Na semana de 01 de novembro, foi identificada na África do Sul a primeira amostra da variante B.1.1.529, hoje nomeada Ômicron. Em 29 de novembro, ela já representava 98% das amostras sequenciadas. Na Dinamarca, a prevalência da variante dobra a cada 2 dias. Londres está em pânico, com aumento exponencial sem precedentes.
Figura 1 – Comparação entre a onda gerada pela Ômicron com as anteriores
Figura 2 – Incremento de casos pela Ômicron em Londres, comparado com a incidência pela Delta
O que faz a Ômicron ser tão preocupante?
A taxa de reprodução efetiva (Rt) da variante Ômicron é bastante elevada nos locais que a receberam. Chegou a acima de 3 na África do Sul. As explicações mais plausíveis que justificam essa elevação do Rt são o aumento da taxa de reprodução básica (R0) e o escape do sistema imune, que causa aumento de susceptíveis.
O R0 da primeira variante do SARS-CoV-2, em Wuhan, era de 2,5. Estima-se que o R0 do Delta seja em torno de 6, mais que o dobro. Há algumas evidências que indicam que a Ômicron pode ter um R0 ainda mais alto que o Delta, mas isso não está completamente elucidado.
O escape da imunidade parece ser o fator crítico que explica o aumento substancial da Ômicron.
No seu surgimento em novembro, apesar de a África do Sul possuir apenas cerca de 25% da população plenamente vacinada, a estimativa de pessoas que contraíram a infecção pelo SARS-CoV-2 era de 72%. Portanto, é lógico imaginar que, em contexto de alta imunidade e tendência de queda de casos com a Delta, uma provável explicação para a Ômicron seja a capacidade de reinfectar pessoas ou de causar infecção em vacinados. Isso já ocorria com a Delta, mas a Ômicron levou isso a outro patamar. A causa provável disso é o escape da imunidade.
Figura 3 – Neutralização de anticorpos para cada situação
Os primeiros estudos que surgiram e que corroboram com essa hipótese, foram os estudos in vitro que avaliaram a capacidade de soros de pessoas vacinadas ou que contraíram infecção em neutralizar as diferentes variantes. E os resultados são claros quanto à baixa capacidade de neutralização da Ômicron. Um deles (Figura 3), comparou a capacidade de neutralização de soros de pessoas expostas a diferentes esquemas de vacinação e expostas a diferentes variantes do vírus.
Pacientes que tiveram infecção prévia pela Alta, Beta e Delta, tiveram concentrações muito baixas de anticorpos neutralizantes contra a Ômicron. O mesmo ocorreu para a maioria dos esquemas vacinais. As únicas situações que mantiveram alguma capacidade de neutralização foi em pessoas com imunidade híbrida (infecção + vacinação) e para aqueles que receberam esquema vacinal heterólogo com 2 doses de AztraZeneca, seguidos por reforço com Pfizer. Outros estudos semelhantes confirmaram esse padrão, com quedas acima de 30x nas concentrações de anticorpos neutralizantes para a Ômicron, comparada a outras variantes.
Em seguida, iniciaram os estudos de eficácia vacinal. O primeiro se deu no Reino Unido, que demonstrou queda progressiva da eficácia dos esquemas baseadas em 2 doses de AztraZeneca e Pfizer. Quando se avalia a eficácia para prevenir infecção pela Delta, o esquema com AztraZeneca chegou a 40% em adultos acima de 25 anos, enquanto o esquema com a Pfizer chegou a 60%. Mas quando se avaliou a eficácia para a Ômicron, essas eficácias caíram para abaixo de 10% e de 40%, respectivamente. Ou seja, houve uma queda acima de 50% na eficácia para prevenir infecções com a Ômicron.
Figura 4 – Eficácia vacinal no Reino Unido
A África do Sul, naturalmente com mais dados por ter sido o primeiro país a enfrentar a circulação intensa da nova variante, divulgou seus estudos. A queda da eficácia vacinal para evitar infecções foi de 80 para 33%. Porém, a eficácia para evitar hospitalizações caiu de 93 para 70%, ou seja, uma queda bem menor. A eficácia para hospitalização acabou sendo menor em idosos, chegando a 59% em idosos de 70-79 anos.
Esse padrão, de queda da eficácia maior para infecção e menor para hospitalização, levanta a hipótese de que a eficácia caia ainda menos, se é que cai, para prevenção de óbitos. Porém, por ser um evento menos frequente, não há informações que atestem essa hipótese.
O cenário epidemiológico que se desenha na África do Sul é de elevação substancial na incidência de casos, com picos sem precedentes, porém, com elevação não proporcional de internações e óbitos (Figura 5).
Figura 5 – Curva de casos, internamentos e óbitos em Gauteng – África do Sul
Na figura 6, é possível comparar a proporção de internamentos nas diferentes ondas da África do Sul, nas diferentes faixas etárias. Todas mostram redução significativa na chance de internamento durante a atual onda com a Ômicron.
Figura 6 – Proporção de internações nas diferentes ondas, em diferentes faixas etárias, na África do Sul
Esse padrão pode ser explicado pelo status imunológico. Vimos que a imunidade acaba sendo mais eficiente ao longo do tempo em prevenir hospitalizações do que prevenir infecções. Logo, é de se esperar que os casos de infecções que ocorram sejam mais leves. Essa é uma boa notícia. Porém, devemos tomar muito cuidado ao interpretar esse dado. De forma paradoxal, uma doença menos grave pode gerar mais internamentos e óbitos no total se afetar mais pessoas. Pensem em uma doença que afeta 1 milhão de pessoas e mata em 1% dos casos. Os óbitos totais serão de 10 mil casos.
Agora pensem em outra doença que mata apenas em 0,5% dos casos, a metade comparado ao anterior. Quantas mortes ocorrerão se essa nova doença afetar 10 milhões de pessoas? A conta é de 50 mil. Vejam que mesmo sendo menos grave, o impacto coletivo pode ser pior a depender de quantas pessoas contraem a doença. Esse é o risco da Ômicron. Mesmo sendo eventualmente mais leve, o que ainda deve ser confirmado, a alta transmissibilidade que possui pode fazer com que muitas pessoas se infectem em curto espaço de tempo, com potencial de gerar colapso do sistema de saúde e de causar muitos óbitos.
O que esperar para o Brasil?
O Brasil possui atualmente uma condição rara no mundo. Ao mesmo tempo que muitas pessoas contraíram a infecção nas ondas anteriores (estima-se que 58% da população teve COVID-19 até 18 de novembro de 2021), possuímos alta cobertura vacinal, com 65% da população plenamente vacinada (2 doses). Além disso, cerca de 10% da população já recebeu a dose de reforço, particularmente os idosos.
A revista The Economist realizou um ranking de vulnerabilidade dos países baseado no perfil imunológico. O Brasil ficou em terceiro lugar entre os países com melhor perfil imunológico quando se fala na Ômicron (Figura 7).
Figura 7 – Estimativa de proteção baseado no perfil imunológico
Uma coisa é certa. A Ômicron afetará o mundo de forma heterogênea. Além do perfil imunológico, a estrutura etária do país é um fator a ser considerado. Dado que a letalidade aumenta exponencialmente (essa deve ter sido a palavra mais utilizada em 2020/2021) com a idade, países que possuem maior proporção de idosos, principalmente se não estiverem imunizados, serão os que mais irão sofrer. Países da Europa, EUA e Japão são exemplos de países com uma fração alta da população idosa. A África, ao contrário, possui média de idade baixa e isso de certa forma os protege das consequências do SARS-CoV-2. A América do Sul está em uma situação intermediária.
Isso significa que estamos livres da Ômicron? Longe disso. Percebam no gráfico da figura 7 que o Brasil está com proteção pouco acima de 50%. Caso o R0 da Ômicron seja equivalente à Delta, em torno de 6, a proteção necessária para se atingir um equilíbrio seria perto de 85%. Há um longo caminho pela frente. Há 2 formas de se melhorar o perfil imunológico da população. Com vacina ou com infecção. No caso da infecção, há de se esperar que ocorram internamentos e óbitos. Se isso causará colapso do sistema de saúde e o número de óbitos diários irá superar o das ondas anteriores, não é possível responder de forma categórica. Creio que esse cenário seja improvável, porém não impossível.
O momento pede cautela. A Ômicron já está entre nós. Nos próximos meses teremos mais condições de estimar o real impacto.
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Bernardo Almeida é médico infectologista e Chief Medical Officer da Hilab, health tech que desenvolveu o Hilab, primeiro laboratório descentralizado usando testes laboratoriais remotos. É médico especialista em infectologia pela Universidade Federal do Paraná, com residência médica em clínica médica e medicina interna no Hospital de Clínicas – UFPR e em infectologia no Hospital de Clínicas – UFPR, mestrando da UFPR em medicina interna, área de doenças Infecciosas – Epidemiologia das síndromes respiratórias agudas graves em adultos. Tem experiência na área de medicina, com ênfase em clínica médica e doenças infecciosas e parasitárias, e participa de grupo de pesquisa na área
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