Talvez o Telescópio Espacial Hubble tenha morrido de vez

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A NASA está desesperadamente tentando consertar remotamente o Telescópio Espacial Hubble, mas a expectativa de que o problema fosse com o computador principal se mostrou errada, quando o backup foi acionado (pela primeira vez em sua história) e os erros continuaram. Agora há a possibilidade do Hubble não ter mais conserto.

Hubble fotografado da Discovery em 1992, na missão STS-82 (Crédito: NASA / Domínio Público)

Muito antes do primeiro foguete entrar em órbita terrestre, já se sabia que telescópios espaciais trariam inúmeras vantagens. Eles não dependem do clima, não são afetados por luzes das cidades, não sofrem com terremotos, furacões ou camponeses irados querendo matar astrônomos por preverem a chegada de um cometa (acontece com mais freqüência do que você imagina), mas a principal vantagem do Hubble é: Atmosfera.

Ou melhor, a ausência dela.

Estrelas piscando são bonitas em rimas infantis, mas isso pra astronomia é um inferno. Todo mundo que já observou a Lua de um telescópio sabe como é complicado focar nas imagens tremulantes. No Espaço não há nada disso, mas infelizmente astrônomos tendem a morrer se expostos ao vácuo por muito tempo, e demorou até termos tecnologia suficiente para isso.

Os esforços para construir um telescópio espacial começaram em 1962, e vários foram lançados, até que no final dos anos 1970 a NASA e a Agência Espacial Européia se uniram para projetar um super-telescópio espacial, com vários instrumentos e um espelho de 2.4m de diâmetro.

Os Pilares da Criação, nuvens de Hidrogênio a 7000 anos-luz da Terra, no processo de formar novas estrelas. Cada uma das estruturas é mais larga que o nosso Sistema Solar (Crédito: NASA / Domínio Público)

O telescópio, batizado em homenagem a Edwin Hubble, seria lançado de um ônibus espacial, e ao contrário da maioria dos satélites, receberia visitas para manutenção e upgrades. Essa capacidade literalmente salvou o Hubble.

Seu lançamento deveria ser em 1986, mas o desastre da Challenger e outros problemas atrasaram o lançamento, o que custou caro, US$6 milhões por mês, mas foi bom pois vários problemas foram detectados até o lançamento em Abril de 1990, infelizmente não todos.

Quando as primeiras imagens chegaram, os cientistas ficaram arrasados. O Hubble não conseguia focar, as imagens eram distorcidas como naquelas lunetas ching-ling da Ali Express. E nessa altura o Hubble já estava custando US$4,7 bilhões (em 1990) dos US$400 milhões do projeto inicial.

Depois de bastante investigação, descobriu-se que o espelho estava com defeito. Em sua fabricação as bordas estavam 1/450 mm mais planas do que deveriam. Sim, esse pentelhonésimo de micronada era suficiente para deixar o Hubble míope. A origem do problema foi que um dos instrumentos construídos para verificar a precisão do espelho foi montado de forma indevida, uma lente ficou 1.3mm desalinhada, e gerou as leituras erradas durante o polimento do espelho.

O espelho primário do Hubble sendo (mal) inspecionado. (Crédito: NASA / Domínio Público)

O passo agora era determinar exatamente as características das aberrações ópticas geradas pelo espelho defeituoso. Comparando com imagens de terra, junto com os dados do fabricante do espelho foi construído um modelo matemático preciso. Com esses dados construíram um dispositivo chamado COSTAR (Corrective Optics Space Telescope Axial Replacement), que é basicamente óculos para o Hubble.

Durante 11 dias em 1993, a primeira missão de manutenção instalou o COSTAR, permitindo ao Hubble fotografar pela primeira vez objetos no espaço profundo, com nitidez inimaginável.

O Hubble vem operando continuamente por 31 anos, e nesse meio-tempo foi visitado por cinco missões diferentes, entre reparos e atualizações. A última foi em 2009, quando trocaram os seis giroscópios, que já haviam falhado antes, e deram um upgrade nas baterias, além de instalarem novos instrumentos. As projeções mais otimistas davam ao Hubble uma vida estimada de 15 anos.

M-104, Galáxia do Sombrero, imagem obtida pelo Hubble após 10.4 horas de exposição. A galáxia fica a 29.35 milhões de anos-luz da Terra (Crédito: r NASA/ESA / Hubble Heritage Team (STScI/AURA))

A Atlantis foi a última nave a visitar o Hubble, e dois anos depois os ônibus espaciais seriam aposentados.

Desde 1999 que o Hubble vem funcionando com novos e modernos computadores, rodando… um… Intel 486@25MHz. Mesmo assim ele é 20 vezes mais rápido que o DF-224 original, a 1.25MHz.

Sua órbita varia entre 537km e 540Km de altitude, e não é a ideal, metade do tempo a Terra oculta os objetos que o Hubble estuda, mas órbitas mais altas o exporiam a mais radiação, e seriam bem mais complicadas de atingir com os ônibus espaciais.

As observações do Hubble variam enormemente. Podem levar alguns minutos, ou podem levar meses. Ele precisa se manter apontado com precisão para objetos a milhões de anos-luz de distância, enquanto gira em torno da Terra a 28000km/h.

Cometa Shoemaker-Levy 9, prestes a colidir com Júpiter em 1994 (Crédito: NASA/Domínio Público)

O Hubble é controlado por um consórcio de 39 Universidades americanas e sete organizações internacionais, mas teoricamente qualquer um pode solicitar o uso do Hubble, apenas sua proposta de pesquisa precisa ser aprovada por um comitê. Mesmo astrônomos amadores são bem-vindos.

Todas essas observações geram uma boa quantidade de dados. Semanalmente 140Gigabits de informação são baixados do Hubble, a grande maioria imagens monocromáticas, fotografadas através de vários filtros coloridos, tornando o Hubble o mais importante telescópio trabalhando no espectro da luz visível.

Toda a informação captada pelo Hubble eventualmente é disponibilizada publicamente no Space Telescope Science Institute, com um embargo de um ano, para dar tempo de quem solicitou a observação analisar os dados e escrever seus papers.

Esses 31 anos de vida não foram sem falhas. Já na primeira missão de manutenção, além dos óculos o Hubble teve seus painéis solares trocados, computador de bordo atualizado e quatro giroscópios substituídos, fora outros reparos.

Os giroscópios, que servem para manter o Hubble fixo apontado para seu alvo foram um grande problema, sendo trocados em outras missões também. A NASA descobriu que pressurizar os instrumentos com Oxigênio puro não era uma boa idéia. Alguns componentes e cabos acabaram oxidados, e o material destruiu os rolamentos ultra-precisos. Os novos giroscópios passaram a ser pressurizados com Nitrogênio.

As Descobertas do Hubble

O Hubble revolucionou a Astronomia. Graças a ele conseguimos identificar buracos negros no centro de galáxias distantes, observar em detalhes um cometa cair em Júpiter, entendemos a Idade do Universo, observamos quasares e bilhões de anos-luz e descobrimos um oceano submerso em uma lua de Júpiter.

Os dados do Hubble ainda levarão décadas para ser analisados, e cada vez que voltamos a eles, novas descobertas são feitas.

A única coisa que não descobrem é a origem da falha que apareceu dia 16 de Junho de 2021, quando o computador principal parou de funcionar. Originalmente esperava-se que um módulo de memória degradado fosse o culpado. Não seria problema, o Hubble tem mais três redundantes, mas novos testes não foram bem-sucedidos.

O Hubble não está conseguindo gravar em memória os dados científicos. Foram testados módulos diferentes, a Interface Padrão, o Módulo de Processamento Central, um barramento de comunicação, entre outros sistemas.

Galáxia Supergigante M87. Fica a 53 milhões de anos-luz da Terra. O Hubble identificou um jato de plasma emitido em velocidade próxima da luz. A origem é o buraco negro gigante no núcleo da galáxia. O jato tem 5000 anos-luz de comprimento. (Crédito: NASA / Domínio Público)

Mesmo o computador de backup foi ativado -pela primeira vez- e o resultado foi o mesmo.

Agora os engenheiros estão analisando os barramentos de alimentação, para identificar se todos os componentes estão recebendo energia nos valores corretos. É frustrante, pois todo o trabalho precisa ser feito remotamente. Em terra o Hubble já estaria consertado, talvez com uma simples porradinha técnica.

Agora a pior parte: Não temos NADA capaz de levar uma tripulação até o Hubble. Fora o ônibus espacial, nenhuma nave na Frota Terrestre tem capacidade de realizar EVAs – Atividades Extra-Veiculares.

Nem a Soyuz nem a Dragon possuem câmaras de descompressão, para o sujeito ou sujeita sair da nave sem abrir a escotilha e vazar toda a atmosfera pro espaço. Nas antigas Gemini e cápsulas russas isso era conseguido com os dois astronautas usando trajes espaciais, e a nave inteira ficando exposta ao vácuo.

Uma Dragon não foi feita para ser exposta ao vácuo, aqueles lindos displays rachariam imediatamente, fora outros problemas, como a ausência de um braço robótico para prender a nave ao Hubble.

Uma solução seria a construção de uma câmara de descompressão, que seria presa na escotilha frontal da Dragon, mas isso exigiria uma imensa quantidade de cálculos para compensar o centro de gravidade alterado, levaria anos e custaria uma fortuna, e a NASA não tem nenhum dos dois.

Originalmente o Hubble deveria ser recuperado por um ônibus espacial e exposto no Instituto Smithsoniano, mas com o fim dos shuttles ele foi destinado a queimar na atmosfera. Só ninguém esperava que ele morresse tão rápido.

A NASA ainda não perdeu as esperanças, e nem nós. Mesmo que ele não consiga ser consertado remotamente, sempre bom lembrar que o Hubble esperou três anos por sua primeira missão de resgate, e em 3 anos teremos Starships tripuladas voando a um custo baixíssimo.

Aguente firme, Hubble, não vamos te abandonar.

 

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