Transição

Olho as enormes estantes em volta de mim e penso na dureza deste momento de transição. Minha próxima casa talvez não tenha nem metade dessas prateleiras e desses livros. Temo sentir falta deles. Cresci numa casa com estantes generosas e muitas enciclopédias ilustradas para matar as tardes de tédio. Minha filha adolescente cresce cercada de fios e aparelhos que apitam, imersa na rede. Pergunto a ela se pensa que a casa dela no futuro terá grandes estantes. Ela diz que não sabe, mas avisa que prefere livros em papel ("gosto de segurar"), ainda que invista muito tempo na comunicação eletrônica.
Talvez eu não devesse comparar essas coisas. A gente ficou com medo da rua e tranca as crianças em casa, como se isso fosse saudável. Elas saem pelas janelas da internet.
Fiquei pensando que faço parte de uma geração de transição: nasci analógica, cresci elétrica e amadureci eletrônica. Mas isso é bobagem. Minha geração ensinou os pais a programar videocassete e usar controle remoto antes de ensinar a usar o computador e o e-mail. E a geração dos meus pais deve ter ensinado a geração dos meus avós a fazer outras coisas. Pensando bem, todas as gerações são de transição. Exceto a última, a derradeira, a que estiver por aqui quando o mundo acabar. Um dia, quando a humanidade acabar, esse mundo tecnológico não vai mais ter importância nenhuma. Tanto esforço para nada. Tanta informação para nada. Puf. Baubau. Acabou.
Leia mais (03/31/2014 – 03h30)

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