Hollywood sempre vende os finais felizes, mas por trás das câmeras muitos filmes de sucesso tiveram produções complicadas. Vamos conhecer alguns e descobrir como superaram – ou não – seus percalços.
Problemas acontecem em todas as produções, então vamos evitar os clássicos envolvendo atores em crises de estrelismo, falta de verba justificada em clássicos. Nada de Waterworld estourou o orçamento por causa de um furacão, O Tubarão do Spielberg não funcionou, então o filme foi alterado para ser misterioso ou a denúncia de que Marlon Brando usou margarina ao invés de manteiga.
Essas histórias de bastidores de filmes às vezes aparecem em livros, outras em making offs, mas são apenas a superfície da quase infinita lista de curiosidades sobre filmes, que muitas vezes são mais divertidas que as próprias histórias mostradas na tela. Então, sem mais delongas…
1 – Michael Curtiz e os Cavalos Vazios
Curtis conquistou seu espaço como um dos grandes diretores de todos os tempos. Com carreira de sucesso na Europa, foi seduzido para trabalhar em Hollywood ainda na década de 1920 e trabalhou muito bem, tendo sido indicado cinco vezes ao Oscar, ganhando duas e uma por Casablanca. Húngaro de nascença e emigrando com 39 anos de idade, ele nunca se tornou muito íntimo da língua inglesa e seus deslizes se tornaram lendários.
Em A Carga da Brigada Ligeira, de 1936, havia uma cena extremamente complexa, centenas de figurantes, marcas, câmeras preparadas, tudo coreografado, então Michael Curtiz dá o comando: “Bring on the empty horses”, “Tragam os cavalos vazios”. Todo mundo parou, começou a coçar a cabeça. Errol Flynn e David Niven caíram na gargalhada enquanto Curitz xingava todo mundo que não havia entendido que o que ele queria dizer era “riderless horses”, cavalos sem cavaleiros.
A frase “Bring on the empty horses” foi imortalizada como título da autobiografia de David Niven. Outro dos “Curtizmos” famosos foi durante a filmagem de Casablanca. Ele examinou o cenário e decretou:
“Wery nice, but I vant a poodle”
O contra-regra não entendeu, nada no script falava de um cachorro.
“Nós não temos, o script não fala disso.”
“Então consiga!”
“Claro, de que cor?”
“Estamos filmando em preto e branco, seu idiota. Tem que ser escuro”
O contra-regra fez sua mágica habitual e em algumas horas tinha conseguido um cachorro. Curtiz ficou puto nas calças. “que diabos eu vou fazer com um cachorro?”
“Mas… foi o que o senhor pediu, um poodle”
Ao que Curtiz explicou ” I vanted a poodle in the street! A poodle. A poodle of water!”
Ele, com seu sotaque carregado, misturou Poodle, cachorro, com Puddle, poça.
2 – Blade, o Vampiro Manezão
Confesso que eu mesmo fiquei triste do Wesley Snipes não reprisar o papel de Blade no MCU, mas a verdade é que segundo todos os relatos, ele é intratável e insuportável de se trabalhar. Patton Oswalt conta que nas filmagens de Blade: Trinity Snipes passava o dia inteiro no trailer fumando cigarrinho de artista, só saía para filmar close-ups.
Ele discutia com todo mundo, chegou a dizer ao diretor, David Goyer, que ele era ruim para o projeto e deveria pedir demissão. Goyer disse que já tinha todos os closes e como estava filmando usando o dublê de Snipes mesmo, ele que poderia ir embora.
Depois disso eles só se comunicavam por bilhetes. Em outra ocasião, Snipes achou que a produção estava sendo racista (não estava) e tentou estrangular o diretor. O cúmulo foi uma cena em que ele deveria fingir de morto em um necrotério e quando comandado pelo diretor, abrir os olhos. Snipes se recusou e acabaram tendo que fazer um insert safado.
3 – Highlander II
Se podemos definir a franquia Highlander em uma frase, é “Só pode haver um”. O primeiro filme é de uma tosqueira técnica assustadora, com erros de edição, cabos visíveis, animações de escola primária e outros problemas, mas também é uma história incrivelmente original, com interpretações icônicas de Sean Connery, Clancy Brown e Christopher Lambert.
O segundo é uma tragédia. Ou melhor, não. Se você pegar o Holocausto e o Holodomor juntos, trocar as pessoas por filhotes de panda e cachorrinhos, ainda não será uma tragédia do nível de Highlander II.
Toda a magia do primeiro filme foi jogada no lixo, os Imortais viraram aliens e até Sean Connery, morto no primeiro filme voltou, graças à força do dinheiro. Dinheiro esse que estava curto e sabe-se lá como os produtores foram convencidos a filmar na Argentina, no final dos anos 90, quando o país estava entrando numa hiperinflação, crise econômica, etc.
Entre os atrasos, refações do script e incertezas, a companhia de seguros que havia segurado o filme assumiu o controle da produção. Agora você imagine: um roteiro que já não era grande coisa, de um filme de Hollywood produzido nas coxas, longe de casa e uma seguradora, que tinha ZERO familiaridade com produção cinematográfica, tendo poder de decisão.
No final Russel Mulcahy, o diretor, abandonou a premiere do filme com 15 minutos de começado, Lambert foi atrás, mas voltou pois seu contrato exigia que ele permanecesse lá. Anos depois o diretor lançou uma versão não-oficial tentando consertar o filme, mas ficou pior ainda. Highlander II conseguiu a proeza de ter 0% no Rotten Tomatoes, mas o incrível mesmo é a franquia ter rendido mais quatro filmes depois dessa bomba.
4 – Viva as Verdinhas
Muito antes da edificante Rachel Nichols entreter Jim Kirk no Star Trek de 2009, as Garotas Escravas de Orion já eram famosas em toda a Federação, tendo aparecido em Star Trek: Enterprise (com um plot twist excelente) e na Série Clássica, de 1966.
Foi num episódio desses que a pobre Yvonne Craig, também conhecida como Batgirl, quase morreu.
Naquele tempo as séries eram filmadas em película, então o filme precisava ser revelado e copiado. Quando o diretor recebeu no dia seguinte as cenas filmadas, estranhou que Yvonne estava com tom de pele normal. Achando que era problema da maquiagem e como os filmes da época não tinham grande sensibilidade, e as fores precisavam ser bem intensas, refizeram a cena, com uma aplicação de maquiagem verde mais forte.
Dia seguinte, mesma coisa. O diretor subindo nas tamancas por causa do tempo e do dinheiro gastos, o pessoal da maquiagem tomando esporro, fizeram uma pasta bem tóxica, quase radioativa, assustadoramente verde, não teria como dar errado. Deu.
O Diretor só descobriu o problema quando junto com o copião veio uma mensagem do pessoal do laboratório, reclamando do pessoal da iluminação. “Que diabos vocês estão fazendo pra estragar assim a cena? Essa luz está deixando a coitada da atriz VERDE, nós temos um trabalho danado aqui pra fazer correção de cor e deixar ela com tom de gente”.
5 – Back to the Future
O filme teve uma produção complicada, com o ator principal, Eric Stoltz, sendo substituído depois de um mês inteiro de filmagens, mas mesmo chegar nessa parte foi bem complicado. Bob Gale e Robert Zemeckis tinham a ideia mais ou menos detalhada, mas eles esbarraram em um problema:
Back to the Future era uma filme família demais, por mais que tenha uma subtrama da mãe querendo carcar o filho. Os dois apresentaram a ideia em mais de 40 ocasiões diferentes, mas sempre eram rejeitados por ser um filme adolescente completamente fora do padrão dos anos 80, sem sacanagem, sem nudez, sem safadeza.
No final foi a mão (e o nome) de Steven Spielberg, que não tinha problemas com filmes-família, que viabilizou o projeto.
6 – Cinema e TI – um começo complicado
Hoje o cinema é inviável sem a computação, as mais prosaicas séries de TV usam e abusam de cenários aumentados, composição de imagens e CGI, mas houve um tempo em que isso tudo era novidade, o que resultou em alguns desastres.
Quando a Pixar estava fazendo Toy Story II ela ainda era novata nessa coisa de computador, por volta de 1998. Mais ou menos 150 pessoas trabalhavam no filme, entre elas Oren Jacob, na época CTO da empresa. Ele estava olhando um diretório, por algum motivo, quando reparou que os arquivos estavam desaparecendo.
Encurtando a história, alguém sem querer deu um rm -r -f * e comandou o apagamento recursivo de toda a pasta de dados do Toy Story II. Modelos, texturas, iluminação, cenas, tudo.
Começou uma correria, mas já era tarde. Praticamente todo o filme, com orçamento de US$ 141 milhões em valores de 2019, havia sido perdido.
Felizmente, a Pixar tinha backup! Ahá, eles não são bobos. Exceto que eles usavam uma fita DAT com 4 GB de capacidade, e naquela altura os arquivos tinham ultrapassado 10 GB. O script de backup não previa isso, então ia gravando os arquivos mais novos e apagando os antigos, ao invés de dar estouro de capacidade.
Depois de uma reunião devastadora, todo mundo correu para tentar remontar os arquivos, usando backups que os animadores guardavam por conta própria em suas máquinas locais, mas era erro em cima de erro. A única solução seria recomeçar do zero. Exceto que apareceu uma salvação:
Galyn Susman, diretora técnica supervisora do filme, lembrou que ela havia levado para casa uma workstation Silicon Graphics Indigo II, com todos os arquivos do filme. Ela atualizava remotamente via um link ISDN (pergunte a seus pais) e tinha boa parte do que havia sido perdido.
O computador foi levado para a Pixar com extremo cuidado, os arquivos transferidos e no total só perderam duas semanas de trabalho.
O Crash do Navegador
Quando o máximo em termos de computação gráfica era TRON, a Disney resolveu fazer um filme chamada O Voo do Navegador, que se tornou um cult de locadoras e Sessão da Tarde. O que mais impressionava no filme era a nave alienígena, renderizada com mapeamento de reflexos fotorealista, algo nunca antes feito nessa escala.
O que pouca gente sabe é que o filme quase não saiu. Uma sequência de 30 segundos levava 10 dias para ser renderizada e como o supercomputador usado tinha um buffer de imagem de 3 MB, que só armazenava um frame por vez, eles tinham que ser gravados diretamente em película.
Para piorar a empresa que fez os efeitos usou um Foonly F1, um supercomputador que custava o equivalente hoje a US$ 4,6 milhões, extremamente avançado para a época, com um processador de 36 bits rodando a 11,1 MHz, e 2 MB de RAM. Essa configuração atingia incríveis 4,5 MIPS (Milhões de Instruções Por Segundo). O primeiro iPhone atingia 515 MIPS. Um Raspberry Pi II atinge 4.744 MIPS.
O Foonly F1 tinha outro problema: era filho único, a empresa só conseguiu vender uma unidade, que era o protótipo. Ele travava cinco ou seis vezes por dia e o trabalho era todo perdido, mas ruim mesmo foi quando num final de semana o disco rígido deu defeito e naquela época falha de HD era algo épico.
Headhcrash, com a cabeça de leitura arranhando a superfície do disco – ah mas e a redundância? – vários discos em RAID, todos eles simultaneamente se autodestruíram. Perderam TUDO. O computador teve que ser reinstalado do zero, o que não era trivial e o pessoal teve que fazer mágica pra cumprir o prazo de lançamento.
7 – The Sheriff is a Ni<BLÉÉÉMMM>
Banzé no Oeste é uma obra-prima de Mel Brooks, uma comédia descarada que jamais seria feita hoje em dia e por pouco não foi feita em 1974. O aclamado Richard Pryor, um dos roteiristas e escolhido por Brooks para o papel principal estava na fase em que havia mais drogas do que sangue em seu sangue, e nenhum estúdio aceitou o risco de escalá-lo. Outros atores não foram muito melhores.
No primeiro dia de filmagens o ator que faria o Cisco Kid desmaiou por síndrome de abstinência alcoólica, Gene Wilder foi chamado como substituto de emergência.
Mel Brooks quase inaugurou o movimento #MeToo, quando foi avaliar Madeline Kahn e pediu que ela mostrasse as pernas. “Ah, então é ESSE tipo de teste!” Brooks explicou que ele era casado, feliz e que o papel de Lili von Shtüpp era de uma corista sedutora estilo Marlene Dietrich. Madeline entendeu, levantou a saia e disse “olhe, mas não encoste”. Brooks não encostou e fizeram vários outros filmes juntos depois.
Da parte do estúdio, estavam desesperados com o humor rasteiro, o racismo explícito e a sacanagem. Mesmo Mel Brooks entendeu que tinha ido longe demais e aceitou cortar uma fala quando o Xerife e Lili estão no quarto dela, no escuro e ele fala “Lamento decepcionar, madame, mas você está chupando meu braço.”
Depois de uma apresentação para executivos do estúdio, foi aventada a ideia de cancelar o filme e entubar o prejuízo. Em outra reunião Mel Brooks ouviu atentamente a lista de modificações que deveria fazer, removendo todas as ocorrências do termo “nigger”, cortando a famosa cena dos feijões peidões e amenizando a cena de sedução do Xerife. Ah, e Mongo socando o cavalo deveria sair também.
Brooks anotou meticulosamente tudo, a reunião foi encerrada, ele andou até a lata do lixo, jogou o bloquinho e lembrou que seu contrato dizia que ELE tinha aprovação final da montagem do filme.
A crítica foi cruel e acusou Banzé no Oeste de ser racista, preconceituoso, anacrônico e sem sentido. Mel Brooks diz ter recebido um monte de cartas reclamando do uso do termo “nigger” no filme, e obviamente a maioria dos remetentes eram brancos.
No final Banzé no Oeste custou US$ 2,6 milhões (valores de 1974), faturou US$ 119,6 bilhões e é considerado um clássico, preservado na Biblioteca do Congresso dos EUA e é amado pelo público com mais de dois neurônios, por entender que o filme: 1 – mostra um Velho Oeste muito mais realista, não a versão etnicamente benevolente dos westerns e 2 – os únicos personagens que não são completamente retardados na história são justamente os negros. Para tristeza da turma melindrada, Banzé no Oeste hoje conta com 91% de aprovação no Rotten Tomaoes.
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