O Pot-pourri espacial é o Grande Post com as notícias da semana, resumidas e organizadas para seu puro deleite. Nos últimos dias tivemos bastante ação, e muita coisa histórica acontecendo. Então, sem mais delongas, vamos aos acontecidos:
1 – Helicóptero Ingenuity voa em Marte
O robô Perseverance levou vários equipamentos novos para Marte, mas de longe o mais ousado e experimental é o helicóptero Ingenuity (Que não quer dizer ingenuidade, é um falso cognato. O significado correto é inventividade, engenhosidade).
Olhando por alto ele parece um drone feio improvisado, mas depois de três anos e US$80 milhões não há nada de improvisado ali, por mais que as chances dele cumprir sua missão com sucesso fossem pequenas.
O Ingenuity foi criado para demonstrar a possibilidade de voar com aeronaves mais pesadas que o ar em Marte, um planeta quase sem ar. A pressão atmosférica na superfície marciana equivale à atmosfera terrestre a 30Km de altitude, estamos falando de 1%, quase vácuo.
Tirando o Água de Fogo nenhum helicóptero sonha em voar a tal altitude, o recorde mundial é de 12Km, com um Aérospatiale SA 315 Lama. Que dirá um “brinquedo” de 1.8Kg e 1.2m de diâmetro de rotor.
Claro, custando US$80 milhões o Ingenuity não foi feito por uma DJI da vida, e seu projeto leva em conta as condições atmosféricas e gravitacionais, restava saber se os testes em Terra e os cálculos estavam certos.
Estavam!
Em 19 de Abril de 2021, pela primeira vez na História um veículo projetado por Humanos decolou e pousou na atmosfera de outro planeta. Foram 39.1 segundos de vôo, a uma altitude de 3 metros. No dia 22, outro vôo, desta vez a 5 metros, com duração de 51.9 segundos.
Infelizmente a Lei dos Quadrados e dos Cubos faz com que assim como Ruby, helicópteros não escalem bem em Marte (ou em qualquer lugar), mas no momento em que É possível, com mais esforço e dinheiro logo teremos um enxame de drones explorando Marte de forma autônoma.
2 – MOXIE produz oxigênio marciano
Ainda em Marte, continuando nosso Pot-pourri espacial, um experimento também levado pela Perseverance, pensando nas futuras expedições tripuladas, e na obtenção de um insumo fundamental.
Até agora Marte é o único planeta do Sistema Solar habitado exclusivamente por robôs. Por isso eles não ligam para detalhes como a temperatura congelante ou a virtual ausência de oxigênio na atmosfera, só 0.13% comparado com os 21% da Terra.
Já humanos são meio chatos e exigem privilégios como respirar, do contrário se recusam a explorar Marte. O jeito é produzir oxigênio localmente, pois seria inviável mandar tudo da Terra, fora que a gente precisa dele aqui também. Por sorte 96% da atmosfera marciana é composta de dióxido de carbono, CO2, então teoricamente é “só” quebrar a molécula e liberar o O2. A parte complicada é que isso demanda bastante energia, mais até do que a necessária pra escrever este Pot-pourri espacial.
O MOXIE (Mars Oxygen In-Situ Resource Utilization Experiment) é um equipamento de 16Kg, que consome 300W quando ligado, e utiliza eletrólise via óxidos sólidos para quebrar a molécula de CO2.
O truque é aquecer o CO2 até uns 800C, e passá-lo por uma série de filtros cerâmicos, que possuem extrema afinidade por íons de Oxigênio. A afinidade é tanta que um dos átomos de oxigênio se solta, transformando o dióxido em monóxido de carbono, mas como átomos não gostam de ficar isolados (eles são bem carentes) ele rapidamente acha outro átomo de Oxigênio, formando uma molécula de O2.
Na versão atual o MOXIE consegue produzir 6 gramas de oxigênio por hora, o suficiente para manter vivo um comentarista de portal mas não uma forma de vida mais complexa. Tudo bem, o objetivo era testar se era possível produzir oxigênio localmente, e o resultado foi sucesso total. Futuros astronautas não vão mais precisar prender a respiração ou usar uma mangueira muito, muito comprida.
3 – Rússia ameaça abandonar a Estação Espacial Internacional em 2025
Apesar da mensagem Star Trek de união e paz no Espaço, a realidade da Estação Espacial Internacional é bem mais complicada, desde o início, quando os EUA descobriram que ficaria caro demais bancar o projeto por conta própria, e o negócio virou uma espécie de Vila do Chaves, com um monte de gente que se tolera morando junto.
Os setores russo e americano são claramente determinados e as tripulações interagem bem menos do que os vídeos promocionais demonstram. Por um tempo os russos chegaram muito perto de negar acesso à ISS para astronautas americanos, quando Dmitry Rogozin, chefe da ROSCOSMOS soltou:
“Depois de revisar as sanções contra nosso programa espacial, sugiro aos Estados Unidos que mandem seus astronautas para a Estação Espacial usando um trampolim.”
Mais de uma vez os russos fizeram doce para renovar sua participação no projeto da ISS, que já foi estendido várias vezes. Na versão atual os EUA alocaram verba para manter a estação pelo menos até 2030, mas os russos disseram que não tem planos além de 2025.
Depois disso eles pretendem construir uma estação só deles, provavelmente com blackjack e prostitutas, mas não vão reaproveitar módulos da ISS. A última conversa é que eles irão alugar para a NASA os módulos existentes, transformando a ISS de despesa em fonte de renda. Resta saber se a NASA vai topar.
Claro, tudo isso pode mudar completamente, caso a Starship da ISS e seu absurdo barateamento dos custos de US$/Kg em órbita se mostrar real, o que irá complicar a nossa vida, o Pot-pourri espacial acabará sendo diário.
4 – China prestes a lançar sua nova Estação Espacial
Sim, essa é a moda, todo mundo (que pode, você não, Brasil) está realizando o sonho da estação espacial própria. A China vem investindo nisso faz tempo, desde 2011, quando lançou a Tiangong-1, uma estação de teste que era basicamente um cilindro de 10.5 metros e oito toneladas, com uma escotilha em cada ponta. Ela foi ocupada por duas missões de 3 taikonautas cada uma, por um total de 20 dias.
Em 2016 foi a vez da Tiangong-2, com características semelhantes e usada para testar e certificar um monte de equipamentos usados em uma futura estação espacial “de verdade”.
Agora será lançado no final de Abril de 2021 o módulo central da Tianhe, a Estação Espacial Chinesa Modular.
Construída aos poucos, como a MIR e a Estação Espacial internacional, a Tianhe começará com um módulo de 16.6 metros de comprimento, 22 toneladas e 4.2 metros de diâmetro.
Ele será lançado por um foguete Longa Marcha 5B, o peso-pesado do programa espacial chinês, capaz de colocar 25 toneladas em órbita baixa.
5 – Astronautas sobem em foguete e cápsula recauchutados
OK, essa não é exatamente a forma correta de colocar, mas apenas uma referência a esse jornaleiro aqui, que não entende o conceito de “refurbished” e acha que a SpaceX procura peças de foguetes em ferro-velho, que nem aquele seriado pré-histórico, Resgate Um.
Não, nada no Falcon 9 é “reciclado”. Ele e a Crew Dragon são reutilizáveis, como qualquer avião, navio, carro, helicóptero e bomba que você lance em uma fábrica de trampolins.
A NASA originalmente teve urticária quando a SpaceX sugeriu transportar astronautas em foguetes reutilizáveis. Eles não queriam isso nem para carga. O acordo inicial seria que no máximo, após uma missão com astronautas a cápsula fosse recondicionada inspecionada e certificada para uma segunda missão como cargueiro.
Pelo visto a SpaceX mostrou as contas e a NASA viu que um monte de Falcons estavam voando perfeitamente depois de vários lançamentos, e o custo de reutilizar a cápsula era muito, muito menor do que o de uma nova.
Por isso a Crew 2, segunda missão levando astronautas pela SpaceX decolou com a cápsula Crew Dragon Endeavour, que voou pela primeira vez em Maio de 2020, levando a primeira tripulação completa via SpaceX. Impulsionando, o Falcon 9 B1061, que em 2020 lançou a cápsula Resilience, com o primeiro vôo tripulado da SpaceX. Mas não se preocupe se você se confundiu com esse Pot-pourri espacial de foguetes e cápsulas, Elon Musk mantém tudo organizado em um caderninho.
Em Novembro de 2021 a Resilience e o B1061 irão voar juntos de novo, levando a tripulação do primeiro vôo privado ao espaço, na missão Inspiration-4.
6 – Amazon contrata concorrente para lançar seus satélites
E encerrando nosso Pot-pourri espacial: Para surpresa de absolutamente ninguém, até porque já foi fartamente noticiado, a Amazon está trabalhando em um projeto semelhante ao Starlink da SpaceX, o Kuiper.
Serão investidos US$10 bilhões em 3236 satélites, que proverão internet banda larga para o mundo inteiro. É o tipo de projeto que só é viável se você conseguir amortizar os custos de lançamento. Por sorte a Blue Origin também é do Jeff Bezos, e com o foguete monstruoso e reutilizável New Glenn, eles poderão colocar centenas de satélites em órbita de cada vez.
Exceto que o New Glenn não deu aos caras ainda, com atraso em cima de atraso a prioridade acabou sendo a produção dos motores BF-4, que também foram vendidos para a United Launch Alliance e equiparão o foguete Vulcan.
Juntando atraso em cima de atraso, o lançamento do New Glenn, que deveria ser em 2020, foi adiado para o quarto trimestre de… 2022. E aí temos um problema.
É bem complicado conseguir uma licença do FCC (Federal Communications Commission) para projetos desse porte, as frequências usadas pelos satélites são alocadas mas é especificado que elas precisam ser usadas, e se um determinado percentual de satélites não estiver no ar (ok, no vácuo) em determinada data, adeus licença.
Com a Amazon não tem garantias de que o New Glenn estará voando a tempo de cumprir o prazo de 2023 do FCC, o jeito foi apelar, e a Amazon contratou CINCO lançamentos de foguetes Altas V da ULA.
Nas estimativas mais em conta isso vai custar pra Amazon meio bilhão de dólares, só com os lançamentos, sem levar em conta os satélites. Sairia mais em conta lançar pela SpaceX.
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