O estranho legado de Yoko Taro, de Drakengard a NieR: Automata

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Poucos desenvolvedores de games da atualidade dividem tanto a opinião do público quanto Yoko Taro. Alguns o veem como uma das forças mais criativas dos últimos anos, ao usar temas e soluções de design que fogem do lugar comum, mesmo no mercado japonês, normalmente mais heterogêneo que o ocidental.

Outros classificam o criador das franquias Drakengard e NieR como um homem frustrado, obcecado com temas como morte e tragédia, ou mesmo um pervertido, por sua predileção em criar personagens femininas com visuais de forte apelo sexual.

Taro é o primeiro a admitir ser uma figura depressiva e não esconde seu apreço por mulheres sensuais, mas de personalidades fortes, o que revela sua sinceridade de falar exatamente o que pensa, em qualquer situação.

Em aparições públicas, Yoko Taro esconde o rosto sob a máscara de Emil, um dos protagonistas de NieR Replicant (Crédito: Divulgação/Archipel)

Em aparições públicas, Yoko Taro esconde o rosto sob a máscara de Emil, um dos protagonistas de NieR Replicant (Crédito: Divulgação/Archipel)

Yoko Taro, antes de mais nada, reconhece que alguns de seus mais recorrentes temas em jogos, como uma predileção por histórias tristes e trágicas, em que finais felizes são uma absurda raridade, quando não completamente inexistentes, são reflexos de como o desenvolvedor vê o mundo, mas também um efeito colateral de suas capacidades limitadas como roteirista, como ele recentemente admitiu.

Normalmente avesso a entrevistas e nunca mostrando o rosto (ele diz que seus jogos são mais importantes), Yoko Taro se mostra como um profissional extremamente humilde, ao ponto de se autodepreciar de forma constante. Embora não demonstre atitudes antipáticas para com o público ou entrevistadores, como Hideki Kamiya (que se refere ao desenvolvedor como “o salvador da PlatinumGames”, graças ao  sucesso de NieR: Automata e a parceria com a Square Enix), seu humor costuma flutuar entre o extremamente animado e a completa introspecção, um comportamento quase bipolar.

Do Bullet Hell à tragédia humana

Parte de sua visão de mundo vem de elementos ocorridos em sua vida. Nascido em 1970 em Nagoya, Yoko Taro foi criado por sua avó, visto que seus pais trabalhavam em tempo integral. Quando jovem, o desenvolvedor relata uma experiência onde um amigo de um conhecido despencou de um prédio e morreu, episódio que deixou uma forte impressão sobre a vida e a morte, que ele usaria depois como elemento narrativo.

Se a narrativa é incomum, a mecânica dos jogos de Yoko Taro é mais ainda. Para um desenvolvedor de jogos de mundo aberto e elementos de RPG, como são seus títulos, é estranho num primeiro momento que o jogo que mais o influenciou tenha sido a versão original do shoot ’em up Gradius. A visão de cenários que mudam constantemente, indo de encontro aos estáticos como da maioria dos concorrentes, chamou muito sua atenção e o incentivaram a entrar na indústria dos games.

Além do visual, a mecânica dos shoot ’em ups, em especial do subgênero Bullet Hell (Ikaruga, DoDonPachi) foi implementada de maneira surpreendentemente orgânica em jogos onde o foco são combates corpo a corpo com inimigos geralmente enormes, que levam ao jogador a desenvolver estratégias incomuns para vencer os desafios.

Em Nier: Automata, Yoko Taro chegou ao cúmulo de incluir minigames de hacking, nada mais do que “jogos de navinha” disfarçados, que incrivelmente não parecem deslocados de todo o resto.

NieR Replicant (acima) e NieR: Automata usam elementos de Bullet Hell na jogabilidade (Crédito: Divulgação/Toylogic/Square Enix)

NieR Replicant (acima) e NieR: Automata usam elementos de Bullet Hell na jogabilidade (Crédito: Divulgação/Toylogic/Square Enix)

Além do Bullet Hell, os jogos de Yoko Taro costumam revezar entre a orientação de mundo 3D, como em títulos de mundo aberto, e a de jogos de plataforma, com visão distante e movimentação em 2,5D. todas elas costumam ser frequentemente usadas juntas durante confrontos contra chefes, de uma maneira que a maioria dos designers de cenário e batalhas não costumam, ou não conseguem, implementar de forma coesa. Mas aqui, tudo funciona.

No entanto, um dos temas que vem à mente dos jogadores quando o o nome Yoko Taro é mencionado, são seus temas trágicos recorrentes. A maioria dos jogadores que o conheceu em NieR: Automata, que acompanharam o conto de certa forma triste e sem esperança de 2B, A2, 9S e outros, ficariam surpresos ao descobrir que este é  o jogo mais “para cima” dele.

Depois de se formar na Universidade de Design de Kobe, Taro conseguiu emprego na Namco, onde trabalhou como designer de cenário em Time Crisis II, e posteriormente na Sony, mas inicialmente ele não pretendia ir a fundo em desenvolvimento de jogos.

Suas experiências em ambas empresas, aliadas à sua visão de que o 3D iria dominar o  mercado de games, fato que o levou a estudar design em primeiro lugar, ele acabou entrando em 2001 para uma recém-fundada desenvolvedora chamada Cavia, e se envolveu em um novo jogo, desenvolvido para concorrer com outros JRPGs de grandes produtoras. O título era Drakengard.

Taro inicialmente ficaria responsável pelo design, mas acabou ficando com o cargo de diretor e co-roteirista, quando outros não puderam assumir a empreitada. No princípio, as batalhas aéreas com dragões deveriam se aproximar mais de títulos como a série Ace Combat (!), mas Taro preferiu usar elementos de jogos que ele admirava, como ICO e a série Panzer Dragoon.

A narrativa, por sua vez, é uma das mais trágicas e perturbadoras vistas na época de seu lançamento em 2003 (2004 no ocidente). Ambientado em um mundo medieval fantástico, Drakengard trazia como tema principal o pacto entre humanos e seres mágicos, como dragões e elementais, em que o primeiro sempre deveria sacrificar algo em troca de poder, como a voz, a visão, a capacidade de envelhecer, a fertilidade e por aí vai.

A guerra entre o Império e a União é usada como pano de fundo para delinear as histórias pessoais e motivações dos protagonistas e NPCs, com o jogo sendo bem explícito sobre o horror do conflito e seus efeitos, abordando temas pesados como canibalismo, pedofilia e incesto, mesmo trabalhando com eles apenas nas entrelinhas.

Drakengard vale hoje mais como curiosidade, pois sua mecânica envelheceu mal (Crédito: Reprodução/Cavia/Square Enix)

Drakengard vale hoje mais como curiosidade, pois sua mecânica envelheceu mal (Crédito: Reprodução/Cavia/Square Enix)

Já em Drakengard, Yoko Taro implementou não só sua costumeira visão trágica do mundo e elementos de mecânica diversos, mas também os múltiplos finais possíveis, incluindo um que foi criado como uma piada, originalmente sugerida pelo diretor como uma batalha contra uma versão gigante da cantora pop Ayumi Hamasaki, que foi prontamente rejeitada pela equipe.

Após devidamente ajustado, o quinto e bizarro final acabaria sendo usado depois, principalmente depois dos rumos tomados em  Drakengard 2, cujo desenvolvimento ele não se envolveu profundamente. Quanto a Square Enix ofereceu a possibilidade de distribuir um  novo jogo, Yoko Taro transformou a “piada” em um final canônico para uma nova série spin-off.

No entanto, a gestação de NieR não foi nada simples.

De Replicant a Automata (e Drakengard 3)

O desenvolvimento original de NieR pela Cavia possui uma série de particularidades, uma delas sendo o protagonista homônimo. Enquanto que ele foi criado como um jovem no estilo nipônico, seguindo a estética dos animes e mangás, orientações da Microsoft para o lançamento no ocidente, onde ele seria a princípio um exclusivo do Xbox 360 (mas saiu também para o PS3) levaram a trocá-lo por um personagem mais velho, com um visual mais próximo do Conan.

A história também foi readequada, com o velho Nier não sendo mais irmão de Yonah, e passando a ser seu pai. Essas e outras alterações fizeram o lançamento do jogo ser bifurcado, passando a versão original, como concebida por Yoko Taro, ser exclusiva do Japão e conhecida como NieR Replicant. A ocidental passou a ser referenciada como NieR Gestalt, embora ambas se chamem oficialmente apenas NieR.

Em entrevistas frequentes, Yoko Taro diz que o tema trágico do título, que retornou remasterizado para PS4, Xbox One e Windows como NieR Replicant ver.1.22474487139…, da maneira que fora originalmente desenvolvido (sem o Nier “pai”) e com a inclusão de conteúdos cortados da versão original, além de um novo final protagonizado por Kainé, foi fortemente influenciado pelos ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001.

O Nier "pai" de NieR Gestalt foi criado para se alinhar ao gosto dos jogadores ocidentais (Crédito: Divulgação/Cavia/Square Enix)

O Nier “pai” de NieR Gestalt foi criado para se alinhar ao gosto dos jogadores ocidentais (Crédito: Divulgação/Cavia/Square Enix)

A história, que se passa mais de 1.400 anos após os acontecimentos do 5º final de Drakengard, mostra um mundo medieval construído sobre as ruínas do antigo, com o protagonistas Nier, Kainé e Emil em busca de uma cura para uma doença misteriosa que aflige a frágil Yonah, e respostas para o que realmente aconteceu no passado e a origem dos humanos e shades, as misteriosas criaturas sombrias.

Além de Nier, as histórias trágicas de Emil (em quem a máscara que o desenvolvedor usa em público é inspirada) e Kainé, além de outros personagens, revolvem o tema de falta de esperança que Yoko Taro costuma revisitar, mas com muito menos intensidade do que o visto em Drakengard, e muitas vezes usa de passagens mais leves e bem humoradas.

Dentre estes, o desenvolvimento de Kainé é um que merece certo destaque. Apesar de vestida em um baby doll de criança (há um motivo para isso), a personagem é extremamente forte e incrivelmente boca suja, elementos que contrastam com seu visual delicado.

Inicialmente, o time da Cavia queria uma voz mais suave para Kainé, mas Yoko Taro bateu o pé e exigiu que ela fosse dublada no Japão por Atsuko Tanaka, a voz de Motoko Kusanagi (Ghost in the Shell) desde sempre. No ocidente, a voz escolhida foi a de Laura Bailey, que ganhou um BAFTA por sua interpretação de Abby Anderson em The Last Us Part II.

Depois do fim da Cavia, Yoko Taro trabalhou como independente por um tempo, até que conseguiu reunir boa parte dos desenvolvedores originais de Drakengard, a fim de desenvolver uma sequência real. O resultado foi a prequel Drakengard 3, lançada em 2013 (2014 no ocidente) apenas para o PS3, que traz uma protagonista determinada a não ser usada como uma ferramenta para destruir o mundo.

A missão de Zero, que ela não pode realizar sozinha, é eliminar todas as suas “irmãs” e se matar, mantendo a temática mais trágica da série principal. Drakengard 3 foi bastante elogiado por sua narrativa, mas a personalidade da personagem principal, que desempenha os papéis de anti-heroína e vilã principal ao mesmo tempo, dependendo do ponto de vista, divide opiniões até hoje.

Zero, de Drakengard 3, não é uma protagonista habitual (Crédito: Divulgação/Access Games/Square Enix)

Zero, de Drakengard 3, não é uma protagonista habitual (Crédito: Divulgação/Access Games/Square Enix)

Yoko Taro viria refinar suas capacidades de narrativa e desenvolvimento em NieR: Automata, uma continuação de Replicant que se  passa milhares de anos no  futuro, em um mundo povoado por máquinas alienígenas em conflito com androides, estes desenvolvidos por humanos, que foram expulsos da Terra.

A jogabilidade de NieR Replicant foi revista e melhorada para atender um público menos de nicho e mais geral, como um game AAA de grande orçamento, numa aposta arriscada da PlatinumGames, que não emplacava nada muito grande a tempos, e estava presa a acordos com a Nintendo por conta das continuações de Bayonetta, financiadas pela casa do Mario.

A jornada de 2B, A2 e 9S foi extremamente bem recebida por público e crítica, embora volte a trabalhar com temas sombrios e tristes, embora em menor  intensidade, e conte com uma mecânica de jogo fluida e agradável.

O visual da protagonista 2B, embora tenha despertado reações furiosas de alguns (em especial o foco dado à sua bunda, e isso não é uma piada), foi defendido por Taro simplesmente por ele “gostar de mulheres bonitas” e de incluí-las em seus jogos. De novo, sincero.

Ainda assim o jogo quase foi cancelado, por conta da incapacidade de Yoko Taro de acordar cedo, o que prejudicou bastante o desenvolvimento inicial de NieR: Automata. Passados os problemas, o jogo foi o de maior sucesso comercial da PlatinumGames, e renovou o interesse do público nos títulos anteriores do desenvolvedor, com muitos querendo entender seu processo criativo.

NieR: Automata foi um dos títulos de maior sucesso dos últimos anos (Crédito: Divulgação/PlatinumGames/Square Enix)

NieR: Automata foi um dos títulos de maior sucesso dos últimos anos (Crédito: Divulgação/PlatinumGames/Square Enix)

Em comum, os games de Yoko Taro têm uma visão mais realista da morte e violência, no que o desenvolvedor ironiza a abordagem de outros títulos, onde a matança é banalizada e tratada de forma trivial, inclusive para a conquista de troféus/achievements.

Para ele, seria impossível uma pessoa matar um ser vivo, ou centenas deles, sem que isso se reflita em consequências severas em sua psique. Taro parte do princípio que seus protagonistas não são sociopatas, e os que optam por esse caminho invariavelmente têm finais trágicos. Mesmo os mais bem intencionados, sob sua ótica, não conseguem atingir seus objetivos e ter um final feliz, e sempre há consequências ou sacrifícios a serem realizados.

Yoko Taro provoca o jogador a simpatizar com seus personagens, suas dúvidas e tormentos absolutamente humanos, com a irônica percepção que nenhum deles é verdadeiramente humano per se, mas o que define humanidade? Seu nascimento ou seus sentimentos, sua experiência? O que faz uma máquina consciente ter menos direitos que um humano “vivo”?

Assim como seus personagens, Yoko Taro busca com seus jogos encontrar respostas para questionamentos humanos, e descreve de forma bastante humana os conflitos internos enquanto diante de acontecimentos trágicos, onde na maioria das vezes, a conclusão passa longe de um fechamento idílico.

Tom Clancy uma vez disse que “diferente da vida real, a ficção precisa fazer sentido”. Yoko Taro por sua vez vai na contramão, preferindo contar histórias que embora continuem fantásticas, ressoam mais próximas à realidade, com desfechos absurdos, trágicos e desprovidos de sentido, onde quase ninguém viveu feliz para sempre.

Crédito: Reprodução/TriStar Pictures/Touchstone Pictures/Jon Davidson Productions/Sony Pictures/Buena Vista/Disney)

Crédito: Reprodução/TriStar Pictures/Touchstone Pictures/Jon Davidson Productions/Sony Pictures/Buena Vista/Disney)

O livro The Strange Works of Taro Yoko: From Drakengard to NieR: Automata, do jornalista Nicolas Turcev, esmiuça a carreira do desenvolvedor, suas inspirações e como ele trabalha seus temas recorrentes  em seus jogos.

Capa do livro "The Strange Works of Taro Yoko", de Nicolas Turcev (Crédito: Reprodução/Third Éditions)

Capa do livro “The Strange Works of Taro Yoko”, de Nicolas Turcev (Crédito: Reprodução/Third Éditions)

Você pode adquiri-lo na Amazon nas versões digital e física (capa dura e bem cara), mas infelizmente apenas em inglês. Ainda assim, vale a leitura para quem domina a língua.

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