistema operacional DOS para o IBM PC foi a MS (que na verdade, do SO não desenvolveu muita coisa: comprou um pronto da Seattle Computers denominado QDOS e o adaptou para o IBM PC – historinha saborosa cujos detalhes vocês também encontrarão no Sítio do Piropo). Pois bem: o novo computador da IBM vendeu feito bolinho quente. E tanto sucesso fez que deu origem a dezenas de “clones”. Que nada mais eram do que cópias desavergonhadas do próprio IBM PC que, por usarem o mesmo processador, a mesma arquitetura (copiada do original componente a componente) e um BIOS rigorosamente compatível (criado via engenharia reversa), podiam rodar o mesmo sistema operacional e o mesmo BASIC do IBM PC (a razão pela qual a IBM não patenteou sua arquitetura e não levou à barra dos tribunais as dezenas de empresas que copiaram sua máquina é outra história ainda mais interessante que a do desenvolvimento do DOS, mas esta eu já devo ter contado mais de cem vezes, portanto vocês também a encontrarão em todas as possíveis versões lá no Sítio do Piropo). Resultado: para alegria, gáudio e fortuna (em ambas as acepções do termo) da MS, todos os clones passaram a usar seu BASIC e seu sistema operacional, o MS-DOS. O que fez o IBM PC tornar-se uma plataforma, ou seja, definiu um conjunto de máquinas que usam o mesmo processador, a mesma arquitetura e rodam o mesmo sistema operacional ainda que produzidas por diferentes fabricantes. O que, para a MS, foi um paraíso. Não seria uma maravilha se o mundo das máquinas de oito bits também fosse assim? Pena que não era. Mas o dono da MS era um jovem vorazmente ambicioso e criativo chamado Bill Gates, destes que acham que podem mudar o mundo (e, na verdade, acabou mudando mesmo). E se o mundo das máquinas de oito bits não era do jeito que lhe agradava, ele iria tentar fazer com que fosse. E abraçou a ideia de um de seus vice-presidentes, o japonês Kazuhiko Nishi . E foi assim que nasceu a plataforma MSX. MSX (Foto: TechTudo/B. Piropo) MSX é uma alusão a “ MicroSoft eXtended ”, porque seu BASIC era uma extensão do MS BASIC (mas há controvérsias). O termo designava mais que um tipo de computador. Era todo um conceito de plataforma. Explico. No caso do IBM PC, foi lançado um computador com uma arquitetura aberta (não patenteada pela IBM), um sistema operacional encomendado de terceiros (o MS DOS da Microsoft) e apenas o BIOS patenteado pela IBM. Ou seja, o computador nasceu primeiro, a plataforma veio depois. A ideia da MS para o MSX era fazer justamente o contrário na arena dos oito bits. E assim foi feito. A empresa concebeu uma arquitetura básica – e bastante flexível – para uma máquina de oito bits concebida em torno do processador Z-80 da Zilog, criou um BIOS elementar e desenvolveu um sistema operacional para ela. E, em vez de patentear tudo isto, ofereceu gratuitamente a quem estivesse disposto a fabricar um computador que aderisse a estas especificações sob determinadas condições. Condições que, essencialmente, consistiam em não alterar a arquitetura original ou o BIOS, mantendo sempre a compatibilidade com o sistema operacional e o BASIC que a MS havia desenvolvido para a plataforma. Ou seja: se uma determinada indústria quisesse fabricar um modelo de MSX, receberia gratuitamente da MS o projeto básico da máquina, o BIOS e o sistema operacional e, caso pretendesse diferenciar seu computador daqueles fabricados pela concorrência, poderia agregar uma coisa ou outra, desde que mantivesse a máquina compatível com o sistema operacional e o BASIC da MS. Para o fabricante, isso era uma imensa vantagem, já que não somente ele seria poupado das despesas de desenvolvimento como também, o que talvez fosse ainda mais importante, receberia um projeto já testado e depurado, com garantia que iria funcionar nos conformes. Para os usuários isso também era uma vantagem, já que caso o fabricante de seu modelo de MSX desistisse de mantê-lo no mercado ou falisse, ele poderia continuar usando a máquina pois todo programa que rodasse em um modelo de MSX (pelo menos em teoria) rodaria nos demais. Mas a maior vantagem, evidentemente, era da MS, que caso a ideia “vingasse” e o padrão se espalhasse pelo mundo, teria um mercado imenso para seu BASIC, seu sistema operacional e os programas que desenvolvesse para a plataforma, que rodariam em todos os modelos de todos os fabricantes sem quaisquer alterações. E olhe que, no princípio, até que a coisa foi adiante. Principalmente no Japão, terra do adrede citado Kazuhiko Nishi, o verdadeiro idealizador do MSX e vice-presidente da Microsoft responsável pelas operações no Extremo Orientem. O Japão dos anos oitenta (o padrão MSX foi oficialmente lançado pela MS em 1983) vivia uma efervescência econômica que o estava transformando em um dos maiores gigantes industriais do planeta. Um solo fértil para novas ideias. E lá a Sony, Mitsubishi, Canon, Sharp, Casio, Yamaha, JVC, National, Toshiba, Hitachi, Fujitsu, Pioneer, Sanyo e outras lançaram seus modelos de MSX. Na Europa, na mesma época, os jogos de computadores se tornaram imensamente populares. E a plataforma MSX parecia desenvolvida para eles. E foram lançados modelos de MSX na Holanda (Phillips) e Espanha, que se espalharam pela França, Inglaterra e alguns vizinhos. Também foram lançados modelos MSX na Coreia do Sul (GoldStar, Samsung e Daewoo), no Kuwait (Sakhr, da Al Alamiah), além da União Soviética e Cuba (onde modelos da Toshiba e Panasonic foram amplamente utilizados nas escolas). Na América do Sul, além do Brasil, o MSX foi fabricado na Argentina: o Talent, da Daewoo, foi o mais popular, mas houve ainda um modelo da Toshiba e outro da Spectravideo americana, além de alguns importados da brasileira Gradiente. Já nos EUA, apenas a Spectravideo fabricou um modelo MSX. E no Brasil? saiba mais Windows 10: a triste ressurreição do Menu Iniciar Por que Windows 10? Usando Windows 10 Teste o Windows 10 sem afetar seu sistema: instale em um disco virtual Bem, aqui o micrinho foi um sucesso. Os gloriosos Expert, da Gradiente, e HotBit da Sharp foram tão populares e firmaram raízes tão fundas que trinta anos depois ainda perduram nas mentes e corações dos seus usuários – inclusive este que vos escreve (sim, eu tive um Expert da Gradiente que, conectado a um monitor de fósforo verde e uma impressora matricial, cheguei a usar profissionalmente como engenheiro, desenvolvendo alguns projetos com seu editor de textos MSXWord e à sua planilha eletrônica cujo nome não recordo mas tenho certeza que um dos velhos usuários há de lembrar e citar nos comentários aí embaixo). Seria uma injustiça afirmar que o MSX não evoluiu. Alguns fabricantes no exterior lançaram os modelos MSX 2, MSX 2+ e MSX Turbo. Mas por aqui estagnamos no bom e velho MSX 1. É verdade que no final dos anos 1980 apareceram alguns periféricos desenvolvidos ou adaptados para ele, como acionadores de disquetes (o MSX 1 usava fita cassete como dispositivo de armazenamento externo), mauses e expansões de memória. E até hoje abnegados usuários, como o arqui-competente Alexandre Souza, também conhecido nas rodas micreiras como Tabajara, ainda fabrica “coisas” para a plataforma. Veja-o na Figura 3, rodeado de algumas delas na reunião do MSX Rio 2014. Figura 3 (Foto: TechTudo/B. Piropo) Mas o fato é que, a rigor, o MSX durou pouco. No Brasil, efêmeros quatro ou cinco anos, se tanto. No mundo, uma década exata: o último modelo, o MSX Turbo-R fabricado pela Panasonic, saiu do mercado no final de 1993. Por que o fruto de uma excelente ideia, vantajosa para todos os parceiros, durou tão pouco? A principal razão que se costuma alegar foi o fato do MSX não ter “vingado” nos EUA e, em informática, o que não “vinga” nos EUA está fadado ao fracasso. O que talvez seja verdade (o único modelo americano de que tenho conhecimento, o MSX da Spectravision, não chegou propriamente a ser um sucesso de vendas). Mas a meu ver a causa principal foi a competição desigual com as máquinas de dezesseis bits. Pois, para quem precisava de um computador e não de um videogame, a imensa disseminação e consequente queda de preços dos clones do IBM PC exerceu uma irresistível atração. Ao menos no que me diz respeito, já que esta foi a razão que me levou a abandonar meu pobre Gradiente. E talvez valha a pena contar como tomei esta decisão. Ocorre que em 1988 visitei o Japão em viagem de trabalho. E consegui dar uma escapada até Akihabara, um bairro inteiro dedicado ao comércio de eletrônicos. Meu objetivo era comprar tudo o que encontrasse de acessórios para incrementar meu Gradiente. Fui levado até lá por um colega de trabalho que se dispôs a ajudar, um jovem japonês que se expressava em um inglês sofrível, e partimos para uma imensa loja de eletrônicos com diferentes andares dedicados a distintos dispositivos. Fomos diretamente ao andar dos computadores e, para meu espanto, na pátria do MSX, vendedor algum sequer sabia do que se tratava. Meu tradutor também não era lá essas coisas, de modo que eu não podia garantir se a dificuldade se devia à imprecisão de minhas solicitações ou se ao fato de não serem corretamente transmitidas. Até que, afinal, encontramos um atendente que falava algum inglês e eu pude me entender diretamente com ele. Que, sim, fazia ideia do que era um MSX. E informou: “- O senhor está no andar errado. Vai encontrar seu MSX dois andares abaixo, no dedicado a jogos eletrônicos”. E, de fato, assim foi. Nada comprei. Desisti, voltei ao Brasil e no mês seguinte pilotava meu primeiro PC. B. Piropo
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