“Venda sua alma”. Este é o conceito em que se baseia o jogo brasileiro Soul Gambler , com um protagonista chamado Faust, que é tentado pelo demônio. A história do game, idêntica ao clássico da literatura alemã Fausto, do frankfurtiano Johann Wolfgang von Goethe, se desenvolve através de escolhas e suas consequências. Para conversar sobre este jogo nacional com enredo envolvente, a coluna Geração Gamer conversou com Horacio Corral (31) e Caio Chagas (27), do Tlön Studios, e com Kao Tokio (50), do site GameStorming, que ajudou a divulgar o projeto como publisher. Eles nos explicaram detalhes sobre o projeto pensado desde 2012. Confira: Gerente do Google Brasil dá dicas gamers para ter sucesso no Youtube Personagem Faust, tentado pelo diabo em forma de mulher, em Soul Gambler (Foto: Divulgação) Livros e jogos: Uma boa mistura? “Eu comecei a trabalhar com livros antes de trabalhar com games. Trabalhei como livreiro na Livraria Cultura, trabalhei como revisor, tradutor e produtor cultural. Aos poucos, fui me aproximando do mundo dos games. Para mim, os livros são uma das melhores mídias para adaptação para um game. A experiência de ler um livro é longa e se assemelha a de jogar. A densidade de ambos é parecida”, explica o argentino Horacio Corral, que vive no Brasil mas nasceu em Buenos Aires. Horacio Corral: “Eu tenho 31 anos e sou natural de Buenos Aires mas moro em Bauru” (Foto: Arquivo Pessoal) “Existem outros videogames inspirados em livros. The Witcher é um excelente exemplo. A franquia Prince of Persia , que é claramente inspirada nas histórias de Mil e Uma Noites de Sheherazade, também é outro caso. A franquia de espionagem Tom Clancy é mais um exemplo”, explica o brasileiro Caio Chagas, que também fez parte do time de desenvolvimento. Mas o jogo realmente foi pensado num livro? “Na verdade, a ideia veio principalmente da mecânica de venda de almas em parcelas. O uso da obra de Goethe veio porque é uma referência conhecida universalmente no tema ‘venda sua alma’”, completa Caio. Goethe narrou a “venda da alma” do personagem Fausto ao demônio literário Mefistófeles (Foto: G.Meiners/Wikimedia Commons) Saindo do papo literário, outros games inspiraram Soul Gambler. Visualmente, o jogo tem várias opções de diálogos, o que poderia aproximá-lo de Full Throttle, lançado pela LucasArts em 1995. “Eu não diria que é tão parecido assim. Embora use a mecânica de escolhas de ação e diálogos, Soul Gambler é mais focado na consequências das decisões, enquanto outro jogo foca mais na exploração das possibilidades”, diz Caio Chagas. “Eu acredito que o Soul Gambler não se encaixa por completo em nenhum gênero atual. Por esse motivo, nós criamos o termo Visual Adventure para ele. O jogo também possui elementos das visual novels japonesas, que tem essa ideia de dar maior liberdade e controle da narrativa ao jogador, e adventure, porque muitas das mecânicas de jogo dele se assemelham as de jogos como Back To The Future e The Walking Dead , ambos da Telltale Games”, afirma Horacio Corral, dando outros exemplos totalmente diferentes que inspiraram o time durante a criação. Como foi criado Soul Gambler? Kao Tokio, da publisher Gamestorming, foi fundamental para reunir as ideias de Horacio Corral e Caio Chagas (Foto: Arquivo Pessoal) Kao Tokio ajudou a reunir os principais desenvolvedores em cima do “jogo literário” e “Visual Adventure”: Soul Gambler. “Conheci o Horacio em 2009, quando fui convidado para realizar a palestra ‘Jogos e Humanidade – Dos Ritos ao Digital’ no RPGCON. O Caio me foi apresentado na Campus Party 2012, mas já conversávamos pela internet. Conheci o game Soul Gambler pela primeira vez na sede da empresa Mother Gaia (M.Gaia), ainda na versão demo. Naquele primeiro momento, eu achei que o jogo ‘não ia pegar’, porque eu senti muito conflito com algumas passagens que exigiam escolhas nada fáceis para o personagem no jogo”, explicou o especialista. Soul Gambler é um game brasileiro que brinca com a obra literária Fausto, de Goethe (Foto: Divulgação) “O projeto levou cerca de seis meses e envolveu aproximadamente 10 pessoas, entre ilustradores, programadores, roteiristas e tradutores”, diz, de forma objetiva, Caio Chagas, o principal homem por trás da criação do game brasileiro e de seu conceito interativo e literário. Soul Gambler, embora lide com temas sombrios e diabólicos, lembra um desenho animado (Foto: Divulgação) “Na ocasião, o Soul Gambler já estava em produção pelas mãos da equipe do Caio Chagas. Com a saída do Caio da M Gaia, o projeto migrou para o Tlön Studios, empresa mantida pelo casal Horacio e Janaina Corral. O jogo de Faust segue agora para finalização, após ser aceito para integrar o festival de games independentes BIG 2014″, complementou Kao Tokio, explicando como sua empresa surgiu como publisher, ou seja, publicadora, de uma ideia que já estava em desenvolvimento. Referências a filmes americanos famosos, como “Duro de Matar”, estão em Soul Gambler (Foto: Divulgação) Mesmo com ajuda de uma publisher, o caminho não foi fácil. “Os executivos da M.Gaia não queriam fazer o jogo. Foi quando tivemos a ideia do Kickstarter para financiá-lo. Caso a gente conseguisse, não só o dinheiro cobriria os custos como haveria uma prova do interesse do público no jogo”, diz Caio Chagas. Horacio Corral dá mais detalhes de como isso aconteceu: “Durante o primeiro festival BIG, o Soul Gambler foi apresentado para o americano Chris Avellone, criador de Planescape: Torment e Fallout 2 , entre outros . Ele atualmente está na Obsidian Entertainment, que toca o Project Eternity. Chris gostou do conceito do jogo e sugeriu ao pessoal da M.Gaia que tentasse colocar o projeto no Kickstarter. Podemos dizer, com segurança, que o Chris Avellone é padrinho do Soul Gambler, até porque ele foi um dos backers (investidores) na campanha do Kickstarter”. O desenvolvedor de games americano Chris Avellone, de Fallout 2, foi um dos investidores do jogo brasileiro Soul Gambler (Foto: Luna Cruz/Wikimedia Commons) “O Caio saiu da M.Gaia e fundou comigo o Tlön Studios, onde ele é diretor criativo. Como nós temos um grande interesse em desenvolver jogos que tem como base boas narrativas, acabamos negociando a cessão da totalidade dos direitos da marca do Soul Gambler. A M.Gaia continua trabalhando e fazendo games, mas não possui mais vínculo com o jogo. O Tlön Studios tem ainda apoio da Janaina Azevedo Corral na parte financeira”, diz Horacio, sobre a mudança entre as duas companhias na criação do projeto. Pelo Kickstarter, o projeto conseguiu 5831 dólares coletivamente, através de 286 doadores. O jogo funcionará para computadores, mas será remodelado pela nova empresa, o Tlön Studios. “A ideia do game se baseia no Fausto de Goethe e o protagonista do jogo de fato traça um caminho de escolhas com a entrega de sua alma e o encontro de um mundo sombrio e cheio de surpresas” comenta, Kao. “Mas a verdadeira virtude do projeto está no sistema PlayComics, criado para o desenvolvimento do jogo e que permite a realização de inúmeros outros projetos do gênero. Até onde sei, esse sistema de produção permanece e deverá gerar futuros projetos do Tlön Studios. Outros destaques ficam por conta da arte bem elaborada e instigante, que aproxima o trabalho dos melhores quadrinhos de estilo europeu e o roteiro, que consegue transmitir uma densidade angustiante para o jogador, por meio de situações que envolvem escolhas difíceis em diferentes aspectos”, completa Kao Tokio, o publisher. Qual o futuro dos games? Mais nicho ou menos nicho? “Estou ligado aos jogos eletrônicos desde meados dos anos 1970. Sempre fui apaixonado pelos antigos aparelhos de fliperama e as cabines eletromecânicas com jogos de corrida ou esportes, que chamamos hoje de arcades. Só em 2004 que consegui realizar a primeira atividade focada especificamente com games, por meio da Mostra de Games Brasileiros, realizada em várias unidades do Sesc São Paulo, em que pude contar com a colaboração do Alê McHaddo na curadoria e chamamos várias empresas, algumas que nem existem mais. Por isso mesmo, acredito que os games tendem a perder a ‘aura’ de produto de nicho e serem encarados com mais naturalidade, como recurso de entretenimento ou de aprimoramento, inclusive de forma paradidática”, confessa Kao Tokio, o mais velho do trio de entrevistados. As escolhas fazem a diferença em Soul Gambler (Foto: Divulgação) Horacio Corral é realmente mais direto, inclusive ao palpitar sobre o futuro: “Eu acho que há um par de certezas e uma incógnita. Eu acredito que a atual geração de consoles é a última. Ela será substituída pelo Amazon Fire TV, o ‘Ouya da Amazon’, ou por uma Steam Machine rodando milhares de jogos de PC. Assim como aconteceu com os fliperamas, as vantagens e os diferenciais de se ter um videogame na sala de estar foram sumindo aos poucos”. “A incógnita para mim é o Oculus Rift, porque eu não sei se ele vai ser um sucesso global e consistente ou se a expansão dele pelo mundo vai ser mais gradual. Se eu não estiver enganado, a partir do momento em que o Oculus Rift for adotado como ferramenta de desenvolvimento padrão pelos estúdio de games, entraremos efetivamente nos jogos da próxima geração. Uma geração de mudanças radicais e cognitivas e não apenas incrementais”, completa Horacio. “Não arrisco nenhum palpite quanto a tecnologias. O que eu vejo é: cada vez mais pessoas jogando e cada vez mais jogos sendo feitos para um público maior. Videogames estão deixando de ser um mercado de nicho e se tornando um mercado massivo de entretenimento”, diz Caio Chagas, a mente de criação de Soul Gambler. “Grandes pensadores como Johan Huizinga, Roger Caillois e Marshall McLuhan foram capazes de entender o jogo como uma das características mais marcantes da sociedade em todos os tempos, ligado aos ritos sagrados e ao aperfeiçoamento do indivíduo. Por isso, acredito que o game, como expressão cultural, artística e comportamental, estará cada dia mais disseminado e diluído no cotidiano da sociedade. Projetos como o FourSquare ou o GetSongs, que mapeiam comportamentos e competências e oferecem mimos como recompensa, deverão ser extremamente comuns e adotados por muitas empresas, como forma de aproximar-se de um público frequentemente mais jovem e ‘player’”, comenta Kao Tokio. Quais são os melhores jogos no facebook? Opine no Fórum do TechTudo. saiba mais ‘Faltam games únicos no Brasil’, diz ex-diretor de Tomb Raider Can Game: o jogo para crianças autistas vencedor do concurso da Microsoft SUS: The Game simula e critica os hospitais públicos do Brasil Scary Tower: conheça o game do elevador do terror feito por brasileiros
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