Nova velha polêmica: Alex Hutchinson, diretor criativo da divisão de Montreal do Stadia Games and Entertainment (SG&E), estúdio interno do Google Stadia, disse no Twitter nesta quinta-feira (22) que streamers deveriam pagar por uma licença para transmitir jogos a estúdios e distribuidoras, como forma de dividir a renda sobre um produto que os jogadores não controlam.
Reações do público, mídia e indústria à parte, a verdade é que esse assunto não é novo: ele vira e mexe volta à mesa graças à popularidade de alguns criadores de conteúdo, que fazem uma boa grana transmitindo games em diversos serviços. Mas quem está certo?
Alex Hutchinson é um velho conhecido do público, graças a suas declarações controversas. No passado, enquanto diretor de Assassin’s Creed III, ele disse que os jornalistas de games eram seletivos em favor dos jogos japoneses, e depois declarou que a série nunca iria para o Japão, por considerar os temas locais “chatos”.
Curiosamente ele disse o mesmo do Egito Antigo, e todo mundo sabe o que se seguiu.
Mais recentemente, Hutchinson atuou como diretor do jogo Journey to the Savage Planet da Typhoon Studios, que foi comprada pelo Google. Desde então ele foi realocado como diretor criativo do estúdio interno SG&E, especificamente na divisão canadense, assim, embora ele seja um executivo a serviço do Google Stadia, ele não responde pela companhia, como muitos disseram.
De qualquer forma, as declarações de Hutchinson no Twitter foram publicadas após uma nova rodada de vídeos derrubados na Twitch, de diversos criadores, por uso de conteúdos autorais sem autorização.
O novo balanço do Banhammer se deu a pedido de empresas como Disney, Time Warner e NBCUniversal, e mira especificamente em clipes que usam músicas protegidas por copyright. Hutchinson defendeu seu ponto como uma forma do produtor de conteúdo se proteger dessas ações, mas para isso…
The real truth is the streamers should be paying the developers and publishers of the games they stream. They should be buying a license like any real business and paying for the content they use.
— Alex Hutchinson (@BangBangClick) October 22, 2020
Em resposta a questionamentos dos seguidores, Hutchinson disse que tanto o jogo quanto o streamer têm seu valor, e que um pode aumentar a popularidade do outro e vice-versa, quando questionado se streamers não ajudariam a tornar um jogo popular. No entanto, o executivo afirma (com certa razão) que a compra do jogo não dá o direito de transmitir uma live, e que parte (senão todo) o lucro das transmissões deveria ser revertido aos donos das marcas.
Independente de quem está certo ou não, o Google tratou de se distanciar das afirmações de Hutchinson, que deve ter tomado um puxão de orelha daqueles: seu perfil atual no Twitter não mais faz menção ao Stadia e deixa claro que suas opiniões são “apenas dele”, ou seja, não representam a empresa.
A posição da indústria
A história sobre a quem pertence a grana levantada com visualizações de um streaming de jogo, se ao criador de conteúdo ou ao detentores dos direitos autorais é antiga, e teve capítulos desconcertantes. Em 2013, a Nintendo decidiu que se alguém deveria fazer dinheiro no YouTube com vídeos de seus jogos, esse alguém era ela própria, e não foi nada gentil com seu público.
Em um ato bem criticado, a companhia usou o Content ID para reverter toda a grana do AdSense para si, o que fez dos streamers criadores de conteúdo voluntários.
Em 2014 a empresa introduziu um programa de afiliados oficial, que definia a divisão da grana entre o YouTube, a Nintendo e o streamer, mas impôs regras rígidas sobre o que poderia ser veiculado. De cara, a casa do Mario proibiu totalmente o streaming ao vivo, porque um programa do tipo não pode ser verificado antes, como detonados/walkthroughs e vídeos de let’s play, e o controle do que é dito é mínimo.
Não obstante, a Nintendo bateu forte em streamers que fazer speedruns de seus jogos, alegando que todos usavam jogos pirateados, prática que a companhia abomina. Vários canais foram exterminados, com a empresa distribuindo strikes por infração de direitos autorais sem dó.
Vale lembrar que a Nintendo nunca foi com a cara do streaming, por julgar que assisti-los “não é nada divertido”. Tanto é que o Switch não possui uma solução nativa de transmissão, diferente dos consoles da Sony e Microsoft, que suportam YouTube e Twitch.
Apesar da reação do público, a Nintendo não deu muita bola e continuou fazendo o que dava na telha, mas o mesmo não pode ser dito de outro representante da indústria de games, que se manifestou contra streamers fazendo dinheiro sem pagar aos criadores: Phil Fish, o polêmico desenvolvedor independente criador de Fez.
Desde que Fish ganhou espaço na mídia graças ao documentário Indie Game: The Movie, suas declarações sem freio vira e mexe irritavam o público, a mídia especializada e outros desenvolvedores.
Uma de suas afirmações mais controversas foi o ataque aos streamers que faziam dinheiro com vídeos de Fez, que sob sua visão, “praticavam pirataria” e “lhe deviam dinheiro”.A explicação para isso é a mesma usada pela Nintendo, o criador de conteúdo pode possuir o jogo, mas a compra não lhe dá direitos de transmissão, ou de lucrar com sua obra.
Fish acreditava que a receita deveria ser dividida entre o streamer e os estúdios e produtoras, através de uma ferramenta automática que o YouTube poderia implementar. Assim, não haveria como não pagar a “taxa”.
Como sempre, a mídia e o público caíram em cima de Phil Fish, mas a abordagem dele foi mais conciliatória do que a da Nintendo, ao propor uma opção onde todas as partes ganham, diferente da casa do Mario que tomou a grana.
Legalmente, um estúdio ou distribuidora pode usar o Content ID e outras ferramentas de serviços similares, como uma forma de remover vídeos de jogos alegando infração de direitos autorais. O problema é que tal atitude é antipática demais, que causa um tremendo mal estar entre a companhia e seus consumidores, e a maioria não chega a tanto.
Ao mesmo tempo, é comum produtoras procurarem canais de criadores grandes e médios, ou sites como o Meio Bit e o Tecnoblog, oferecendo cópias de seus jogos antes do lançamento, para a publicação de reviews e criação de conteúdos diversos, inclusive vídeos.
Nestes casos, há uma série de limitações impostas ao streamer, desde não revelar partes da história ou certas mecânicas, ao óbvio respeito ao período de embargo; alguns jogos AAA podem ter mais de uma data limite, cada uma com seu conjunto de regras que devem ser seguidas, a fim de manter a parceria.
Por outro lado, é possível que o sucesso de alguns jogos nos últimos anos, de Fortnite a Genshin Impact e Among Us, este hoje o jogo de maior audiência da Twitch, atraia a atenção dos donos das marcas, e as declarações de Alex Hutchinson jogam nova luz sobre o assunto.
No caso de Among Us, o modesto jogo desenvolvido pelo estúdio indie InnerSloth poderia prover benefícios enormes à equipe, se houvesse uma entrada de receita adicional vinda de parte do levantado com transmissões. O jogo hoje faz tanto sucesso que até políticos, como Guilherme Boulos e Alexandria Ocasio-Cortez, usaram o game como ferramenta de campanha. No caso da congressista norte-americana, a transmissão reuniu 439 mil espectadores simultâneos.
Os streamers devem pagar ou não?
Legalmente, streamers podem ser forçados a pagar por vídeos e transmissões de propriedades intelectuais protegidas, ou até mesmo serem forçados a tira-los do a, como a Nintendo fez. No entanto, o “caminho do meio” talvez seja a melhor opção.
Criar um método que permita aos estúdios, principalmente os pequenos e independentes como a InnerSloth, terem uma receita adicional para seus próximos projetos, ao mesmo tempo que o criador de conteúdo, por adicionar suas impressões e editar o vídeo da maneira que ache melhor, agrega valor à obra, mesmo que ele não possua o copyright, que não está atrelado à compra do jogo.
O mais provável, no entanto, é que as coisas continuem como estão hoje: os donos das marcas evitando ações que causem desgaste desnecessário, e um ou outro Phil Fish ou Alex Hutchinson externando sua opinião de vez em quando, para inevitavelmente receber o carinho da torcida.
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