Quando o segundo cabo se soltou sobre a gigantesca antena do Observatório de Arecibo, a comunidade científica “prendeu a respiração” e aguardou. Havia a esperança de que algo pudesse ser salvo, mas o Domo Gregoriano desabou sobre o gigantesco prato na manhã do dia 1° de dezembro, criando um buraco na pesquisa astronômica que, segundo os cientistas, não pode ser preenchido.
Em termos de tamanho, a antena gigantesca de Arecibo já havia sido ultrapassada pelo Radiotelescópio Esférico de Abertura de Quinhentos Metros da China (FAST). Mesmo tão moderno, o FAST não é capaz de fazer o mesmo que o observatório porto-riquenho: transmitir sinais.
“Arecibo era uma das poucas instalações capazes de refletir os feixes de radar de planetas, luas e asteroides para fazer medições em alta resolução de suas formas e superfícies”, disse à Scientific American a física e pesquisadora Megan Bruck Syal, do Laboratório Nacional Lawrence Livermore (cujo trabalho concentra-se em defesa planetária).
Esse é o campo em que o observatório é praticamente insubstituível. Seu radar planetário não tem similar entre os radiotelescópios terrestres, dando aos pesquisadores, no caso de asteroides, dados suficientes para calcular a rota e o potencial de um deles de colidir com a Terra.
O 3200 Phaetho fotografado pelo Arecibo; os astrônomos já sabiam que ele não oferecia risco de colisão iminente meses antes de sua passagem.Fonte: Arecibo Observatory/NASA/NSF/Divulgação
Sobrevida gloriosa
Entre seus feitos estão enviar o primeiro comunicado transmitido ao espaço profundo em 1974; captar a primeira evidência da existência de ondas gravitacionais e a primeira explosão rápida de rádio (FRB); e ser a instalação de papel mais importante na confirmação da existência dos primeiros exoplanetas.
O observatório sobreviveu a furacões devastadores, mas não à falta de dinheiro – mesmo o avanço da tecnologia não tirou o velho observatório do jogo. Em 2006, a National Science Foundation (NSF), instituição responsável pelo Arecibo, decidiu desativá-lo em 2011. A comunidade local e principalmente a científica mundial se levantaram e salvaram o observatório, mas o dinheiro para mantê-lo diminuía a cada ano.
A radioastrônoma Alessondra Springmann morou quase 1 ano em Arecibo. Para ela, o observatório “é realmente um lugar único e fenomenal; não há similar na Terra. Ele foi projetado para ser muito flexível”.
Os múltiplos talentos do observatório nasceram principalmente de um erro de cálculo bizarro. Inicialmente projetado para analisar a ionosfera da Terra (a fronteira entre a Terra e o espaço, a 50 quilômetros de altitude), Arecibo ganhou um prato 10 vezes maior do que o necessário para o trabalho.
A montagem de Arecibo, em 1962.Fonte: NSF/Reprodução
Seus 350 metros de diâmetro (que deram a ele o título de observatório com a maior antena parabólica do mundo) e mais atualizações ao longo do tempo abriram o leque do que ele era capaz de fazer – a flexibilidade apontada por Springmann que o tornaram único e praticamente insubstituível. Para fazer o trabalho de um, serão necessários muitos ou, em alguns casos, nenhum.
Lições aprendidas
Foi nas instalações em Porto Rico que os astrônomos conseguiram coletar a maior parte dos dados sobre estrelas de nêutrons de rotação rápida e também onde foi possível identificar pela primeira vez um pulsar binário, bem como medir suas ondas gravitacionais. Hoje, esse trabalho terá que ser feito apenas pelo Radiotelescópio Green Bank.
Ele próprio enfrentou o mesmo destino que Arecibo em 1988, quando desabou sem aviso. A comunidade científica pressionou, e o Congresso financiou sua reconstrução em 2001.
O Radiotelescópio Green Banks desabou sem causa aparente em 1988.Fonte: NRAO/Divulgação
A NSF formalmente deixou de investir tanto no Green Banks como em Arecibo em 2016, alegando que, frente à escassez cada vez maior de recursos, canalizaria o dinheiro para estruturas mais novas, como o Observatório Vera C. Rubin. Agora, a comunidade científica novamente se mobiliza para pressionar pela reconstrução de Arecibo, avaliada em US$ 400 milhões.
O diretor da Divisão de Astronomia da NSF, Ralph Gaume, já declarou que “a NSF tem um processo muito bem definido para financiamento e construção de infraestrutura de grande escala, incluindo telescópios, o que envolve apropriações do Congresso e avaliação das necessidades da comunidade científica. Portanto, é muito cedo para comentarmos a reconstrução de Arecibo”.
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