Os videogames como ópio espiritual e a próxima pandemia

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Quem começou a gostar de videogames lá pelas décadas de 70 ou 80 em algum momento deve ter ouvido algum adulto dizer que aquilo prejudicaria sua visão ou estragaria a TV. Havia também aqueles que, para afastar as crianças dos games, afirmavam categoricamente que elas estavam ficando viciadas, que seus futuros seriam prejudicados e coisas do tipo. Mas se os pequenos de hoje em dia parecem estar livres deste terrorismo psicológico, parte da imprensa ainda teima em comparar os jogos eletrônicos a utilização de drogas.


Crédito: Reprodução/Fredrick Tendong/Unsplash

Este tipo de abordagem voltou a ser utilizada no início de agosto, quando o jornal estatal China Economic Information Daily publicou um artigo onde criticava duramente os videogames, classificando-os como “ópio espiritual” e a “drogas eletrônicas”. O resultado da publicação foi imediato, com as ações da Tencent Holding tendo despencado quase 11% e ajudando assim a fazer com que a queda dos papéis da gigante alcançasse mais de 39% em apenas um mês.

Citando um dos principais títulos da Tencent, o Honour of Kings, o jornal afirmou que alguns estudantes passam mais de oito horas por dia jogando e que por isso é necessário que exista algum tipo de controle. Para eles, “nenhuma indústria, nenhum esporte, pode ser permitido a se desenvolver de uma maneira que destrua uma geração.

Diante de um impacto tão grande, o artigo foi retirado do ar, mas não sem que um enorme prejuízo fosse causado à companhia, que tem participação ou o controle em jogos como Fortnite e League of Legends, com seu valor de mercado sendo avaliado em mais de US$ 500 bilhões. Pois na opinião de investidores, tudo não passou de um movimento do governo chinês para indicar que, assim como outras empresas de tecnologia, a Tencent pode se tornar alvo de um cerco regulatório.

Tal movimento teve início em junho passado, quando os donos do aplicativo de transporte 99, a Didi Chuxing, pediu a oferta pública inicial (na sigla IPO, em inglês) na bolsa de Nova York e assim levantou US$ 4 bilhões. Desde então outras companhias chinesas de tecnologia tem sido obrigadas a lidar com pressão do governo local, como foi o caso da Huya e da DouYu, duas das maiores responsáveis pelo streaming de jogos no país e que em julho viram uma operação de fusão ser vetada. A alegação da Administração Estatal para Regulação do Mercado da China foi de que tal negócio beneficiaria demais a Tencent, que hoje controla mais de um terço de ambas as empresas.

Os videogames causando uma nova pandemia?


Crédito: Reprodução/Kelly Sikkema/Unsplash

Mas enquanto o movimento realizado na China é compreensível (apesar de condenável), torna-se mais difícil fazer o mesmo com o artigo “‘Ópio Espiritual’: pode o vício em games arruinar uma geração?”, de Annabel Heseltine e que foi publicado no jornal The Telegraph. Dando continuidade ao texto chinês, a autora argumenta que as crianças estão acostumadas a passar muito tempo usando smartphones e tablets, o que poderá ser danoso para seus cérebros.

Para Heseltine, “está na hora de acordarmos para a possibilidade ‘opioide’ dos games, antes que o vício dos adolescentes pelas telas se torne outra pandemia global.” Para chegar a este raciocínio ela utilizou uma pesquisa realizada pela organização ChildWise, que apontou que em média as crianças passam seis horas por dia utilizando alguma tela, enquanto outro estudo aumenta este tempo para 10 horas quando se trata de adolescentes.

No entanto, boa parte do artigo se escorou principalmente na opinião e experiência pessoal vivida pela advogada e escritora Abi Silver, que recentemente publicou o livro de ficção The Midas Game. Nele é contada a história de dois advogados que defendem um jovem que ganhou fama no Youtube e é acusado de ter assassinado uma psiquiatra que defendia o fim dos videogames. A sinopse do romance diz o seguinte:

Ele a alvejou por causa da sua visão anti-games e o trabalho que fazia para expor os perigos de jogar games online? […] Só porque ele ganha a vida matando pessoas na tela, não significa que ele faria isso na vida real. Ou significa?

Mãe de três, Silver afirma que sempre fez o possível para manter a tecnologia longe da sua casa, até que em determinado momento, devido à pressão do mais novo, então com 13 anos, ela decidiu dar-lhe um “PlayStation”. Segundo a escritora, a partir daquele momento tudo mudou. O jovem Aron passou a viver trancado em seu quarto, não participando das refeições em família e sempre gritando ou discutindo com os parentes.

A situação só piorava, com o garoto recusando-se a respeitar os limites impostos pelos pais e como ele precisava de um computador para fazer as tarefas da escola, era difícil controlar o que estava fazendo. O artigo diz que o desespero dos pais de Aron só começaria mesmo em 2018, quando ele descobriu o Fortnite. Silver afirmou ter ficado “chocada e indignada por existir algo por aí, não regulamentado e disponível gratuitamente para nossos filhos, que era considerado altamente perigoso, mas que ninguém estava fazendo algo sobre isso.” Segundo ela, “era como se alguém fosse ao quarto do meu filho a noite e lhe injetasse alguma droga viciante.

A ajuda acabou vindo da irmã de Abi, que é professora de psiquiatria na Universidade de Hertfordshire. Por lá a especialista tem realizado uma pesquisa sobre o uso problemático da internet, o que inclui pornografia, bullying, apostas, mídias sociais e jogos. Hoje com 17 anos, Aron teria se livrado do vício, mas o problema foi o que motivou sua mãe a escrever seu mais recente livro.

A publicação feita por Annabel Heseltine segue fazendo acusações aos videogames, ao citar supostos problemas de saúde causados por eles como o distúrbio de sono, má-postura, obesidade e tendinites, mas também apresentando números duvidosos, como um que teria sido divulgado pela OMS que diz que 86 milhões de pessoas sofreriam de algum distúrbio por causa dos games. É importante dizer, no entanto, que esta informação teria vindo de outra publicação feita pelo The Telegraph.

Porém, segundo um levantamento feito pelo The Gaurdian, entre maio e janeiro deste ano, apenas 56 pessoas teriam entrado em tratamento por vício em games no Reino Unido, sendo que 40 milhões de pessoas por lá seriam jogadores e isso sem contar as crianças.

videogames

Crédito: Reprodução/Matilda Wormwood/Pexels

Considerando o artigo como um ataque à mídia e um desserviço por apresentar dados equivocados sobre o que a OMS classifica como “distúrbio de jogos”, um representante da junta comercial do Reino Unido disse que é “decepcionante ver peças como essa deturpando amplamente os jogos.” Para o porta-voz da entidade, chega a ser desleal demonizar 37 milhões de britânicos que encontram nos videogames uma forma relaxante e saudável de entretenimento, prejudicando assim aqueles que realmente precisam de ajuda.

Esta não foi a primeira e provavelmente não será a última vez em que os jogos eletrônicos serão alvos de ataques, sendo interessante pensar em como as pessoas de fora gostam de reciclar essas acusações. Talvez seja pela falta de outra forma de entretenimento para usar como bode expiatório para as atuais mazelas da sociedade, mas sabemos que cedo ou tarde voltaremos a ver esta mídia sendo acusada e não será surpresa se isso for feito de forma injusta.

Fonte: Videogames Chronicle

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