Algumas coisas são inacreditáveis e ao mesmo tempo inevitáveis, mas devo reconhecer que dessa vez foi surpreendente ver como anos de dedicação, segredo e melodrama da comunidade de inteligência foram jogados no lixo por uma laranja ensandecida.
A Situação
O Irã além de todos os seus programas de mísseis militares, tem também um programa espacial (melhor que o nosso, claro), já conseguiram colocar satélites no espaço, e os foguetes deles tendem a explodir menos que os nossos, mas não muito menos.
Tanto que na Quinta-Feira, 29/8/2019 um acidente durante o abastecimento acabou com as esperanças do lançamento de um satélite no Centro Espacial Imam Khomeini. Nem foi o primeiro acidente do ano, em Janeiro eles perderam outro foguete, mas este (quase) lançamento foi acompanhado por muita gente. Satélites de observação comerciais identificaram a plataforma, com uma coluna de fumaça:
Chato, mas acontece nas melhores famílias, e ao menos alguém ficou feliz, os EUA, que já tinham avisado ao Irã que não gostam da idéia de desenvolverem um programa espacial. O argumento é que um foguete lançador de satélites é basicamente um míssil balístico intercontinental. Não estão errados.
A história ficaria por isso mesmo, se os boatos de sempre não tivessem chegado até Donald Trump.
Sim, CLARO que tem gente atribuindo o acidente aos Estados Unidos, isso é normal, gente que ignora a complicação que é construir foguetes sempre culpa Washington, até nosso VLS houve quem dissesse que foi sabotado por satélites americanos com lasers. Recentemente autoridades russas disseram que Chernobyl foi sabotada pela CIA.
O fora do comum foi Trump ter levado a acusação pro lado pessoal, e tuitado a seguinte mensagem:
OK, uma mensagem conciliadora, de solidariedade, negando qualquer envolvimento e desejando tudo de bom. Bonito, algo até atípico. O problema é que junto com a mensagem Trump tuitou esta imagem:
É uma imagem muito, MUITO detalhada da plataforma de lançamento iraniana. Isso está além das capacidades de qualquer satélite comercial. Mesmo as fotos divulgadas pelo Pentágono não chegam perto disso. A imagem que Trump liberou é melhor que a maioria das fotos feitas com drones de reconhecimento.
A Comunidade de Inteligência ficou, compreensivelmente, em polvorosa. Um monte de gente se recusou a acreditar, como assim isso foi liberado?
Imediatamente começaram a especular. Seria um drone? Dificilmente os EUA arriscariam mandar drones para tão dentro do território iraniano.
Uma analista lembrou que os EUA ainda mantém aviões espiões U2 nos Emirados Árabes, mas de novo, sem motivo muito forte não há razão pra arriscar a vida de um piloto pra monitorar um satélite.
Algo que chamou a atenção foi o ângulo, imagens de satélite em geral são feitas quando eles estão diretamente sobre o alvo, pelo simples fato da distância ser bem menor, mas não são incomuns imagens em ângulo, como esta, feita por um satélite comercial:
Com a imagem do Trump os analistas começaram a brincar, e logo descobriram a hora em que a foto havia sido tirada, graças às sombras no chão:
Com esse dado outros começaram a estudar órbitas de satélites espiões e… bingo!
O satélite espião KH-12 Improved Crystal, lançado em 2018 por um Delta IV Heavy passou quase exatamente sobre a base de lançamento iraniana.
A imagem, mesmo sendo uma foto de uma foto e feita com flash (não reclame pelo menos Trump não fez um vídeo vertical) mostra uma resolução incrível, perto do limite teórico definido pelas propriedades ópticas da atmosfera, que permitem imagens de algo entre 6cm a 20cm por pixel.
Ou seja? Aquela história de satélites lendo placas de carros, é balela, desculpe.
Putin deve estar rindo feito bobo, Irã, Melhor Coréia, até o Maduro deve ter gargalhado. Esse tipo de erro simplesmente não acontece, são raríssimos os casos, um dos mais recentes e famosos ocorreu em 1984, e envolve estas fotos:
Como você pode ver claramente, é um porta-aviões soviético, em construção. A foto foi divulgada pela revista Jane’s Defense Weekly, e tem resolução de uns 90cm/pixel. A foto foi fornecida por Samuel Loring Morison, um analista de inteligência da Marinha, que tinha acesso a imagens do satélite KH-11.
Em sua casa o Serviço Secreto encontrou um monte de imagens e materiais sigilosos, mas não acharam qualquer indicação de que ele planejasse vender informações para o Inimigo. Morison explicou que havia mandado as fotos para a Jane´s pois queria que o mundo soubesse o que os russos estavam fazendo, que só tornando pública a intenção deles de construir uma frota de porta-aviões, os EUA e a OTAN seriam obrigados a tomar atitudes.
Morison foi julgado como espião e condenado, mas as circunstâncias extremamente especiais do caso fizeram com que ele pegasse uma pena de apenas 2 anos de cadeia.
Quando ás imagens em si, não surpreenderam os russos, eles já estavam bem cientes das capacidades do KH-11, afinal de contas a KGB já havia roubado o Manual do Usuário do satélite, em 1978.
Source link