Na Activision, passar pano para tortura garante emprego

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Nesta terça-feira (2), a Activision anunciou ter contratado Frances F. Townsend, ex-consultora do Departamento de Segurança Nacional do governo dos Estados Unidos, durante o segundo mandato do então presidente George W. Bush (2005-2008), como sua nova vice-presidente executiva para Assuntos Corporativos e chefe de Compliance da corporação.

Se você não ligou o nome a pessoa, Townsend foi coordenadora da desastrosa campanha de “Guerra ao Terror” promovida pela administração Bush, e defendia o uso de “técnicas aprimoradas de interrogatório” para extração de informações, um nome mais suave para tortura.

Call of Duty: Modern Warfare (Crédito: Reprodução/Infinity Ward/Activision)

Call of Duty: Modern Warfare (Crédito: Reprodução/Infinity Ward/Activision)

Segundo a nota oficial da Activision Blizzard e a entrevista ao The Wall Street Journal, o trabalho da divisão gerida por Townsend se focará em duas frentes, proteger a integridade e segurança da base de dados dos jogadores, enquanto monitora, analisa e verifica questões legais, legislações e regulamentações em todos os países em que a corporação distribui seus jogos, acerca de práticas de monetização implementadas, de loot boxes a microtransações, DLCs e mecânicas de gacha.

A equipe de Townsend será responsável por analisar o mercado e prevenir desenvolvedores sobre mecânicas de monetização que podem trazer problemas legais à Activision neste ou naquele país, ou temas que possam receber classificações etárias mais altas e acabarem tendo suas vendas prejudicadas. Atualmente, o caso das loot boxes vem sendo discutico em diversos tribunais, inclusive no Brasil, sobre ser ou não uma mecânica de jogos de azar.

Ao mesmo tempo, Townsend será responsável por gerenciar e regulamentar todos os assuntos referentes ao compliance da Activision Blizzard, o conjunto de regras, condutas e práticas que coíbem comportamentos antiéticos dentro e fora da empresa, o que inclui desde espionagem industrial e compartilhamento de informações sensíveis com quem quer que seja, à conduta pública e associação da imagem do colaborador ao ambiente corporativo e à imagem pública da companhia para a qual trabalha, o que é levado muito a sério.

O currículo de Frances F. Townsend é extenso. Ela atuou como promotora no distrito sul de Nova Iorque antes de se deslocar para o Departamento de Justiça, durante a administração do presidente Bill Clinton. No segundo mandato de Bush, foi promovida a coordenadora da campanha de Guerra ao Terror, lançada como resposta aos ataques de 11 de setembro de 2001, contra organizações terroristas como Al-Qaeda e Talibã (e o Iraque de Saddam Hussein por tabela), e foi a principal conselheira do então presidente dos Estados Unidos nas questões referentes ao contraterrorismo, quando assumiu a posição em 2005.

A partir daqui, as coisas começam a ficar feias.

Frances F. Townsend em foto de 2016 (Crédito: Drew Angerer/Getty Images)

Frances F. Townsend em foto de 2016 (Crédito: Drew Angerer/Getty Images)

Townsend foi um dos principais nomes que incentivou o aumento das operações e do risco de ataques terroristas em 2004, baseando-se em informações que já estavam defasadas a pelo menos três anos, a fim de manter o FUD e garantir a reeleição de Bush.

Em entrevista, o então secretário do Departamento de Segurança Interna Tom Ridge disse que ele foi pressionado politicamente a aumentar o nível de alerta, um ato que ele atribui como tendo partido de conselhos de Townsend, que nega.

Porém as denúncias mais graves vieram do Ten. Col. do Exército Steven Jordan, que atuou como chefe de inteligência de Abu Ghraib, complexo prisional situado na cidade iraquiana de mesmo nome, que ficou sob administração norte-americana após a deposição do governo de Hussein. De acordo com ele, “uma adjunta da (então Secretária de Estado Condoleezza) Rice”, no caso a própria Townsend, visitou as instalações e depois disso, foi pressionado a intensificar as práticas de extração de informações dos prisioneiros.

Vale lembrar que Abu Graib acumulou dezenas de denúncias de tortura, de afogamento simulado a eletrocução, humilhações diversas e etc, nos anos em que os americanos mantiveram prisioneiros na base, ironicamente rebatizado como “Camp Liberation” na época.

Nos anos seguintes, Townsend defendeu o uso de tortura durante a campanha, que foi um pesadelo de relações públicas após os casos se tornarem públicos. Em 2009, em entrevista concedida à CNN, a ex-conselheira disse o seguinte:

É perfeitamente legítimo que os atuais procurador-geral e presidente decidam que não vão usar esta técnica (tortura). Mas, ao revelá-las, você (a imprensa) algemou as futuras administrações. A propósito, o presidente nomeou um grupo para avaliar a eficácia e o uso dessas técnicas. (…) No “Wall Street Journal” desta manhã, há um artigo do diretor (da CIA Michael) Hayden e do ex-procurador-geral (Michael) Mukasey, que explicam como o uso dessas técnicas levou à captura final de Khalid Sheikh Mohammed (considerado o mentor dos ataques de 11/09, atualmente preso em Guantánamo, que também confessou sob tortura). Portanto, deve-se argumentar que, em circunstâncias limitadas, essas técnicas podem ser eficazes na prevenção de ataques terroristas.

Quando o jornalista John Robert questionou Townsend sobre se ela estava ciente do uso das técnicas de tortura, que incluíam desde arremessar o preso contra uma parede a confinamento solitário, privação de sono e uso de insetos, além do já mencionado afogamento simulado, ela jogou a culpa na CIA:

Eu não participei das discussões jurídica e política. E a lista enumerada de técnicas era provavelmente um dos segredos mais bem guardados do governo, mesmo internamente. Eu sabia da existência do programa e posteriormente vim a conhecer não apenas as técnicas, mas também que havia uma equipe médica envolvida, e que tais técnicas só poderiam ser aprovadas pelo Diretor da CIA (na época, o general Michael Hayden).

Townsend passou a última década reconstruindo sua imagem pública, se posicionando como uma especialista em segurança nacional neutra, além de ter sido uma crítica ferrenha da administração Trump.

Murais em Badgá reproduzindo fotos com cenas de tortura contra prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib (Crédito: Behrouz Mehri/AFP/Getty Images)

Murais em Badgá reproduzindo fotos com cenas de tortura contra prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib (Crédito: Behrouz Mehri/AFP/Getty Images)

Ainda que Townsend possa desempenhar um bom trabalho como profissional, sua contratação pela Activision vai na contramão do que se espera por empresas que buscam se distanciar de comportamentos e atitudes nocivas quanto a seus funcionários e colaboradores, ao colocar como supervisora de compliance alguém que endossou e justificou uso de táticas coercitivas ao extremo, ainda que o contexto fosse diferente, mas nem por isso justificável.

O CEO da Activision Bobby Kotick, por si só uma figura controversa, que lucrou mais de US$ 100 milhões de bônus nos últimos anos, enquanto diversos funcionários da Blizzard foram para a rua (sem mencionar que seu nome apareceu na lista de associados a Jeffrey Epstein), disse que Townsend foi “uma servidora pública muito estimada e conceituada”, ao que foi respondido pela nova executiva, se referindo ao chefe como “um líder transformador”.

O fato é que Townsend na Activision não deixa de ser uma mensagem ao público, sobre como a gigante dos games gere seus negócios e vê sua imagem em detrimento das mudanças no mercado, que busca ser mais justo com desenvolvedores e mais aberto a novas narrativas, se permitindo ser mais inclusivas ao público. Mesmo empresas tão complicadas quanto, como EA e Ubisoft, estão minimamente tentando melhorar sua imagem pública, como no caso da lei que pretende exigir que empresas norte-americanas sejam obrigadas a entrevistar (não contratar) pelo menos um candidato a vaga que seja representante de minorias.

Enquanto EA e Ubisoft concordam com a proposta, a Activision se recusa a cumpri-la, citando ser “algo muito difícil” de implementar. E estamos falando apenas de uma entrevista, já que companhias não podem ser forçadas a contratar candidatos com base em quaisquer que sejam as características.

No fim, enquanto algumas empresas se preocupam com as repercussões de seus atos em seu público (e consequentemente, em seus negócios), a Activision não dá a mínima bola para nada disso, jogando com a carta de que seu pública irá aceitar tudo o que ela fizer e lançar no mercado, independente do que seja.

Incluindo contratar alguém que considera tortura um ato justificável.

Fonte: Activision, The Wall Street Journal

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