Transfusão de água de coco. Bolsonaro surtou ou a Ciência concorda?

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Existe uma tradição brasileira de que o Supremo Mandatário da país é especialista em falar bobagem, seja chamar uma pandemia mundial de resfriadinho, propor estocar vento ou dizer que o Tsunami do Japão foi um vendaval na Ásia. A mais recente bobagem envolve água de coco, transfusões e Jair Bolsonaro, que depois de falar dos ornitorrincos da Amazônia, não é muito confiável como fonte de informações científicas.

Portanto, transfusão de água de coco é uma bobagem completa, certo?

Não exatamente…

Em uma entrevista o Presidente falou:

“Olha só a gente vai buscar muita coisa na História. Na Guerra do Pacífico o soldado chegava ferido e tinha que ter sangue e não tinha sangue. Aí descobriram naquele momento que a água de coco servia e o pessoal não fez estudo de nada, meteu água de coco na veia do pessoal que estava ferido e deu certo”

Óbvio que ele usa isso como justificativa para sua querida Cloroquina mas isso é assunto para outro texto.

Será que isso de usar água de coco intravenosa faz sentido? Bem, uma busca rápida mostra um monte de sites de ecochatos naturebas falando maravilhas, que é melhor hidratante do que água (sério), que cura até Coronavirus e mais, há idiotas repassando fake news de que Água de coco quente cura… câncer.

Alguns sites chegam a afirmar que a composição da água de coco é quimicamente idêntica ao plasma, a parte líquida do sangue humano. Isso seria um feito e tanto, visto que as duas espécias divergiram do mesmo ancestral comum 1.2 bilhões de anos atrás.

Água de coco funciona bem como hidratante, mas não é o substituto ideal para plasma. Ela tem eletrólitos, que são excelentes e o que as plantas adoram, mas também tem Potássio demais e Sódio de menos. Mesmo assim em uma emergência seria melhor do que nada, e foi o que aconteceu várias vezes. Um dos casos mais documentados1 ocorreu em 1992, no Hospital Atoifi, em Malaita, uma das ilhas do Arquipélago das Ilhas de Salomão.

Com população de 600 mil pessoas e no meio do Pacífico, o país não é exatamente rico, e o tal hospital não era exatamente o Princeton-Plainsboro, dizem as más línguas que não era nem o Sacred Heart. Um paciente foi admitido com sinais de derrame, e teve complicações por não conseguir se alimentar ou hidratar via oral, e acabou rejeitando o tubo nasogástrico.

Os médicos apelaram para hidratação intravenosa, o bom e velho soro glicosado, mas depois de 36 dias ele piorou, e não havia mais suprimentos. A próxima entrega estava prevista para dali a dois dias, e o paciente não resistiria. O hospital mais próximo ficava a um dia de caminhada e não havia verba para mandar vir suprimentos de avião. TC não estava disponível para levar de helicóptero, até porque ele estava ocupado ajudando o Magnum no Hawaii, que de qualquer forma fica a 6000Km de distância.

O hospital não tinha equipamentos para produzir soro com qualidade e segurança suficientes para injetar no paciente, por sorte os médicos lembraram de casos antigos e resolveram, na falta de alternativa, usar água de coco para reposição de fluídos.

Foram escolhidos cocos verdes, que contém mais água. Uma agulha foi introduzida em um dos olhos  (do coco, não do paciente, calma) para equilibrar a pressão. No olho maior (ainda do coco) um orifício foi aberto para encaixe do equipo de soro.

Por dois dias o paciente recebeu por volta de 1200ml/dia de água de coco nas veias. Ele se recuperou e depois de 39 dias no hospital, recebeu alta.

A água de coco, a menos que você tenha recebido direto das mãos de Te Fiti, não tem nenhuma propriedade mágica, mas tem uma vantagem excelente para pacientes em hospitais precários no meio do mato: Ela é estéril. As sterile as my milk-man trusting father, como diria o Professor Farnsworth em Futurama. Isso significa menor risco de infecção pro paciente.

Há relatos anedóticos de água de coco sendo usada como alternativa a plasma ou soro fisiológico durante a Segunda Guerra Mundial, tanto por ingleses quanto por japoneses, mas ninguém teve tempo de escrever um paper, talvez por estarem desesperados tendo que injetar água de coco para salvar vidas no meio de uma guerra.

Do outro lado do mundo, em Havana2, cientistas faziam experimentos com água de coco, analisando sua composição e testando sua viabilidade intravenosa em coelhos e até em crianças, depois que os coelhos acabaram provavelmente.

Para continuar a horrorizar a PETA, uma pesquisa brasileira3 de 2016 testou água de coco como fluído de ressuscitação para salvar ratos em choque hemorrágico, que depois foram devidamente sacrificados para serem examinados.

O resultado foi que uma solução de água de coco, NaCl e Sinvastatina resultaram em significativa melhora das funções hepáticas e renais, e extrema redução de danos nos pulmões dos ratos.

No Peru experimentos para tratamento de desidratação em cães e ratos comprovaram4 a eficácia da água de coco, bem como os previstos efeitos de redução nos níveis de Sódio, por isso a recomendação do uso de sal como complemento.

A fala do Presidente repetiu uma informação tão obscura que mesmo sites como o Snopes citam como falsa, mas como sempre a verdade está no meio do caminho. Água de coco não é o substituto ideal para plasma, mas em uma situação de emergência pode ser usada sem grandes danos, se o paciente não sofrer de hipercalemia (excesso de Potássio no sangue) e outras condições.

É uma medida drástica? Sim, mas não é uma medida desesperada, medida desesperada é responder “pode” quando o garçom pergunta “Só tem Pepsi, pode ser?”. Acima de tudo é um péssimo exemplo a ser comparado com a situação atual. Os riscos são conhecidos, controláveis e a eficácia da água de coco intravenosa é comprovada por todos os estudos.

Ao mesmo tempo, é o tipo de pensamento fora da caixa que faz a ciência avançar, e bem diferente de atirar tudo na parede e ver o que gruda. E também vale a lição: Pensar fora da caixa vale pra todos os lados e às vezes algo que soa um absurdo, dito por quem só fala absurdos, não é tão absurdo assim.

Fontes:

1 – Campbell-Falck, D.; Thomas, T.; Falck, T.M.; Tutuo, N.; Clem, K. The intravenous use of coconut waterAm. J. Emerg. Med. 200018, 108–111

2 -Pradera ES, Fernandez E, Calderin O: Coconut water, a clinical
and experimental study. Amer J Dis Child 1942;64:977-995

3 – Medeiros VF, Azevedo ÍM, Carvalho MD, Egito ES, Medeiros AC. Effects of cococonut water and simvastatin in the treatment of sepsis and hemorrhagic shock in rats. Acta Cir Bras. 2016;31(12):826-33.

4 – Mendoza Q, Yamili, Li E, Olga, Hoyos S, Luis, Espinoza B, Juan, Angulo H, Pedro, Díaz C, Diego, & Lázaro D, César. (2018). Uso del agua de coco (Cocos nucifera) como terapia electrolítica intravenosa en caninos deshidratados. Revista de Investigaciones Veterinarias del Perú, 29(3), 734-742.



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