A SpaceX está nadando de braçada na exploração espacial comercial, à frente de outras companhias privadas do setor antes reservado a agências governamentais. Após anos de pesquisa e desenvolvimento, seus resultados com o reaproveitamento de foguetes, busters e cápsulas, algo que ninguém fazia até então, derrubou os custos dos lançamentos e garantiu gordos contratos com diversas agências.
Só que além de empresas concorrentes serem obrigadas a correrem atrás do prejuízo, agências nacionais, especificamente europeias (finja surpresa) não estão gostando do domínio que a companhia de Elon Musk vem exercendo no setor.
Em 2020, a ESA (Agência Espacial Europeia) já havia anunciado um programa de financiamento que destinaria € 2 bilhões para empresas privadas, de modo a fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias de lançamento, especificamente foguetes reutilizáveis. Metade do montante será reservado à francesa ArianeGroup, a principal parceira do bloco.
Já em março de 2021, a ESA reservou mais € 600 mil para Avio, Rocket Factory Augsburg e novamente ArianeGroup, para o desenvolvimento de novas soluções de transporte espacial até 2030.
Os motivos para essa aceleração nos planos europeus (a expansão do sistema GALILEO de geolocalização também foi adiantado em 3 anos) vão desde os sucessos recentes das missões chinesas, do pouso na Lua à conclusão do sistema BeiDou, à parceria da NASA com a SpaceX para o fornecimento das cápsulas Crew Dragon.
O ponto decisivo na mudança da maré se deu quando a NASA, até então completamente cética sobre a reutilização de qualquer estágio ou cápsula que fosse, se viu admitindo que a SpaceX cumpriu todos os requisitos de segurança ao oferecer transportes com foguetes, busters e cápsulas reutilizáveis.
O custo muito menor teve um peso gigantesco para firmar a parceria, é muito melhor gastar alguns milhões do que torrar muito mais com estágios que só são usados uma única vez. Já do lado europeu, a ArianeSpace tem duas cartas fortes nas mãos para garantir contratos de exploração do espaço com a ESA, os foguetes Ariane 6 e Vega-C. O primeiro, que pode entrar em operação ainda em 2021, é destinado ao lançamento de cargas leves e pesadas, como cápsulas tripuladas.
Já o Vega-C, uma atualização da plataforma Vega original, é voltado para lançamentos de microssatélites a sondas maiores, para observação terrestre e espacial. Ele está previsto para entrar em operação entre 2021 e 2022.
O problema, como sempre, é o custo. Ambas plataformas são tradicionais de uso único, e os ministérios da Economia tanto da França quanto da Itália, sendo este país que fomentou o projeto Vega original (uma joint venture entre a ASI, a Agência Espacial Italiana, a ESA e a Arianespace), concluíram que na ponta do lápis, as contas não fecham.
Dada a mudança do mercado de prestadoras espaciais desde 2014, os custos apresentados pela Arianespace, em comparação aos resultados, não são competitivos o bastante, ainda mais se considerada a meta de tornar a ESA autossuficiente.
O culpado? Elon Musk, claro. Os foguetes reutilizáveis do Falcon 9 jogaram os custos dos lançamentos no chão, e a SpaceX é capaz de oferecer preços muito mais camaradas à ESA do que a Arianespace, ou qualquer outro fabricante de foguetes europeu.
Como resultado, a agência europeia agora depende da companhia americana para missões tripuladas em conjunto com a NASA, como a Crew-2, que levará dois americanos, um japonês e o francês Thomas Pesquet à ISS em abril de 2021. A conclusão da França e Itália é que a Europa como um todo ficou para trás na corrida espacial no desenvolvimento tecnológico espacial, o que se reflete em perda de competitividade, e inclui também a falta de concorrentes diretos à Starlink, a constelação de satélites provedores de internet.
E como era de se esperar, os europeus não estão nada contentes com uma companhia ianque passando na frente das locais, mas ao menos num primeiro momento, a medida proposta não envolve barrar a SpaceX no continente ou submetê-la a investigações por parte de Comissão Europeia, como Apple, Google, Microsoft, Amazon e outras empresas dos EUA, embora seja provável que isso já venha sendo cogitado.
Embora visando seus projetos internos, França e Itália estão agora pressionando o bloco europeu a correr atrás do prejuízo, de modo a “oferecer uma resposta tecnológica e industrial equivalente” aos avanços da SpaceX, principalmente para que o Velho Mundo não fique dependente de outra empresa externa.
O problema, como sempre, é político, pois tanto a Arianespace quanto a ASI seriam os mais privilegiados nessa empreitada. A Alemanha, embora tenha zero tradição de desenvolvimento interno de tecnologias espaciais (Von Braun não conta), possui empresas menores promissoras, como a Rocket Factory Augsburg, que já recebeu incentivos da ESA.
No pior dos cenários, a investida pode acabar estimulando concorrência interna entre as montadoras europeias, ao invés de formar uma frente unificada contra a SpaceX, que poderia muito bem continuar à frente das demais. Resta saber por quanto tempo essa corrida será mantida no continente.
Fonte: Le Figaro (em francês), Ars Technica
Source link