Final Fantasy XIV é talvez um dos poucos MMORPGs que conseguiu, ao longo dos anos, reunir uma comunidade exemplar e saudável, com jogadores verdadeiramente dispostos a curtir o jogo e ajudar quem está começando. E como não podia deixar de ser, ele reuniu diversas histórias.
No entanto, nenhuma delas é mais tocante ou teve mais impacto do que a contada pelo jogador japonês conhecido como “Maidy”, sobre como ele usou o jogo para se reconectar com seu pai recluso. Infelizmente, o autor do emocionante relato faleceu recentemente, vítima de um câncer contra o qual ele lutou por anos.
A história original foi contada entre agosto de 2014 e abril de 2016, em uma série de postagens no blog pessoal de “Maidy”, um jogador ativo de Final Fantasy XIV no servidor Gungnir. Segundo o relato, o pai de “Maidy”, agora um senhor de mais de 60 anos, se tornou recluso ao longo dos anos, o que dificultou a comunicação entre eles, limitada apenas ao básico do básico.
No entanto, ele sempre foi um gamer inveterado e consumia títulos diversos, como FPS. Quando “Maidy” viu seu pai jogando Monster Hunter, ele teve a ideia de atraí-lo para Final Fantasy XIV e tentar uma reaproximação através do jogo, com sua miqo’te agindo como uma guia para o recém-chegado highlander (não aquele), que escolheu o hilário nome (segundo o filho) de “Inoue”.
O plano de “Maidy”, chamado “Hikari no Otousan” (literalmente “Pai da Luz”) consistia em instruir “Inoue” e guiá-lo pelo mundo de Eorzea sem revelar sua real identidade, o que só seria feito no momento oportuno.
O que “Maidy” não sabia, é que “Inoue” estava com câncer e escondeu o fato da família, que achou muito estranho ele deixar o emprego que tinha sem nenhum aviso. Apenas quando ele passou por complicações e quase morreu, “Maidy” entendeu o que estava realmente se passando com seu pai.
Ainda assim, pai, filho e outros jogadores travaram diversas aventuras no jogo, e “Maidy” só revelou sua identidade depois que ambos derrotaram um chefe poderoso. Você pode ler o relato completo neste blog, que traduziu as postagens de “Maidy” para o inglês.
A história chamou a atenção da Square Enix, que em 2016 publicou um livro com o nome Final Fantasy XIV: Hikari no Otousan, em uma versão romanceada onde nomes e eventos foram alterados, para dar mais peso dramático. A publicação se tornou um best-seller, e logo ele foi adaptado em uma série para a Netflix.
Disponível na Netflix, Final Fantasy XIV: Dad of Light possui 8 capítulos e intercala cenas da vida real com material diretamente de Final Fantasy XIV, usando uma taxa de quadros proposital de 30 fps, para reproduzir como o jogo funcionaria em uma conexão ADSL, como a da residência de “Maidy” e “Inoue”.
A série foi bastante elogiada pelo público, já a crítica especializada, por sua vez, apontou que o formato deixou a narrativa mais longa do que precisava ser. Ainda assim, os elementos originais do conto de “Maidy”, incluindo os problemas de saúde de seu pai, foram reproduzidos.
Em 2019, a história foi novamente recontada, mas desta vez, na forma de um filme para o cinema. Embora o nome no Japão tenha sido mantido como Final Fantasy XIV: Hikari no Otousan — O Filme, no ocidente ele foi renomeado como Brave Father Online: our story of Final Fantasy XIV.
A história e formato são basicamente os mesmos, mais condensados para se adequarem ao formato cinematográfico, mas por outro lado, o elenco foi todo reescalado em relação ao da série. Um dos motivos foi o fato de que o ator Ren Osugi, que interpretou o pai, faleceu em 2018.
O filme possui uma boa avaliação no IMDb, no entanto, a pandemia da COVID-19 atrapalhou os planos de distribuição da película deste lado do mundo.
O relato de “Maidy” sobre como o relacionamento com seu pai for retomado através de Final Fantasy XIV demonstra, mais uma vez, como os jogos podem ser usados como forças construtivas e elos de ligação entre as pessoas, ainda mais no momento em que vivemos hoje. Embora “Inoue” tivesse seus motivos para ser um homem reservado, a história é uma prova de que videogames não precisam, não pdem ser encarados como experiências individuais.
No jogo, “Inoue” era muito mais aberto a “Maidy” e outros aventureiros do que era com sua família na vida real, e este é também um ponto positivo não só sobre os games, mas especificamente para Final Fantasy XIV. É consenso que ambientes online, em especial MMORPGs, costumam reunir uma comunidade integrada por muitos jogadores problemáticos, alguns até mesmo para lá de tóxicos.
Isso é algo que nem mesmo World of Warcraft conseguiu sanitizar ao longo de seus 16 anos de história (talvez a Blizzard não tenha interesse), mas a Square Enix sempre foi zelosa ao extremo com sua franquia mais valiosa (segundo o estúdio). Quando Final Fantasy XI foi lançado em 2002, houve a preocupação genuína de garantir um ambiente saudável e bem-vindo a todos, e os jogadores entenderam o recado.

Final Fantasy XIV é um dos ambientes online mais amigáveis para jogadores que seriam hostilizados em outros títulos (Crédito: Reprodução/Square Enix)
A recusa da Square Enix em abolir a cobrança de mensalidade em Final Fantasy XIV e Final Fantasy XI, que continua online, ou de transformar o jogo em um free-to-play, é justificada pelo desejo de manter um ambiente saudável. Só quem estiver disposto a pagar (muito) vai entrar, e esses consumidores não vão querer perder uma boa grana jogando como trolls, e acabarem sendo banidos.
Não obstante, a comunidade de Final Fantasy XIV é composta não só dos fãs da franquia, mas também de muitos jogadores que fugiram de ambientes tóxicos em outros jogos, incluindo World of Warcraft. Por esse mesmo motivo, o diretor Naoki Yoshida nem cogita a ideia de incluir o jogo no Xbox Game Pass, embora haja planos de lançá-lo para os consoles da Microsoft em breve.
No fim das contas o alto custo do jogo, as expansões e a mensalidade funcionam como o filtro definitivo para manter os trolls bem longe de Final Fantasy XIV, e mesmo que alguns entrem, os moderadores e os próprios jogadores atuam para coibir suas ações.
Mas voltemos a “Maidy” e “Inoue”. Em junho de 2020, o filho revelou em seu blog que estava tratando um câncer colorretal, quando o tumor maligno se manifesta na última porção do intestino grosso, o 3º tipo mais frequente em homens, depois do de próstata e o de pulmão. Segundo o autor, ele passou por uma cirurgia para extirpá-lo no fim de 2018, mas recentemente, a doença voltou.
Sua última postagem no blog foi ao ar no dia 21 de novembro de 2020, e nesta quinta-feira (10), a conta da obra original no Twitter, ligada à Square Enix, comunicou o falecimento de “Maidy”.
【訃報】「ファイナルファンタジーXIV 光のお父さん」シリーズの原作者・マイディー氏が逝去されました。
光の戦士としてエオルゼアの世界を愛し、劇場版の制作・宣伝にもご尽力いただきました。
心よりご冥福をお祈り致します。@Maidy_Maidy pic.twitter.com/9Y3ot0n3ya— 『劇場版 FFXIV 光のお父さん』公式 (@hikarino_otosan) December 10, 2020
“O sr. “Maidy”, autor original da série “Final Fantasy XIV: Dad of Light”, faleceu.
Como um guerreiro da luz, ele amava o mundo de Eorzea e se esforçou para produzir e promover a versão cinematográfica.
Oremos por sua alma do fundo de nossos corações.”
Este não é o desfecho que as pessoas queriam para a história de reaproximação entre um pai e seu filho, mas a vida é… bem, a vida. Ainda assim, “Maidy” e “Inoue” deixaram um exemplo de como os games podem ser não apenas peças de entretenimento, mas também pontes entre as pessoas, que se tornaram distantes por mais que a distância física entre eles seja mínima.
Por mais que a Square Enix tenha usado a história para capitalizar em cima, com um livro, uma série e um filme, é importante notar que “Maidy” sempre esteve envolvido em todas as produções e mais, a experiência que ele teve com seu pai foi única e genuína, de uma forma que não poderia ter se dado de outra forma com o mesmo desfecho.
No fim “Inoue” e “Maidy” são o pai e o filho da luz, que encontraram no mundo fantástico de Eorzea um laço que os uniu de uma forma que ninguém poderia imaginar, e que serviu de inspiração para muitos outros jogadores, em muitos casos o filho que cresceu jogando com o pai, que agora usa um novo jogo para se aproximar novamente de seu parente recluso ou reservado.

Cena do filme Brave Father Online: our story of Final Fantasy XIV (Créditos: Gaga Corporation/Square Enix)
Quanto à “Maidy”, que ele agora possa caminhar sob a luz do cristal de Eorzea.
Fonte: Siliconera
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